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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

Inteligência artificial e Espiritismo: qual é o nexo?


Desde meados do século passado iniciamos uma marcha desenvolvimentista sem precedentes na história humana. Padrões e paradigmas longamente cultuados deram espaço a ideias e concepções revolucionárias, que, por sua vez, estão nos conduzindo velozmente a um novo cenário. Ou seja, o que antes era conjecturado como futuro se tornou realidade. De fato, não há campo do saber humano na atualidade que não receba o influxo e inspiração dessas mudanças. Todavia, compete também admitir que nem tudo que emergiu parece ser exatamente róseo. Afinal, há sinais muito claros de justificada apreensão no bojo de tão profundas e radicais transformações. Nesse sentido, a área que mais desperta inquietações é, indubitavelmente, a inteligência artificial (IA) generativa.

Livres-pensadores, cientistas e experts têm ressaltado que, em decorrência da crescente integração da IA em nossas rotinas diárias e processos de decisão, há o risco de delegarmos muito de nossa autonomia cognitiva – o que pode ser devastador à nossa evolução. Em poucas palavras, não nos faria bem delegar – grosso modo – totalmente a nossa capacidade de pensar, bem como a nossa liberdade de ação. A propósito, nota-se que a IA está avançando assustadoramente e, assim, incorporando mais e mais atividades humanas.

Para ilustrar o raciocínio vale recordar um recente experimento sobre criatividade – tópico altamente sensível nos tempos modernos - realizado pela Wharton Business School, Pennsylvania University, com estudantes de MBA. O estudo consistiu em pedir aos alunos que apresentassem 200 ideias para novos produtos que custassem menos de US$50,00. Os resultados foram surpreendentes, pois as ferramentas de IA geraram 200 ideias em menos de 15 minutos. Ou seja, muito mais rápido que um ser humano mediano, que geralmente produz cerca de cinco ideias no mesmo período de tempo. Cabe também frisar que o ChatGPT gerou mais probabilidades (47%) do que os MBAs (40%). Esse caso é altamente relevante, já que se trata de alunos de uma das mais prestigiosas escolas de gestão do mundo.

Posto isto, há grandes desafios colocados à humanidade envolvendo essa questão, conforme recente artigo publicado no Journal of Macromarketing, no qual renomados pesquisadores divisam pelo menos cinco extremamente salientes, a saber:

· Preservação e crescimento da capacidade humana. Tão desafiadora perspectiva implica em lidar com a perda de empregos e da capacidade humana propriamente dita. Em resumo, a IA substituiria não apenas os empregos de baixa qualificação, já que os que requerem alta habilidade e capacitação também não estariam livres de riscos. Desse modo, as mudanças laborais daí advindas poderiam não acomodar os desempregados. O aspecto mais desafiador desse cenário é a necessidade constante de nós humanos aprendermos novas habilidades. A exagerada confiança na IA pode, como acima aludido, gerar diminuição cognitiva e consequentes habilidades criativas. Num quadro mais grave poderia haver a possibilidade das habilidades da IA superarem as dos humanos, o que poderia levar a uma perda de capacidades essenciais da sociedade. Por fim, tornando-se a IA mais onipresente perderíamos, em última instância, a nossa habilidade de resolver problemas.

· Proteção ao senso de pertencimento e conexão humana. Nesta premissa, a IA reduziria os genuínos relacionamentos humanos contribuindo para um (indesejável) isolamento social. Além disso, a dependência na IA poderia solapar nossas habilidades interpessoais, enfraquecer nossos laços sociais, diminuir as interações humanas, gerar perda de autonomia, sem falar do surgimento de um senso distópico de manipulação e controle.  

· Assegurar divisão equitativa dos benefícios. Tem-se aqui como contraponto a possibilidade de acentuada geração de desigualdade, dado que os supostos benefícios associados à IA estariam provavelmente concentrados nas mãos dos proprietários de capital e de grandes corporações. Se isso ocorrer, teremos mais desigualdade em termos de riqueza – por si só, um gravíssimo problema social. Por último, a simples combinação entre vieses humanos e algorítmicos podem levar certos grupos a uma posição de desvantagem.

· Focar em dados enviesados e preocupações éticas com a IA. Sem uma adequada supervisão humana, os vieses da IA podem ser intensificados. Além disso, o rápido crescimento da utilização da IA coloca enormes questões éticas que não podem ser menosprezadas.

· Alcançar a promessa embutida na IA. Aqui prevalece o desafio de vencer a aplicação da IA estritamente voltada para o universo empresarial e a negligência às necessidades humanas.

Assim sendo, não são simples os desafios colocados à humanidade para lidar com as potencialidades e perigos subjacentes à IA. No entanto, a pesquisadora Cornelia Walther, diretora do Poze[1] - uma aliança global para a mudança sistêmica que busca beneficiar as pessoas e o planeta, assim como autora de vários livros sobre influência, impacto e transformação social, incluindo a potencial alavancagem dos algoritmos na mudança pró-social em grande escala -, disse, com acerto, que “IA é um espelho”. Como tal, ela deve estar alinhada aos nossos valores e ações.   

Nesse particular podemos vislumbrar um nexo com o espiritismo, pois o seu principal postulado é a defesa veemente do progresso do Espírito humano por meio da adoção de valores superiores e de uma conduta reta. Desse modo, tudo o que for desenvolvido ou proposto nesta direção se alinha com as suas diretrizes. Como afirmou peremptoriamente Allan Kardec, na obra A Gênese:

“5. A humanidade tem realizado, até o presente, incontestáveis progressos. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam alcançado, sob o ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Resta-lhes ainda um imenso progresso a realizar: o de fazerem que entre si reinem a caridade, a fraternidade, a solidariedade, que lhes assegurem o bem-estar moral [...] Já não é somente de desenvolver a inteligência o de que os homens necessitam, mas de elevar o sentimento e, para isso, faz-se preciso destruir tudo o que superexcite neles o egoísmo e o orgulho.”

Analogamente, pondera o Espírito Joanna de Ângelis, no livro Dias Gloriosos (psicografia de Divaldo Franco), que “Conhecimento e sentimento unindo-se harmonizam-se na sabedoria que é a conquista superior que o ser humano deverá alcançar, portanto, plenitude intelecto-moral, conforme acentua o nobre Codificador do Espiritismo, Allan Kardec”.

Posto isto, enxergo com muito otimismo iniciativas como a criação, por exemplo, do sistema Prometheus BCI, uma interface multimodal entre humanos e máquinas impulsionada pela IA e voltada à inclusão de pessoas com deficiência, que age como um dispositivo apto a “ler” e interpretar comandos cerebrais e escrever mensagens digitais. Portanto, espera-se que os desafios existentes quanto ao correto uso da IA sejam sabiamente equacionados tendo-se sempre em vista o imperativo do amor, isto é, o que é melhor para a humanidade.


 

(1) POZE. BeingChange - para acessar, CLIQUE AQUI


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita