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por Cláudio Bueno da Silva

 

Mãe e bebê no semáforo


O semáforo ficou vermelho, diminuí a velocidade até parar o carro. Uma longa fila foi se formando atrás. Esse cruzamento é bem movimentado e nele os motoristas, além dos freios, têm que acionar também a paciência. São longos três minutos, que parecem nada quando se está sentado à beira de uma piscina, mas que no trânsito, sob um calor de quase quarenta graus, são uma eternidade.

Parei e vi a moça se aproximar da minha janela. Com um bebê junto ao peito, preso por cintas próprias, trazia numa das mãos um guarda-sol e na outra uma caixa de confeitos. Baixei o vidro. Com um sorriso triste me ofereceu o produto barato: “Compra pra me ajudar”, disse. Busquei algumas moedas que sempre trago no console e ela me entregou um saquinho com amendoins caramelizados, creio. Agradeceu com um movimento de lábios e seguiu para os outros carros.

Fiquei observando aquela figura circulando entre os veículos, um tanto curvada pelo peso da criança que dormia pesadamente, vencida pelo calor. O farol abriu e eu parti.

Dias depois a circunstância se repetiu. Assim que fui abordado pela moça, perguntei: “Que idade tem sua filha?”. “Dois”, ela respondeu. Confesso que pretendi com a pergunta fazê-la pensar na exposição que impunha à criança. Comprei os amendoins, ela saiu e eu fiquei a refletir sobre o seu drama. Drama sim, é como eu vejo a situação daquela jovem mãe.

Lendo o meu relato, muitos argumentarão uma porção de coisas, por que não isso? Por que não aquilo? Mas o problema está lá, naquele cruzamento movimentado da cidade grande. Uma jovem mãe com a filha no colo, trabalhando com os recursos possíveis, na esperança, quem sabe, de que ali mesmo possa encontrar alguém que lhe compre toda a mercadoria ou melhor ainda, lhe ofereça uma oportunidade que as liberte do sol forte, dos perigos do trânsito, e do aviltamento da dignidade humana.

 

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A caridade instintiva é meritória porque é espontânea, muitas vezes vem de um impulso natural, intuitivo, o que faz muitos entenderem que esse é o verdadeiro ato generoso. Realmente há situações em que ela é urgente. Acredito, porém, que a caridade ganha em valor quando é refletida, quando sentimento e inteligência se misturam para produzir um efeito benéfico. Repare que eu disse refletida e não calculada. O cálculo pode revelar interesse, que na maioria das vezes é egoísta. Como aquele que doa para dispensar logo uma pessoa, ou para se livrar de uma situação incômoda. Já a reflexão para o ato generoso pode estabelecer empatia e ampliar a compreensão humana, gerando ações libertadoras.

No relato acima há o exemplo das duas maneiras de agir: uma provisória, a outra decisiva.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita