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Crônicas e Artigos

Ano 8 - N° 386 - 26 de Outubro de 2014

CHRISTINA NUNES
meridius@superig.com.br
Rio de Janeiro, RJ (Brasil)

 
 

Projeção lúcida


A vivência nos antecipa, de certo modo, a experiência definitiva da morte, certa para todos, hóspedes transitórios deste mundo material. Mas sua validade maior reside em nos permitir conservar, enquanto ainda aqui, as sensações, o aprendizado, e determinadas certezas que nos favorecem imensamente durante o duro repertório existencial que representa o atualmente se estar reencarnado neste mundo. E é, neste sentido, autêntica bênção!

Porque se sobrepõe a tudo o mais a convicção da desidentificação completa para com tudo aquilo que, enquanto revestidos do corpo material, se apresenta dotado de importância desmesurada, causando-nos angústia e sofrimento. Uma vez "lá em cima", portanto - e este lá em cima pode ser nos descobrirmos à parte do nosso corpo físico, ou avistando a Terra de muito longe, ou n'outros contextos afins às condições espirituais nas quais nos vemos momentaneamente situados - o sentimento predominante é de consciência desperta absoluta, em si e em tudo o mais em volta, na Criação imponente que nos rodeia! Vida, uníssona, em nós, e em igual qualidade manifesta em tudo em torno! E em segundo lugar, muito pouca percepção de que sequer se possui, ainda, veículos corporais em níveis astrais / etéricos circundantes. De fato, nossa noção de identidade permanece intacta, dali, daquele ponto onde repousamos observando com encanto tudo ao redor - mas a sensação de libertação de quaisquer invólucros e limitações rudes é absoluta e vívida!

O corpo físico? Sim, temos a noção de que ele está lá, n'algum lugar à nossa espera - mas do mesmo modo como uma das roupas que existem nas nossas gavetas! Os apegos sobre situações, acontecimentos e fatos? Guardamos vaga noção de sua realidade n'outro nível, só que, na posição desafogada onde então permanecemos, perdem, de forma quase absoluta, toda a significação relativa, a importância, e o que resta são meros sentimentos tênues sobre cada um deles. Sentimentos, ou de gratidão, ou de admiração de que, em certo contexto, algo se revista de tanta e desmesurada importância para nós, quando ali, onde agora nos demoramos, enfim acordados na dimensão mais real da Vida, a absoluta relatividade de tudo se revela desconcertante, e inquestionável!

De fato, episódios que nos ocasionam tanto desgaste mental e emocional, agora, nos comparecem com clareza na sua função relativa de mero aprendizado! Assim, descanso! Desafogo! O se inspirar a longos haustos, como alguém que deixa, enfim, a atmosfera atordoadora, saturada de fumaça tóxica, de poluição visual e psíquica, para então poder respirar e enxergar com clareza, e usufruir ambiente límpido, cristalino, livre de pressões, de miasmas psíquicos, da pressão esmagadora dos incontáveis episódios estressantes do dia a dia!

Tal a experiência, em tudo terapêutica, que vivenciei por mais de uma vez, nas últimas semanas!

Tudo, neste estado liberto, se resume ao universo exclusivo das sensações íntimas a respeito de tudo: conforme as lembranças, agora vagas, desapegadas, dos fatos mais recentes, desfilam nos registros de nossa memória, sentimos, sobre cada uma delas, ora gratidão, ora certa mágoa de nós mesmos - por qual razão não aproveitarmos melhor as lições de determinadas circunstâncias, sem tantas ansiedades e tão avolumados zelos de nós mesmos? De resultados e de preocupações improdutivas, quando tudo se prende a um contexto transitório, mas é preciso que se entenda que é assim mesmo que funciona, e que outra não é a razão de nos demorarmos por aqui, em meio à atual balbúrdia do mundo, senão para exercitar nossos melhores valores, perseverança e força interior! Para nos conservarmos no território das boas escolhas, a despeito de tudo. E esse resultado só é obtido sob a bagagem intensa de pressão das cobranças da atual época, que se despencam sobre nós diariamente, de maneira a ofuscar quase por completo a consciência de que, em verdade, o que somos, de fato, não é exatamente o nosso personagem da hora que passa!

Somos pura consciência, revestidos do acúmulo das peculiaridades adquiridas num crescendo, ao longo das eras, que vamos depurando, para manifestar nossa faceta divina do melhor modo que convém ao Criador, visando ao embelezamento crescente da Vida! E, esta noção mais clara, a temos na duração da bênção de uma vivência de projeção lúcida!

Durante a projeção lúcida do corpo físico, deste modo, a sensação de paz é imperturbável! E prevalece a gratidão a tudo - mesmo ao que momentaneamente nos incomoda, porque, neste estado, vem fácil a noção de desidentificação!

Não mais nos identificamos com os desafios e problemas transitórios, diante da vastidão da eternidade que compreendemos que, em verdade, somos nós, na mais verdadeira essência! Não mais nos identificamos com o corpo físico temporário a quem rendemos profundo reconhecimento pelo serviço perfeito que nos presta, para a nossa habitação transitória na face material do planeta. Nem nos identificamos tanto com o que possa representar, na duração de alguns dias, prazeres, desprazeres, e episódios felizes, que compreendemos também pertencer a alguns momentos passageiros, pelo que somos reconhecidos à Vida por, no modo de interagir com o que nos cerca, os merecermos como reconforto precioso, em meio às agitações da caminhada!

Lá longe, hipnótica, impressionante na movimentação mágica do infinito estrelado, a Terra azulínea rodopia, imponente, despojada de ruídos destoantes - perfeitamente entrosada na execução musical de seu próprio solo na orquestração dos mundos! Em torno, paz, reverência completa ao Criador, silêncio, e, enfim, o resgate da compreensão definitiva do nosso papel diminuto, e a um só tempo valioso na conjuntura monumental da Criação constante evoluindo no infinito: consciência desperta, na essência mesma do Universo desperto e autoconsciente de suas incessantes, incontáveis manifestações vitais - eis o que somos!

Consciência pura, límpida, pacífica! Eis tudo!

As demais coisas, todas, deverão um dia ser deixadas para trás, na esteira enevoada dos tempos...


 


 


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