Silas Helder Antunes Lourenço (foto),
natural de Assis (SP), é advogado com escritório
estabelecido em Presidente Prudente (SP) e o
atual presidente da Sociedade de Estudos
Espíritas de Presidente Prudente. Filho do casal
Sérgio e Esther Lourenço, expressivas lideranças
espíritas na região de Presidente Prudente, ora
desencarnados, ele nos fala nesta entrevista
sobre a trajetória e o legado espírita de seus
pais e, também, sobre a influência que eles
exerceram em sua vida e em sua atuação nas lides
espíritas.
Seu pai tornou-se espírita por influência direta
de sua mãe, é isso? Quando você nasceu seu pai
já era espírita?
Sim, isso mesmo. Minha mãe era de família
espírita; a mãe dela, também chamada Esther, era
médium excelente. Eram frequentadoras de um
Centro Espírita em Bauru (SP), cujo líder era um
português radicado no Brasil, que teria
convivido com a primeira geração de espíritas da
Europa, o Senhor Tavares. Já meu pai, de família
católica, sendo ele de formação tradicional, foi
coroinha e cantor no coro da Igreja. Por
influência de minha mãe converteu-se ao
Espiritismo, mas sua conversão não foi imediata.
Como era o costume religioso da época,
casaram-se na Igreja Católica e os três filhos
foram batizados, sendo que o Sérgio, meu irmão
mais velho, foi batizado, crismado e fez a
primeira comunhão, eu o segundo filho apenas fui
batizado e crismado e a caçula Selma foi apenas
batizada. A conversão se consolidou em meados da
década de 1960, com o engajamento na Casa do
Caminho, na cidade de Assis (SP), onde,
liderando um grupo valoroso, desempenhou
importante trabalho doutrinário e assistencial.
Quais suas primeiras recordações de vivência
espírita que sua memória guardou do trabalho de
seus pais?
No meu caso, e devido à idade que tenho hoje, a
memória mais antiga é muito remota. Tenho que
voltar muitos anos. Deixando de lado as
brincadeiras posso relatar os dias de Evangelho
no Lar, eu já estava alfabetizado e meu pai
deixava que eu lesse um capítulo do livro Bem-aventurados
os simples (edição FEB), de autoria do
espírito Valerium, mediunidade de Waldo Vieira.
Essas memórias se confundem com as aulas de
evangelização infantil, na Casa do Caminho, com
a Dona Judith. A saudade é enorme.
Essas são minhas memórias. Voltando à questão,
me lembro dos meus pais trabalhando juntos no
acolhimento aos imigrantes no Albergue Noturno
que evoluiria para o Centro de imigrantes. Nas
décadas de 1960 e 1970 havia uma forte onda de
imigração no Brasil e as cidades se organizavam
para receber e encaminhar aqueles que vinham de
outras regiões do país. Me lembro deles juntos
providenciando o banho e o jantar para homens,
mulheres e crianças. Lembro-me também de
frequentar as palestras de meu pai aos domingos
à noite na Casa do Caminho.
Atualmente com os pais já na Pátria espiritual,
que recordações mais marcantes ficaram de sua
mãe no quesito da prática espírita?
Ah! Minha mãe muito mais que recordações deixou
exemplos. A dedicação dela extrapolava qualquer
apego aos bens materiais. Para se ter uma ideia
do que eu digo, ela fez doação de uma casa ao
Centro Espírita Jesus, o Nazareno, que depois
devido a um incêndio pereceu, mas imediatamente
ela colocou em execução um plano de construção
de um barracão para a sustentação do Centro
Espírita e de suas obras de caridade. Este é
apenas um dos muitos exemplos que ela me deixou.
E de seu pai?
Também só deixou bons exemplos, porém de uma
atuação mais universalista. Fundou e manteve um
Círculo de Leitura Espírita, chegando a ter mais
de mil sócios, o que para o movimento espírita
de Presidente Prudente foi um grande feito.
Jornalista, colaborou como articulista em
diversos órgãos de divulgação da Doutrina
Espírita, como a revista Presença Espírita,
o jornal O Imortal, o jornal Correio
Fraterno do ABC, a Folha Espírita, O
Clarim e a RIE (de Matão-SP), inclusive numa
mesma edição com vários artigos com diversos
pseudônimos. Na oratória manteve atividade
intensa, tendo agenda preenchida com anos de
antecedência. Também uma atividade muito
importante na época, ele mantinha comunicação
epistolar muito grande, manteve grandes amizades
por correspondência e por telefone, que gerou
muitos frutos. Um deles que me enche de
satisfação e orgulho foi uma homenagem de um
grupo da cidade de Bom Jardim (PE), que nomeou o
Centro Espírita de lá como Núcleo Espírita
Sérgio Lourenço. Além disso, por óbvio toda a
atividade como escritor, são muitos os exemplos
a serem seguidos como espírita convicto.
Em sua atividade atual na instituição espírita a
que se vincula, você considera que a influência
de seus pais foi marcante para sua vivência nos
labores espíritas? Qual foco você destaca?
Sim, total. Não somente na atividade no Centro
Espírita, mas na vida. Especificamente, a
Sociedade de Estudos Espíritas de Presidente
Prudente já era muito ativa e antiga na nossa
cidade quando comecei a frequentar. Então na
realidade me engajei na casa com suas
peculiaridades. Fui aceito e muito bem recebido
pelo grupo. Assim o foco da Casa já era e nós o
mantemos nos estudos e no intercâmbio mediúnico,
mas não nos esquecemos das atividades
assistenciais, que também mantemos como o
socorro a diversas famílias em situação de
exposição.
Seu pai foi um grande entusiasta da divulgação e
da palavra espírita (escrita e falada). Como
você enxerga isso atualmente?
Meu pai era um homem bom e do seu tempo. Usou
todos os recursos disponíveis para o sucesso
exclusivo da Doutrina Espírita e nenhum dele
mesmo; certamente teria acompanhado a evolução
tecnológica e hoje teria canais nas redes
sociais e seu leque de amizades se ampliaria
muito mais. Seguramente, não participaria dessas
polêmicas rasas que têm politizado o debate
espírita, mas nas questões doutrinárias
profundas jamais deixou de se
manifestar. Todavia, sempre teve consciência do
papel de liderança que exercia e certamente
saberia impor e se impor nas redes sociais de
modo que a Doutrina fosse a triunfante.
E da atuação de sua mãe, também grande
divulgadora espírita?
Sim, principalmente quando meu pai estava
encarnado, era admirável o companheirismo do
casal. Faziam tudo juntos. Nenhum empreendimento
era exclusivo. Depois da desencarnação do meu
pai, minha mãe se dedicou muito à Casa Espírita
e ao socorro aos necessitados de orientação
espiritual, ajudando muitas pessoas em nome do
Espiritismo.
Fale sobre os livros de seu pai, de maneira
geral. Existe um que o marcou mais?
Meu pai tem 17 livros publicados e 14
manuscritos ainda para edição. Recordo-me de que
o Richard Simonetti por várias vezes instou
minha mãe para que fizesse atualização das obras
e as encaminhasse para publicar. Mas ela não se
sentia encorajada, em face da saudade do meu
pai. Agora vamos ver com os irmãos que destino
vamos dar às obras não publicadas. As que foram
publicadas estão todas regulares com os direitos
cedidos. Entendo que é possível atualizar e
publicar, meu pai sempre foi um autor que vendia
muito bem. Há um livro dele que está na LEAL
Livraria Espírita Alvorada, em sua 6ª edição, e
o pessoal que vende os livros nas palestras de
Divaldo Franco conta que não tem para quem quer,
trata-se do livro Faze isso e viverás.
Tenho feito um trabalho amador quanto à
divulgação da obra dele, selecionando trechos e
publicando na minha página ou fazendo recortes
com publicação no Instagram. O livro que mais me
toca é Coragem do testemunho, do qual
costumo dizer que é o “meu livro”, porque ele
dedicou esse para mim e para o meu irmão Sérgio.
E aqui me engalano na cadeira, pois isso é um
privilégio para mim.
Das recordações de sua própria vivência
espírita, o que mais lhe surge à memória,
especialmente considerando a atuação de seus
pais?
O Espiritismo na minha vida sempre esteve em
primeiríssimo lugar. Toda a minha relação com o
Criador se dá através desta religião que
realmente é consoladora. E como o Mestre disse,
resumindo toda lei e todos os profetas, amar a
Deus e sobre todas as coisas. Assim da prática
religiosa espírita não tenho uma memória que se
impõe, toda minha existência foi permeada pelo
Espiritismo desde muito jovem, criança ainda,
sempre acompanhei meus pais no movimento
espírita, sempre fui copiloto quando minha mãe
não conseguia acompanhar meu pai, várias vezes
fui fazer pesquisas mediúnicas com minha mãe
quando meu pai não podia. Assim sendo, não tenho
memória que esteja dissociada do Espiritismo, do
meu pai ou da minha mãe. Devo tudo, a vida e os
valores morais a essas duas almas generosas que
me acolheram nesta encarnação.
Registre para os leitores as datas de nascimento
e desencarnação de ambos.
Sérgio Lourenço, 15/9/1930 – 19/8/1990.
Esther Antunes Lourenço, 27/10/1934 – 2/9/2024.
Algo mais a acrescentar?
Sim, nesta encarnação me sinto um privilegiado,
pois, além dos pais maravilhosos que tive, sou
contemporâneo de Chico Xavier, que conheci
pessoalmente. Pude conviver com espíritas de
escol, como Divaldo Pereira Franco, J. Raul
Teixeira, Roque Jacintho, Richard Simonetti,
Hugo Gonçalves, Miguel de Jesus Sardano, Heloísa
Pires, e tantos outros, muitos deles
compartilhei da intimidade, tudo através de meus
pais. E junto com todo esse benefício vem muita
responsabilidade. Ainda outro dia conversava com
o Carlos Alencar Imbassahy, meu amigo, sendo ele
neto e filho de espíritas importantes, e lhe
falava sobre essa nossa responsabilidade.
Dizia-lhe: Qual numa corrida de revezamento
recebemos o bastão do Espiritismo
maravilhosamente construído e mantido e em qual
situação o transmitiremos à próxima geração? E
ele me respondeu: “Silas, essa é uma reflexão
que todo espírita do nosso tempo deveria fazer”.
Vamos pensar sobre isso.
Suas palavras finais.
Somente de agradecimento. Muito obrigado, muito
obrigado mesmo.

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