Mãe e bebê no semáforo
O semáforo ficou vermelho, diminuí a velocidade até
parar o carro. Uma longa fila foi se formando atrás.
Esse cruzamento é bem movimentado e nele os motoristas,
além dos freios, têm que acionar também a paciência. São
longos três minutos, que parecem nada quando se está
sentado à beira de uma piscina, mas que no trânsito, sob
um calor de quase quarenta graus, são uma eternidade.
Parei e vi a moça se aproximar da minha janela. Com um
bebê junto ao peito, preso por cintas próprias, trazia
numa das mãos um guarda-sol e na outra uma caixa de
confeitos. Baixei o vidro. Com um sorriso triste me
ofereceu o produto barato: “Compra pra me ajudar”,
disse. Busquei algumas moedas que sempre trago no
console e ela me entregou um saquinho com amendoins
caramelizados, creio. Agradeceu com um movimento de
lábios e seguiu para os outros carros.
Fiquei observando aquela figura circulando entre os
veículos, um tanto curvada pelo peso da criança que
dormia pesadamente, vencida pelo calor. O farol abriu e
eu parti.
Dias depois a circunstância se repetiu. Assim que fui
abordado pela moça, perguntei: “Que idade tem sua
filha?”. “Dois”, ela respondeu. Confesso que pretendi
com a pergunta fazê-la pensar na exposição que impunha à
criança. Comprei os amendoins, ela saiu e eu fiquei a
refletir sobre o seu drama. Drama sim, é como eu vejo a
situação daquela jovem mãe.
Lendo o meu relato, muitos argumentarão uma porção de
coisas, por que não isso? Por que não aquilo? Mas o
problema está lá, naquele cruzamento movimentado da
cidade grande. Uma jovem mãe com a filha no colo,
trabalhando com os recursos possíveis, na esperança,
quem sabe, de que ali mesmo possa encontrar alguém que
lhe compre toda a mercadoria ou melhor ainda, lhe
ofereça uma oportunidade que as liberte do sol forte,
dos perigos do trânsito, e do aviltamento da dignidade
humana.
***
A caridade instintiva é meritória porque é espontânea,
muitas vezes vem de um impulso natural, intuitivo, o que
faz muitos entenderem que esse é o verdadeiro ato
generoso. Realmente há situações em que ela é urgente.
Acredito, porém, que a caridade ganha em valor quando é
refletida, quando sentimento e inteligência se misturam
para produzir um efeito benéfico. Repare que eu disse
refletida e não calculada. O cálculo pode revelar
interesse, que na maioria das vezes é egoísta. Como
aquele que doa para dispensar logo uma pessoa, ou para
se livrar de uma situação incômoda. Já a reflexão para o
ato generoso pode estabelecer empatia e ampliar a
compreensão humana, gerando ações libertadoras.
No relato acima há o exemplo das duas maneiras de agir:
uma provisória, a outra decisiva.
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