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Ano 10 - N° 472 - 3 de Julho de 2016

PAULO DA SILVA NETO SOBRINHO
paulosnetos@gmail.com

Belo Horizonte, MG (Brasil)

 
 

Paulo da Silva Neto Sobrinho

Teodora teria matado 500 prostitutas?  

Parte 2 e final 

"Não espalhe boatos, nem levante falso testemunho contra a vida do seu próximo.” (Lv 19, 16.)

Nunca repita um boato, e você não perderá nada.” (Eclo 19, 7.)

Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno.” (Mt 5, 37.) 


Pelo que pudemos apurar, o historiador Procópio, fonte primária desses relatos, só veio a escrever o seu livro Anedotas (História Secreta) em 558. O que estranhamos, conforme já dito, é que, depois do relato do confinamento das prostitutas, nenhuma linha a mais ele fala delas, deixando-nos com uma forte impressão de que foram “apagadas” mesmo; mas é mera hipótese, sobre a qual não temos nenhum elemento para precisar o que, de fato, teria acontecido. Particularmente, não acreditamos que Teodora as tenha trancafiado para fazer delas quinhentas monjas, preocupada em salvar-lhes as suas almas do pecado ou que, talvez, tivesse o pensamento de melhorar-lhes a sorte, garantindo-lhes um sustento para o resto da vida. 

Um conglomerado amargo de mexericos 

Não podemos deixar de informar que o viamonense Mário Curtis Giordani (1921- ), filósofo e teólogo, coloca Procópio como historiador pouco confiável: 

“O historiador Procópio, em sua História Secreta, apresenta-nos um retrato muito vivo (mas não muito digno de fé) da vida tempestuosa da filha de um domador de ursos, a qual, na palavra de Diehl, ‘divertiu, encantou e escandalizou Constantinopla’.” (GIORDANI, 1968, p. 47.) (Grifo nosso.)

“A terceira obra de Procópio, a História Secreta, é considerada por Runciman[33] ‘um conglomerado amargo de mexericos’. A ‘História Secreta’ difere, com efeito, fundamentalmente das outras duas e sua autenticidade chegou a ser posta em dúvida pelos críticos. Essa obra é um libelo grosseiro contra Justiniano, Teodora e o próprio Belisário. A Justiniano o autor atribui a causa de todos os males que, então, caíram sobre o Império.”
______

[33] Lingenthal, Karl Eduard Zachariä von, Geschichte des Grieschisch-Römischen Rechts. - Aalen in Württenberg – Verlag Scientia 1955. (Photomecanischer Nachdruck).
(GIORDANI, 1968, p. 192.)
(Grifo nosso.)

O professor Vicente Dobroruka (1969- ), do Departamento de História, Universidade de Brasília, gentilmente, respondendo-nos a um e-mail, disse:

Minha opinião é que o episódio do "suicídio" evoca dois lugares comuns literários na historiografia antiga: um, o moralismo (uma vez prostituta, sempre prostituta - e isso me parece fora de dúvida que Teodora tenha sido, mas não se seguem disso implicações sobre sua crueldade); o outro, o dos suicídios coletivos de habitantes cercados em cidades das quais não tinham como sair. As "500 prostitutas" teriam, de certo modo, preferido a morte a renunciarem à lascívia (mais moralismo...), mais ou menos como os zelotes de Masada em Flávio Josefo (Guerra dos judeus, 7). Não creio na história, como representação factual e autêntica. Leve em conta também a tendência de *todos* os historiadores antigos a exagerarem nos números. (Procópio mesmo fala em "milhões" mortos por Justiniano – levado a sério, não sei como a espécie humana sobreviveria a tal fato.) (DOBRORUKA, 2009, por e-mail.) (Grifo nosso.) 

Trazemos também o que disse o jornalista americano Paul Iselin Wellman (1895-1966): 

Referem-se a respeito de Teodora, particularmente dos últimos tempos do seu reinado, fatos que atestariam crueldade e falta de escrúpulos. Alguns deles são visivelmente falsos, como por exemplo a desacreditada Anecdota de autoria de Procópio, segundo a qual um filho, ostensivamente nascido das suas relações com algum admirador, na época em que era cortesã, apareceu para legitimar o seu parentesco com a imperatriz, donde, segundo Procópio, "receando que a história chegasse aos ouvidos do imperador", Teodora fez desaparecer para sempre o rapaz.

[...]

A respeito de Procópio, historiador oficial do reinado de Justiniano, a maioria do que se conta em desabono de Teodora baseia-se na sua grosseira "história secreta", intitulada Anecdota. Os motivos dessa inimizade implacável para com a imperatriz são ignorados. Nos seus relatos oficiais, Procópio mostra-se adulador servil. Enquanto escrevia as suas obras a respeito de guerras e realizações do império, compilava uma obra secreta onde reunia qualquer mexerico, insinuação ou calúnia que pudesse recolher.

A falsidade da Anecdota revela-se através de inverdades óbvias, que prejudicam todo o seu conteúdo. Por exemplo: o historiador assegura, com toda a seriedade, que Justiniano e Teodora não eram seres humanos e sim demônios que haviam assumido forma humana. E aduz a evidência alegada para provar a sua asserção ridícula. Outros seus relatos são, além de contraditórios, impossíveis de aceitar. E o seu hábito de deturpar até mesmo os atos louváveis do par imperial, para que se afigurem perniciosos, prova a animosidade que perpassa através de toda a obra.

Não obstante, é nesse documento secreto, escrito aparentemente para desabafar o próprio rancor, e que não se destinava à publicação, vindo à luz somente séculos depois – quando já era demasiado tarde para aprovar ou desaprovar a maioria das suas asserções - que muitos se baseiam, nos dias que correm, para as suas estimativas acerca do caráter de Teodora. O legado da pena despeitada dum homem que a odiava secretamente foi o mais mortal dos golpes desferidos contra a bela imperatriz, embora ela não vivesse o bastante para ter conhecimento disso.

Entretanto, houve atos de tirania e crueldade, atestados por outras fontes mais dignas de confiança do que Procópio. A esse respeito, cumpre-nos dizer que tirania e crueldade eram comuns naquela época, e sob esse ponto de vista a imperatriz não era pior – se tanto igualmente perversa – do que os seus contemporâneos assentados em tronos.

A despeito de todas as suas falhas, ninguém, nem mesmo o seu amargo inimigo anônimo, Procópio, pôde acusá-la jamais de haver faltado, no tocante à lealdade e à fidelidade a Justiniano. O absoluto silêncio que se observa a respeito dum assunto, que teria sido dos primeiros a ser explorados em desabono da imperatriz, constitui a prova máxima de que, ao se casar, ela deixara para sempre pensamentos e atitudes de sua vida de cortesã. Trabalhou incessantemente para a glória do marido, o imperador, e muito do que se lhe aponta foi feito por amor dele. (WELLMAN, p. 399-401.) (Grifo nosso.) 

Diante de tudo isso que colocamos, fica mais do que evidente a dificuldade que temos em buscar os dados históricos, pois alguns se baseiam em interesses do autor e outros apresentam problemas na tradução, sem falar naqueles que são falseados. 

Conclusão 

Dos setenta e nove autores constantes de nossa biblioteca, somente dois relatam o episódio no qual Teodora teria condenado à morte as quinhentas prostitutas.

Um deles foi Holger Kersten, teólogo alemão, que apresenta uma vasta referência bibliográfica, que demonstra a extensão de seu trabalho de pesquisa. José Reis Chaves é o outro; porém não informa a sua fonte primária. Representam juntos apenas 2,5% das obras de que dispomos. Em razão disso julgamos ser muito pouco para um assunto tão grave como esse; e que, levando-se em conta a nossa pesquisa, não temos base para afirmar, com absoluta certeza, o que realmente teria acontecido. A única coisa que temos como certa é o fato de que Teodora recolheu as quinhentas prostitutas, para, contra a vontade delas, interná-las no mosteiro Arrependimento. O que aconteceu daí pra frente é obscuro; nada conseguimos apurar.

Entretanto, a questão se faz complexa, pois o fato de outros autores não mencionarem o caso não significa, necessariamente, dizer que não ocorreu; porém o fato de não ser referenciado por outros historiadores, isso, sim, deixa-nos sem condições de avaliar se o episódio não ocorreu ou, apenas, não mereceu ser registrado.

Diante disso, e como temos, no fundo, uma só fonte primária, mesmo sem a termos como inverídica, julgamos prudente, no presente caso, aguardar que nos apareça, pelo menos, uma outra fonte primária que relate isso. Vimos esse fato em vários textos, mas alguns autores nem mesmo citaram a fonte; outros apenas mencionaram um desses dois autores, de que falamos em parágrafo anterior, o que nos faz continuar no mesmo ponto, como se estivéssemos ancorados.

Em nossa modesta opinião, se nos permitem os companheiros de doutrina, não é nada prudente ficar retransmitindo essa informação de que Teodora teria matado 500 prostitutas, mesmo que a fonte possa vir do plano espiritual, pelo simples motivo de que os Espíritos não sabem tudo e só falam do que aprenderam nos bancos de escola, ou seja, não são infalíveis e podem, pois, passar informação equivocada. Quem aceita tudo que lhe falam não segue as orientações dos Espíritos superiores; daí torna-se, na verdade, um fanático. Além disso, ainda podemos encontrar mensagens “assinadas” que são fruto do pensamento ou da crença do próprio médium. 

 

Referências bibliográficas: 

CHAVES, J. R. A Reencarnação segundo a Bíblia e a Ciência. São Paulo: Martin Claret, 2002.

FÈVRE, F. Teodora, a imperatriz de Bizâncio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.

FRANZERO, C. M. Teodora. Lisboa: ENP, 1963.

GIORDANI, M. C. História do Império Bizantino. Petrópolis, RJ: Vozes, 1968.

KERSTEN, H. Jesus viveu na Índia. São Paulo: Best Seller, 1988.

PROCÓPIO. História Secreta. Belo Horizonte: CEDIC, s/d.

SILVA, S. C. Analisando as traduções bíblicas. João Pessoa: 2001.

WELLMAN, P. I. Teodora, de cortesã a imperatriz. Rio de Janeiro: Vecchi, 1961. 



 


 
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