“Amor de amigo” nos
vínculos humanos felizes
Sendo concebido que o ser humano é cada vez mais
dependente das relações que estabelece com os seus
congêneres, então importa aprofundar os respectivos
conhecimentos das diferentes áreas onde o relacionamento
se desenvolve entre pessoas.
E se a comunicação interpessoal é o meio privilegiado
para o desenvolvimento das relações, a partir de uma
educação e formação ao mais alto nível, também é verdade
que sentimentos de amizade e de “Amor de Amigo”
facilitam, ainda mais, as relações entre as pessoas que
os possuem e vivem.
Provar o contrário é relativamente fácil, isto é, o que
se verifica é que sentimentos, como o ódio, a vingança,
o desprezo, entre outros, sempre conduzem a situações
conflituosas, com consequências imprevisíveis e, quantas
vezes, irreparáveis. O mesmo acontece entre povos e
nações, quando após os conflitos armados se reconhece a
necessidade do diálogo, dos valores da tolerância, da
solidariedade e até do perdão.
Apesar da evolução da humanidade e de se considerar que
ao longo da história do homem sempre houve conflitos,
atualmente não se justificaria a existência, não só no
mundo, mas também entre as pessoas, de imensas
divergências fratricidas que conduzem à negação dos
autênticos valores e sentimentos que deveriam estar
presentes em todos os momentos da vida de cada pessoa.
Pelo contrário: «Não devemos tentar avaliar os
problemas em termos estritamente individuais, pessoais
ou privados, se queremos que a sociedade evolua e que se
resolvam os problemas gerais» (ANGERS, 2003:35).
A felicidade em geral, e de cada pessoa em particular,
passa, portanto, pela resolução dos problemas que sempre
vão surgindo, pelo menos enquanto não se chegar a um
estágio de desenvolvimento, ao nível das ciências
sociais e humanas, que sensibilize a todos para os
valores da comunicação transparente e para os
sentimentos especiais, particularmente entre amigos, e
da amizade global.
O sucesso das pessoas, das organizações, dos povos e do
mundo passa, também, pelo maior ou menor grau de
maturidade de cada indivíduo, o que se adquire com a
experiência, mas também com o estudo, com o trabalho e a
educação, porque: «O sucesso está subordinado à
felicidade, e a felicidade está muito mais próxima da
sabedoria do que da inteligência. As melhores coisas da
vida brotam de fontes tão pequenas que, muitas vezes,
passam ao lado delas, sem percebê-las» (PIRES,
1999:122).
Individualmente considerado, muito dificilmente alguém
vai adquirir o sucesso ou a felicidade totais, porque
será sempre necessário, pelo menos, mais um parceiro. Se
o sucesso a atingir for pela via da amizade, é
fundamental o relacionamento com alguém; se o caminho a
seguir for o das relações humanas, igualmente é
necessário estabelecer a comunicação com os seus
semelhantes.
O percurso, eventualmente melhor, salvo outras teses,
poderá ser através da amizade para o desenvolvimento das
relações humanas felizes. Que melhor sucesso se poderá
exigir da vida do que aquele que é obtido por valores,
sentimentos, emoções e resultados, neste caso, os que
são proporcionados pela felicidade?
O conceito de “Amor de Amigo” não está muito
divulgado, e quando se aborda, precisamente no âmbito da
amizade, é logo conotado com um outro amor que
conduzirá, no limite, ao instinto e prazeres sexuais.
Ora, não é este o significado que aqui se pretende
defender para o “Amor de Amigo”, bem pelo
contrário, deseja-se evidenciar aquele amor sincero que
entre amigos favorece a solidariedade, a amizade, a
lealdade, a cumplicidade, a intimidade, a coesão, a
tolerância, a compreensão, a crítica construtiva, a
proteção física e intelectual, enfim, se necessário, o
perdão.
Será um amor que não está acessível a uma qualquer
amizade oportunista, casuística e interesseira. Não é um
amor que apenas dura enquanto existe visualização e
algum contacto profissional, social ou de outra
natureza. Por isso é que o “Amor de Amigo” é,
muitas vezes, confundido com o amor dos cônjuges ou até
de simples namorados.
Conforme se aceita o amor de irmãos, de pais, de filhos,
dos diversos familiares, entre outros, de igual forma o
“Amor de Amigo” deve entrar nos sentimentos e
emoções mais profundos e consolidados, a partir da
amizade sincera, verdadeira e inquestionável, que também
ela poderá facilitar um novo caminho para o sucesso e
para a felicidade.
Mas é verdade que, por vezes, as pessoas se dizem amigas
porque se conhecem desde os tempos da escola, da tropa,
do trabalho ou até das diversões. Essa amizade vai-se
consolidando ao ponto de tais amigos já não quererem
conviver com outras pessoas, ou, pelo menos, apreciar
mais o convívio com os tais amigos, não prescindindo da
sua companhia, estando ao lado deles quando necessitam.
Neste caso e sem o saberem, poderá existir aqui alguma
semelhança com o “Amor de Amigo” ou caminhar-se
nesse sentido.
Evidentemente que o relacionamento humano, entre estes
amigos, terá, forçosamente, de ser bom e, entre eles,
neste âmbito, será, certamente amigável. O equilíbrio da
sociedade resultará, portanto, das relações,
naturalmente boas, dos grupos de amigos que a constituem
e que formam as comunidades e empresas.
O verdadeiro “Amor de Amigo” deve ser cultivado
como um sentimento profundo, muito especial, sem
reservas, obviamente traduzido nos atos compatíveis com
ele. Os verdadeiros amigos que se sentem inundados por
este “Amor de Amigo” devem respeitar-se, dentro
dos limites que, reciprocamente, se impõem, sem prejuízo
dos gestos e atitudes carinhosas, reveladores de pessoas
com bons sentimentos, educação, respeito e sem quaisquer
outras intenções inconfessáveis.
A amizade traduzida e levada às respectivas
manifestações do “Amor de Amigo” implica,
inclusivamente, passar por uma necessidade de maior
proximidade, acompanhamento, atenção, carinho e
consideração especiais em relação aos amigos ditos de
ocasião. Se em cada duas pessoas houvesse este
verdadeiro “Amor de Amigo”, o mundo estaria bem
melhor, e a felicidade seria possível.
Acredita-se que será difícil, por vezes, confiar em
certas pessoas e, provavelmente, impraticável em relação
a muitas outras. É possível compreender que, em muitas
situações, um homem ou uma mulher se possam relacionar
muito bem, mesmo tendo em conta uma certa sociedade
preconceituosa ou até maledicente.
O verdadeiro “Amor de Amigo” dever ser superior
a tudo isso. As pessoas devem, livremente, escolher os
seus amigos, sem emboscadas, nem imposições, nem
hipocrisias. Quando tal “Amor de Amigo” existe,
com sinceridade e sentimentos nobres, a entrega deve ser
total e recíproca, e não uma rendição provocada por
instintos animalescos. Uma dádiva comungada,
simultaneamente, pelos amigos, mas regulada por valores
que resultam dos sentimentos e da racionalidade.
O ser humano não é apenas racional ou sentimental. Terá
as duas dimensões que devem ser cultivadas porque: razão
sem sentimentos pode ser injusta; e sentimentos sem a
razão pode conduzir à cegueira.
Também aqui, este “Amor de Amigo”, que será
equilibrado porque racional e sentimental, é importante
no bom relacionamento e na consolidação da felicidade,
esta considerada como um ideal sonhado e um objetivo
alcançado entre amigos verdadeiros, um estado de
espírito tranquilo e carinhoso.
Os verdadeiros amigos que sentem esse amor, diferente de
todos os outros, que estará num nível, eventualmente,
abaixo ao do amor dos cônjuges, deve ser alimentado,
reciprocamente, pelos dois amigos, porque: «Alguém
precisa de nos encorajar a não pormos de lado aquilo que
sentimos, a não termos medo do amor e do sofrimento que
ele gera em nós, a não termos medo da dor. Alguém
precisa de nos encorajar para o fato de esse ponto macio
em nós poder ser desperto e, ao fazermos isso, estaremos
a alterar as nossas vidas» (CHODRON, 2007:117).
Quantas pessoas se dizem não terem sentimentos ou não
serem sentimentais; não apreciarem uma “saudação”
especial de “Amor de Amigo”; pretenderem ser
apenas racionais; não acreditarem, inclusivamente em
valores supremos e entidades divinas.
É bem provável que tais pessoas sofram imenso, que mesmo
não aceitando, talvez, aparentemente, necessitem de uma
palavra amiga, um ombro onde possam descansar a cabeça
que sofre, por que não, de um beijo especial de amigo,
com carinho e respeito.
Pensa-se que a atitude mais sincera e eloquente da
pessoa racional e, simultaneamente, sentimental, perante
um destes amigos é estar sempre ao seu lado, nas horas
boas e nos momentos menos bons, acariciar, confortar e
nunca o abandonar.
É, igualmente, despertar o amigo para esta dimensão
sentimental que está dentro dele, mas que ele não quer
admitir. É trocar opiniões, sugestões, experiências. É
ensinar e aprender aquilo que eles pensam não saber e
que podem consolidar, ainda mais, o “Amor de Amigo”.
Quem sabe se no falhanço de um matrimônio, este “Amor
de Amigo” não poderá constituir o lenitivo para a
dor e sofrimento, numa primeira fase, e a solução numa
etapa posterior, daí a importância que se pode dar a
este “Amor de Amigo”. Também, por isso mesmo, é
tão importante nunca trair aquela pessoa que sente por
outra o verdadeiro “Amor de Amigo”.
A felicidade dos verdadeiros amigos e a possibilidade de
despertarem os sentimentos que estavam adormecidos são
aspectos a ter-se em conta, porque as relações humanas
felizes passam também por este “Amor de Amigo”.
Os amigos que cultivam sincera e sentimentalmente este
amor tão sublime devem, portanto, alimentá-lo,
procurando, ao longo da vida, todos os momentos, todas
as oportunidades para o vivenciarem, com carinho, com
valores, com sentimento, com emoção, por que não, com
uma ingenuidade de pré-adolescente, no sentido, se essa
for a vontade de um deles e/ou dos dois, de não
ultrapassar a linha de separação entre a sexualidade e a
amizade do “Amor de Amigo”.
Em todo o caso, sempre vai ser necessária uma grande
adaptação, porém, com muito empenho e entusiasmo, sem
esforço imposto, mas com amor recíproco: «A
relação de Amizade é uma grande manifestação do Amor
humano. O Amor de Amigos é Amigável, puro e sem
hipocrisia. A pessoa escolhe livremente gostar dessa
pessoa, amar essa pessoa, a que chama AMIGO. A pessoa
não está ligada à outra pelo instinto! É uma simpatia
pela pessoa.
Amizade pode existir entre homem e mulher, entre homem e
homem, entre mulher e mulher. Neste Amor de Amizade não
há! Não existe atração sexual. (…). A verdadeira
Amizade, ou seja, Amor de Amigos, traz muita alegria, a
pessoa ama e dá sem esperar nada em troca. Não ama o
Amigo pelo que ele fez ou faz! Ama independentemente da
ajuda, de qualquer coisa que a pessoa amiga faça.
Nós amamos os nossos Amigos, queremos estar perto deles.
Desejamos o melhor para eles. Desculpamos os erros.
Temos bons pensamentos, boas palavras, bons sentimentos,
bons desejos para os nossos Amigos. Desejamos tudo de
bom para os nossos Amigos. Somos sinceros! Puros!
Amáveis! Honestos! Leais! Verdadeiros! Com os nossos
Amigos. Esta é a verdadeira relação de Amizade. Gostamos
dos nossos Amigos» (ROBERTSON,
2007 in: robertson)
Numa análise mais simples, o “Amor de Amigo” é
uma dimensão profunda nas relações de amizade imensa
entre duas pessoas, que ainda está pouco explorada, mas
que poderá ser uma boa via para a felicidade dessas
mesmas pessoas em particular, e do mundo em geral.
Este “Amor de Amigo”, entre duas pessoas, poderá
ser vivido como “Uma Aventura Mágica”, como um
pequenino segredo entre elas, fechado a “sete chaves”,
levado por cada uma para o “túmulo”, mas durante
a vida, sempre enriquecido pela magia desse mesmo “Amor
de Amigo”.
Esta atitude entre aqueles que sentem um verdadeiro “Amor
de Amigo” só é assim mantida, precisamente, porque
este amor de verdadeiros e sinceros amigos ainda não
está bem difundido na sociedade, porque os preconceitos
são um obstáculo para que tal “Amor de Amigo”
seja livre e publicamente manifestado.
Ainda haverá um longo caminho a percorrer para que o “Amor
de Amigo” seja uma realidade entre duas pessoas que
se gostam imenso, num contexto da amizade mais profunda
e sincera, dentro dos limites que tal amizade lhes
impõe.
Bibliografia:
ANGERS, Maurice, (2003). A Sociologia e o
Conhecimento de Si. Uma outra maneira de nos conhecermos
graças à Sociologia. Tradução, Maria Carvalho. Lisboa:
Instituo Piaget.
PIRES, Wanderley Ribeiro, (1999). Dos
Reflexos à Reflexão. A Grande Transformação no
Relacionamento Humano, Campinas: Editora Komedi.
ROBERTSON, Maria, (2007). Amor de Amigos.
(Disponível em blogamor,
consultado em 21.08.2011.)
Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
é presidente do Núcleo Acadêmico de Letras e Artes de
Portugal
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