“932. Por que, no mundo, tão amiúde, a influência dos
maus sobrepuja a dos bons?
- Por
fraqueza destes. Os maus são intrigantes e audaciosos,
os bons são tímidos. Quando estes o quiserem,
preponderarão.”
A pergunta acima formulada às entidades espirituais n’O
Livro dos Espíritos suscita a necessidade de uma
profunda reflexão, especialmente nestes tempos
escandalosos. Explicando melhor, num
país como o Brasil, por exemplo, constata-se claramente
que o mal se aninhou pouco a pouco nas estruturas
sociais ferindo hodiernamente toda a sociedade. Desse
modo, vemo-lo com nitidez permeando as
instituições-chave da administração pública, no âmbito
das organizações empresariais, no universo da política,
da justiça, da vida em geral, e, pasmem, até na
religião.
Certamente a maioria dos cidadãos mais velhos não chegou
a testemunhar as escaramuças existentes entre os três
poderes da República – pelo menos na latitude e
frequência em que atualmente ocorrem. Tem-se, assim, um
quadro geral no qual há uma incompreensível invasão de
prerrogativas institucionais talvez nunca vista antes -
e alvo, por sinal, de severas e bem fundamentadas
críticas de juristas renomados -, essencialmente
motivada pelos egos inflados dos atores envolvidos e que
geram, por consequência, uma enorme instabilidade
jurídica no país. Aliás, antigamente se dizia, como
demonstração de sensatez e bom senso, que, infelizmente,
não se aplica à realidade atual: “cada macaco no seu
galho”.
Com referência a alguns elementos factuais, é
surpreendente o desmonte da Operação Lava-Jato, que
atacou certeiramente a corrupção e negociatas execráveis
protagonizadas, como se sabe, por empresários e agentes
públicos (cabe destacar que nenhum centavo foi até agora
devolvido aos cofres públicos), e a notória perseguição
dos seus promotores e juízes (que podem até ter
exagerado em alguns aspectos, mas não no mérito das
questões). Por conseguinte, muitos corruptos e
corruptores – mesmo condenados em duas instâncias da
justiça - voltam à cena num espetáculo dantesco de
fragilidade das nossas instituições.
A propósito, cabe acrescentar que há 88 organizações
criminosas operando no Brasil, segundo a Secretaria
Nacional de Políticas Penais. Os bandidos e malfeitores
estão por toda parte, engendrando golpes e maneiras de
usurpar os cidadãos numa clara demonstração de
inteligência mal aplicada. E leis condescendentes
facilitam a vida dos criminosos através de expedientes
legais, como a chamada audiência de custódia também alvo
de veementes críticas por parte de especialistas. Vale
também destacar a absolvição da Samarco – autora, em
2015, de uma das mais terríveis catástrofes ocorridas no
país, em Bento Rodrigues, Minhas Gerais, e que deixou um
saldo de 19 vítimas fatais - e seus executivos.
De modo geral, vivemos tempos tão estranhos que um
trivial pacote de bolacha traz agora estampado em sua
embalagem a advertência: “Alto em açúcar adicionado e
gordura saturada”. Na verdade, essa observação está
presente atualmente em dezenas de produtos vendidos em
supermercados e lojas de conveniência, inclusive em
lojas franquiadas que comercializam chocolates e
produtos afins. Ou seja, trata-se de produtos
ultraprocessados que prejudicam a saúde humana. Aqui
devemos nos perguntar se mesmo com tanta tecnologia
disponível na área de alimentos não seria possível às
empresas do setor (que ganham tanto dinheiro) vender à
população alimentos saudáveis?
Em paralelo, um estudo promovido pelo Instituto de
Defesa do Consumidor (IDEC) em 2024 constatou que os
produtos ultraprocessados contêm puro veneno, isto é,
resíduos de agrotóxicos. A declaração do IDEC a respeito
foi contundente: “Por isso, esse terceiro volume [do
relatório anualmente publicado pelo instituto] tem outro
tom. Se nos dois primeiros estávamos apresentando dados
novos com a expectativa de que eles embasassem
discussões para a construção de políticas públicas
transformadoras do nosso sistema alimentar, agora
partimos do pressuposto que governantes e gestores já
estão cientes da problemática há três anos e não podem
mais continuar omissos” (ênfase no original).
Com efeito, os decisores empresariais têm pleno
conhecimento do que estão fazendo. Homens e mulheres
muito bem formados e preparados, não raro ostentando
títulos acadêmicos de universidades nacionais ou
internacionais consagradas, estão deliberadamente
tomando decisões que prejudicam as pessoas. Apesar de
Jesus nos recomendar veementemente que amássemos nossos
semelhantes, o que se observa é exatamente o contrário.
Nesse sentido, vale mencionar que o Espírito Joanna de
Ângelis recomenda, com muita pertinência no livro Amor,
Imbatível Amor (psicografia de Divaldo Pereira
Franco), a prática do amorterapia, que consiste
basicamente num “processo mediante o qual se pode
contribuir conscientemente em favor de uma sociedade
saudável, logo, mais justa e nobre”.
Continuando a nossa reflexão, cumpre lembrar que a
literatura de gestão empresarial preconiza já há muito
tempo em seus cânones à adoção da filosofia de marketing
societal que advoga a incorporação de considerações
de ordem social e ética em suas práticas funcionais
correspondentes. Essa perspectiva, aliás, defende o
equilíbrio entre a necessidade de obtenção dos lucros
empresariais, a satisfação dos consumidores e o
interesse público. Portanto, o imperativo de atuar com
responsabilidade social e o cultivo simultâneo de
valores norteadores elevados não são novidade nas altas
cúpulas das organizações.
No entanto, observa-se a prevalência dos interesses de
Mamon em detrimento dos da sociedade e, por extensão, de
Deus. Considere-se, nesse sentido, a atuação de dezenas
de setores empresariais, tais como planos de saúde,
prestadores de serviços, empresas manufatureiras e assim
por diante, que menoscabam conscientemente suas
responsabilidades perante a sociedade. Ou seja, há uma
enorme avidez pelas coisas materiais, pelo ganho fácil e
abusivo, sem respeito aos fundamentos éticos-morais
elementares que regem as relações humanas.
Cumpre lembrar igualmente que já percorremos quase ¼
deste século, que inaugura, aliás, o terceiro milênio da
Era Cristã. Mesmo assim, a criatura humana continua se
esbaldando na construção de valores perecíveis que não
lhes podem trazer a paz e a consciência tranquila. Como
bem observa o Espírito Emmanuel, no livro Palavras de
Emmanuel (psicografia de Francisco Cândido Xavier),
“O mundo material é uma tenda de esforços infinitos,
onde fomos chamados a colaborar com a Criador no
aperfeiçoamento de suas obras [...]”.
Assim sendo, cada um de nós está devidamente situado no
setor da vida onde pode dar a sua contribuição, por mais
modesta que seja, para a melhoria geral, ou, como
recorda a eminente entidade espiritual, “Cada criatura
foi chamada pela Providência a determinado setor de
trabalhos espirituais na Terra”. Emmanuel ainda pondera
que o Senhor não espera que aniquilemos o que é
imperfeito, mas que completemos “o que se encontra
inacabado”.
Posto isto, não nos omitamos de enfrentar os desafios
ora colocados em nosso caminho libertador pelas falanges
do mal. Cooperemos, sim, com o Senhor para a
consolidação de um mundo melhor, o que certamente nos
favorecerá espiritualmente.