Indulgência e resignação
A primeira história sobre a humanidade na Bíblia fala
acerca de Adão e Eva. Resumidamente, descreve um casal
que vive num paraíso, que a única coisa que lhe foi
proibida foi comer uma determinada fruta. Esta fruta,
tinha como árvore a chamada do conhecimento.
A Eva, tentada por uma cobra, acabou por comer e dar a
comer a referida fruta a Adão.
Esta fruta da árvore do conhecimento trouxe-lhes o
conhecimento do certo e do errado ou do bem e do mal, e
nessa altura tiveram de abandonar o paraíso.
Como pode o conhecimento sobre o bem e o mal fazer mal
alguém? Este é o entrave ao entendimento deste
ensinamento.
Por que discutem duas pessoas?
Têm opiniões diferentes sobre algo e por isso chocam. O
conhecimento que têm e os ocupa mentalmente, como feitio
ou forma de caracter, são diferentes e cada um quer
impor o seu ponto de vista, adquirir a taça da razão que
alimenta o Orgulho ou o Ego. Apegados a isto, discutem
como se suas vidas dependessem disso.
Parece que o apego ao conhecimento, a fruta desta árvore
que existe em cada um de nós, continua a fazer estragos,
alimentando e motivando o funcionamento da humanidade.
Este conhecimento que o ensinamento da história de Adão
e Eva fala, não é um conhecimento tecnológico. Embora de
volta da tecnologia ou profissões também existam alguns
confrontos, podemos perceber o que é melhor nos manuais
e se não for suficiente, o tempo de trabalho trará a
melhor resposta.
O que o referido ensinamento nos traz é sobre o
conhecimento moral, o que nos faz discutir com a mulher
ou com o filho e por aí fora. É fácil de perceber que o
que não é tecnológico é moral, ou seja, a maioria das
lutas que a humanidade tem, incluindo dentro de cada um
de nós, é moral.
A harmonia que tanto almejamos não acontecerá por
passarmos a ter todos o mesmo conhecimento, isto é
impossível de acontecer. Cada um de nós é único e a
nossa forma de estar ou caracter constrói-se de um
caminho único e um aprendizado ímpar.
Todos nós teremos formas de ver diferentes, em muitas
situações. A consciência disto leva-nos ao “antibiótico”
natural, a indulgência.
A consciência não vem do conhecimento teórico, esta é
muito prática e só acontece com o treino constante
alicerçado em uma vontade, que esta sim, pode iniciar no
conhecimento teórico. A importância do estudo.
A consciência da diferença vem da prática de nos
permitirmos aceitar as diferenças. Ao princípio,
obrigando-nos, mas com o tempo e desenvolvimento de
consciência, de forma natural, por a diferença ser uma
verdade inegável.
A indulgência, o antidoto ao veneno do conflito, é uma
forma de estar que não é afectada pela diferença,
ultrapassando a aceitação.
A aceitação é um caminho necessário, imposto por nós
próprios, para chegarmos a indulgência.
Se queremos crescer moralmente e sabemos que aceitar os
outros é importante, pelo menos de forma teórica, ao
início, temos de nos obrigar a aceitar essas diferenças,
lutando com o velho hábito que nasce em nós, da não
aceitação ou indignação. Esta luta é só nossa, o outro é
como é, e a aceitação ou a não aceitação, reside apenas
dentro de nós.
Ao nos encararmos consecutivamente, ganhamos consciência
de que somos muito apegados as nossas ideias, que
exaltam logo a negatividade perante os outros e perante
a vida.
Esta consciência, que se vai desenvolvendo aos poucos,
vai-se libertando das amarras dos certos e errados que
nos têm dirigido, tornando a aceitação em indulgência.
Na indulgência não aceitamos nem deixamos de aceitar. Já
percebemos de forma consciente e prática de que o outro
é diferente e não nos cabe a nós alterá-lo, pois isso
seria um enorme movimento de orgulho e egoísmo de nossa
parte, então não existe nada para aceitar, porque não
existe nada a modificar.
A indulgência oferta-nos uma paz enorme. Se não existe
nada para alterar, não existe conflito, logo a
permanência da paz é uma realidade.
Se a indulgência é a forma de estar correcta perante os
outros, sem qualquer vontade de alterar o outro, a
resignação é o termo utilizado para a mesma forma de
estar perante os acontecimentos da vida.
A indulgência e a resignação são a consciência de
sabermos que estamos no sítio certo, com as pessoas
certas, no tempo certo, sem qualquer desejo de que as
coisas ou as pessoas sejam diferentes. A plena
confiança em Deus.
Bruno
Abreu reside em Lubango, Angola.
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