A linguagem do amor
Enquanto me atualizava nas redes sociais, passou pelo Feed um perfil que eu sigo, chamado “lovebaby.art”. O conteúdo procura mostrar vídeos de lindos bebês, das mais variadas etnias, fazendo o que eles sabem fazer de melhor: serem bebês. No post em questão, via-se uma linda menininha, de aproximadamente 4 meses de vida, tentando comunicar-se com a sua mãe. Estava deitada sob um edredom e demonstrava intenso esforço em replicar na voz o que tentavam lhe transmitir. A mãe entremeava sons de ternura com a frase: “I love you”. E a criança, reunindo todas as coordenações sinápticas possíveis, movimentava o corpinho todo, procurando mimetizar aquele ser, que era a sua fonte -símbolo do sentimento de amor. Em determinado momento, depois de várias repetições da mãe, a criança a olha fixamente, e começa a emitir sons similares ao da sua voz, diminuindo a agitação do corpo. E quando eu acreditava que o vídeo não teria nada de surpreendente, a criança replica, com muita similaridade, a expressão “I love you” que a mãe lhe estava dizendo. Logicamente, inseri o vídeo em meu perfil no Instagram, para compartilhar com meus amigos essa cena tão expressiva de amor.
Sabemos através da Ciência que a criança em questão está em seu processo normal de aprendizagem. O balbuciar é a interação mais precoce que a criança faz, a partir dos seus 2-3 meses de idade. É extremamente importante que, ao se comunicar com um deles, o adulto procure repetir os sons que eles emitem. Aquele “ooooh” ou “uuuuh” são o início do desenvolvimento da linguagem, quando estimulados. Muitas vezes ao ouvir esses sons, a mãe os repete, e complementa, dizendo amorosamente: “acho que tem um bebezinho querendo conversar... Você quer falar comigo?”, não é verdade? Como resposta, obtém uma série de movimentações descoordenadas do bebê, que chuta, abre os bracinhos, boca e olhos ao mesmo tempo, em completa animação. Se simplesmente retirarmos a criança do berço, fizermos a sua higiene, recolocarmos no berço, e a alimentarmos, sem a devida interatividade de olhar e conversar, a ciência nos esclarece de que ela não irá balbuciar com a mesma frequência. E irá balbuciar cada vez menos, até chegar ao ponto que interromperá o processo, caso não recebam estímulos, devido à falta de prática dos movimentos de língua e lábios, concatenados com os outros mecanismos da fala. Quando pequeninos, precisamos que outros nos ofereçam estímulos para que assim possamos compreender como reagir. A fala de quem interage com a criança oferece algo além de simplesmente estimular positivamente: oferece modelo de sons, que alimentam as sinapses neuronais. Sem a experiência, o cérebro terá menos oportunidade de relacionar o que está percebendo, com outra informação sensorial. Segundo o pesquisador espanhol Jerome Brunner¹, o bebê, mesmo aquele com deficiência auditiva, vai “convertendo a experiência em estruturas com fins determinados”. Ou seja: a vontade de aprender nos é inata; mas precisamos que o outro nos auxilie através de estímulos aos quais somos sensíveis, para que o aprendizado se consolide. O pesquisador continua dizendo que “Esse Outro, age numa condição de ‘eco’ à solicitação do bebê. Um olhar, uma palavra, um afago, tudo isso, são condições importantes para o êxito de suas conquistas”.
Por isso o estímulo é tão essencial quando bebês, e continua sendo tão importante, em qualquer idade da vida humana.
Essa experiência que a Psicologia do Desenvolvimento nos traz, quando refletida no que concerne ao desenvolvimento espiritual dos seres humanos, esclarece a respeito do quanto necessitamos da figura de nosso semelhante para progredir, também, no sentido moral. Só que devido à situação de Provas e Expiações de todos os seres humanos habitantes da Mãe Gaya, ainda nos acontece um problema bem paradoxal: ao mesmo tempo que precisamos do estímulo do outro para nossa evolução moral, percebemos que não podemos acatar tudo o que nos chega desse outro, em interatividade. Ao nos interrelacionarmos, haverá também no semelhante, além de em nós, a presença de estímulos negativos entremeada às qualidades, que quando assimilados pela sintonia e falta de discernimento, nos guiarão invariavelmente rumo ao aprendizado pela dor. Então o aprendizado moral eficaz requer discernimento. Até para que saibamos ajudar alguém, além de nós.
Comentando a pergunta 132 de O Livro dos Espíritos, o Espírito de Miramez² nos transmite o seguinte ensinamento: “No princípio recebemos de mãos generosas o apoio correspondente às nossas necessidades que, quando adultos, passamos a doar aos que se encontram na nossa retaguarda, como compensação pelo que recebemos. Essa é uma lei: nada fica sem resposta na vida. Tudo que existe, toma forma, perde a forma e torna a tomar corpo. E a alma não pode fugir dessa lei universal, porque a reencarnação nos favorece o crescimento espiritual mais rápido. Somos, por assim dizer, agredidos pela matéria, e dessa agressão acordamos cada vez mais para o Amor, especulando em todos os sentidos para aquisição da sabedoria. Bendita seja a reencarnação, que nos aprimora e que nos eleva, dando-nos a entender que não existe a morte”. Portanto, seja o feto ou um completo adulto, seja no estado de saúde ou enfermidade, seja o provido ou o desprovido de bens, todos nós estamos numa escola abençoada, a fim de compreendermos os valores morais concernentes a essa faixa de vibração humana. Cada vez que nos retiramos do corpo físico, levamos de forma consciente e subconsciente (quando única alternativa), tudo o que vivenciamos. Não se trata mais de alguém que ocupou a roupagem de criança; nem se trata do portador de necessidades especiais que pedia esmola no trânsito, nem é a supermodelo que desfilou suavemente pelo mundo ou a anônima avó que cuida de seus netos. Todas essas situações experienciadas na matéria foram meramente temporárias, com finalidade pedagógica. Todos voltamos para a vida verdadeira, o estado de essência, levando conosco a bagagem acumulada de mais uma experiência reencarnatória na Terra, que se juntará a todas as outras que já possuímos em nossas bagagens, formando um amálgama cada vez mais ampliado da compreensão sobre nós mesmos e do Universo.
Por tudo exposto acima, faz-se de extrema importância a consciência atenta no discernimento interpretativo do que nos sucede, a fim de, com sabedoria, realizarmos as melhores escolhas. Essa habilidade está diretamente conectada ao fato de sabermos separar o “joio do trigo” perante os estímulos que nos chegam, de refletir com acurácia, a respeito de suas naturezas. Não será fugindo do mundo e das pessoas que aprenderemos como realizar uma seleção adequada. Pois para viver-se no bem, primeiro precisamos compreender o que não se traduz como tal. Por isso o aconselhamento sempre é o de estudo e vivência evangélica, para com a inteligência e moral, estarmos no mundo, sem pertencermos a ele. O Espírito de Miramez comentando a pergunta 460 de O Livro dos Espíritos², em seu texto “Duas fontes”, nos diz que: “A natureza não pode isolar as mentes da comunicação de uns para com os outros, pois isso é vida gerando vidas, isso é paz gerando paz, isso é compreensão gerando compreensão, isso é saber gerando sabedoria. O que devemos fazer é cuidar sempre dos ataques do que for mal e nos afinizar sempre com o bem, no sentido de sermos ajudados pela lei dos afins. Somos seres gregários, e a cada dia mais nos uniremos, até que, como um só pensamento, cada um de nós exprima coletivamente a perfeição da obra do Criador. A mensagem “Deus e nós”³, ditada por Emmanuel, explica como devemos consolidar tal entendimento, quando diz: “Deus estabelece o pensamento livre. Detemos o poder de manejá-lo na pauta dos princípios de causa e efeito”. Utilizando nossa inteligência guiada pelo evangelho, seremos capazes de rulhar como doces pombas, mas, se necessário for, silvar também ao que for inadequado. Infelizmente não é o que comumente fazemos, pois nos deixamos seduzir pelas nossas necessidades pessoais de cada existência que confortavelmente ainda resistem no egoísmo e orgulho. O ser: que trai o lar, denunciando a falta de compreensão dos seus, emerge em egoísmo; que maldiz, denunciando a falta de compostura de outrem, emerge em orgulho; que incita o desvio de alguém, denunciando às gargalhadas a ingenuidade alheia, emerge em desprezo; que insinua luxúria, denunciando a fragilidade do outro ser, emerge em vaidade; que respira competição, denunciando a falta de competência existente, emerge em cobiça; mas, da mesma forma, todo aquele que unifica, operando em honestidade, emerge em fé; sorri, transformando o desespero presente, emerge em esperança; que auxilia, transformando o excesso que mata em possibilidade de vida, emerge em caridade. Fé, Esperança e Caridade, tríade sob a qual Ismael, coordenador dos trabalhos espirituais concernentes ao Brasil, opera na árdua e desafiadora proposta de condução desse povo, até os braços do Mestre.
Num mundo de tamanhas convulsões sociais, talvez o que esteja nos faltando seja a força de vontade tão graciosa, presente naquela doce criança do post do Instagram, de simplesmente deixar emergir Jesus, do íntimo de nosso ser. Continuamos agindo como os que caminham entre denúncias e escândalos, quando, na verdade, o conhecimento do Espiritismo nos localizou no orbe para que, alterando a nossa conduta moral, auxiliássemos pelo exemplo a Jesus na transformação moral do planeta. A falta da coragem, no momento, tem assolado com ventos ruidosos nossos incautos corações. Queremos trilhar pelos caminhos seguros e determinados por Deus, desde que não sejamos nós a ofertar segurança, nem a pavimentarmos estradas ainda não conhecidas..., mas nos esquecemos de que sob a perspectiva do medo nada nunca será suficientemente seguro, assim como, sob a perspectiva do amor, nada é realmente necessário. Que possamos compreender que o futuro de planeta em Regeneração pede de nós, no momento atual, uma demonstração consistente de ardorosa vivência evangélica. São tempos decisivos, em que todas as construções que não se assentarem na honesta e transparente verdade, simplesmente desmoronarão. Que nosso único partido seja o Bem, e que a nossa bandeira unificada seja a Caridade. O Cristo, docemente como a mãe do referido post, abre o sorriso e os braços há mais de 2.000 anos, e só pede que repliquemos com doçura as Suas próprias atitudes amorosas. Se assim quisermos e fizermos, mesmo dentro desse nosso balbuciar desajeitado, conseguiremos falar a linguagem do amor dos que amam, e dos que se permitem serem amados. Confiemos.
Referências bibliográficas:
(1) BRUNER, Jerome. El habla del niño. Barcelona: Paidós, 1995.
(2) KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. Ed. FEB.
(3) EMMANUEL/Francisco Cândido Xavier. Encontro Marcado. 2020. Ed. FEB.
Nota da Redação:
O texto acima foi contemplado no concurso A Doutrina Explica – 2020-2021, promovido pelo Jornal Brasília Espírita (www.atualpa.org.br), com o objetivo de sensibilizar para a leitura, o uso da biblioteca espírita e levar a conhecer alguma metodologia de pesquisa para apoiar o estudo doutrinário, além de incentivar os participantes para o potencial de racionalização e explicação da realidade social e espiritual pela Doutrina Espírita.