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por Rogério Coelho

 

A ilusão da eternidade carnal


As dores têm muito a ver com as disposições psicológicas de cada indivíduo


“Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Onde está, ó inferno, a tua vitória?” 
Paulo.  (I Cor., 15:55.)


Nossos irmãos da Reforma Luterana gostam muito de citar o Salmo 23:1 e 4 que diz: “o Senhor é meu Pastor e não me faltará. Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte não temeria mal algum, porque tu estás comigo”.

Jesus, o Mestre Incomparável afirmou[1]“se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte”.

Em que pesem todos esses esclarecimentos, todas essas verdades tão acessíveis ao entendimento das pessoas, por que a morte é, ainda hoje, considerada a pior coisa que pode acontecer, mormente quando leva os mais moços?!

A resposta nos faz pender para a questão do caldo cultural e reduz-se a pura questão de educação.  O homem ocidental vive iludido dentro de uma fictícia “eternidade carnal” e a morte não faz parte de seus planos imediatos, só prestando-lhe atenção quando por ela é atingido mais de perto na pessoa de algum afeto. As criaturas, despreparadas para esse evento natural, destrambelham-se emocionalmente quando chamadas ao testemunho.

Diz um amigo espiritual: “(...) quem considerou e se preparou para o acontecimento, logo se adapta após o choque inicial, como é compreensível. Entanto, para aquele que ao corpo delegou todos os interesses, a surpresa é substituída pelo desgosto ante o sucedido, acompanhado por injustificável revolta, que causa males insuspeitados”.

Sanson, ex-membro da Sociedade Espírita Parisiense, lega-nos uma belíssima página[2] na qual relata o seguinte: “(...) quando a morte ceifa nas vossas famílias, arrebatando, sem restrições, os mais moços antes dos velhos, costumais dizer: Deus não é justo, pois sacrifica um que está forte e tem grande futuro e conserva os que já viveram longos anos cheios de decepções; pois leva os que são úteis e deixa os que para nada mais servem; pois despedaça o coração de uma mãe, privando-a da inocente criatura que era toda a sua alegria.

Humanos, é nesse ponto que precisais elevar-vos acima do terra a terra da vida, para compreenderdes que o bem, muitas vezes, está onde julgais ver o mal, a sábia previdência onde pensais divisar a cega fatalidade do destino. Por que haveis de avaliar a justiça divina pela vossa?  Podeis supor que o Senhor dos mundos se aplique, por mero capricho, a vos infligir penas cruéis?  Nada se faz sem um fim inteligente e, seja o que for que aconteça, tudo tem a sua razão de ser. Se perscrutásseis melhor todas as dores que vos advêm, nelas encontraríeis sempre a razão divina, razão regeneradora, e os vossos miseráveis interesses se tornariam de tão secundária consideração, que os atiraríeis para o último plano.

(...) Em vez de vos queixardes, regozijai-vos quando praz a Deus retirar deste vale de misérias um de Seus filhos. Não será egoístico desejardes que ele aí continuasse para sofrer convosco?  Ah! essa dor se concebe naquele que carece de fé e que vê na morte uma separação eterna. Vós, espíritas, porém, sabeis que a alma vive melhor quando desembaraçada do seu invólucro corpóreo.   As dores desarrazoadas os afligem, porque denotam falta de fé e exprimem uma revolta contra a vontade de Deus”.

Joanna de Ângelis complementa[3]: “a impermanência de todas as coisas e pessoas no mundo físico é também extensiva à conjuntura do sofrimento. A sua vigência resulta da intensidade dos fatores causais que o engendraram.

O campo de energia afetado, no caso das doenças, terminada a prova ou a expiação que depuram, recompõe-se, facultando o equilíbrio.  Não obstante, os sofrimentos morais, quando a desarmonia é emocional, por meio do autocontrole, da oração, da meditação, das ações de beneficência, o ser mais facilmente se libera, deixando de valorizar demasiadamente as ocorrências aflitivas, considerando-as naturais no processo evolutivo e, por consequência, aceitáveis.

A aceitação do sofrimento é o passo decisivo para a liberação dele, enquanto a rebeldia produz efeito totalmente contrário. Compreendendo que o corpo é uma organização delicada, sujeita a deterioramento, desgaste e transformação pelo fenômeno da morte, nele não se colocam as bases da vida, nem se fixam as realidades essenciais. Assim, quando lhe sucedam desconexões e os desajustes, lhe advindo a interrupção, a morte não se transforma em motivo de desgraça, de ruína. A conveniente preparação para enfrentar a morte faculta uma aceitação do seu fatalismo e, portanto, uma diminuição do sofrimento.

Quem deposita na vida material todas as suas aspirações e nela vê um fim único, constatando-lhe a interrupção, o cessar de manifestações, experimenta superlativas dores morais, que se transformam em sofrimentos físicos sem lenitivo imediato. Assim, as dores têm muito a ver com as disposições psicológicas de cada indivíduo, a maneira de encarar a vida e a sua estrutura, os acontecimentos e as suas matrizes.

A morte, por ignorância da vida, tem sido através dos milênios a causa de sofrimentos inimagináveis, desencadeadora de tragédias e de desconfortos sem-fim. Ora, todo fenômeno biológico que se inicia, naturalmente cessa... Tudo que nasce, no plano físico, interrompe-se, transforma-se, portanto, morre. Assim, a morte é inevitável, mas o sofrimento que dela resulta é tão somente uma questão da má interpretação dos reais objetivos da vida.

O apego à forma transitória, que se decompõe, produz a perturbação emocional, dando ideia de que tudo se consumiu nada mais restando como finalidade da existência humana.

As pessoas se ligam a correntes religiosas sem vinculação emocional nem aprofundamento racional de seu conteúdo e, por negarem-se a uma análise profunda em torno da vida, passam a existência corporal transferindo reflexões no tempo e “fruindo” ao máximo, sob a conivente ilusão da eternidade carnal.

O corpo, mesmo quando saudável, é um cárcere, e a libertação de um ser amado que volve à plenitude deverá causar alegria e não desgosto.

Constituem fenômenos naturais a dor da saudade, a melancolia, a preocupação com o estado do ser que partiu, como decorrência de necessárias provações para o amor, que precisa sublimar-se através da ausência física e de todas as implicações dela decorrentes.    Como a verdadeira e real felicidade não se pode fruir no mundo físico, dia chegará, logo mais, para vivê-la, onde não haja morte, nem separação, nem dor...  Assim, deve-se viver, preparando-se para morrer, meditando na morte, a fim de lhe não sofrer a injunção aflitiva, evitando o desespero e todo o seu séquito de agentes perturbadores”.


 

[1] -  BÍBLIA, N.T. João. Português. O novo testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro: Imprensa Bíblica Brasileira, 1983, cap. 8, vers. 51.               

[2] - KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 129.ed. Rio [de Janeiro]: FEB, 2009, cap. V, item 21.

[3] - FRANCO, Divaldo. Plenitude.  Niterói: Arte e Cultura, 1991, cap. XII.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita