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por Anselmo Ferreira Vasconcelos

 

O dia da libertação


No último dia 2 de abril, num ato marcado por grande frisson e impacto midiático, o atual presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou ao mundo o chamado “The Liberation Day”. Cumprindo promessas de campanha – eivadas de cunho nacionalista, ranço ideológico, percepções anacrônicas, sem falar do seu natural e exagerado pendor populista, cujo mote principal é fazer a América grande novamente (Make America Great Again) –, Trump deslanchou um agressivo conjunto de medidas tarifárias.

No seu discurso caótico pregou a ideia – ou pelo menos tentou – de que os Estados Unidos (EUA) carregam o mundo nas costas e que esse estado de coisas agora acabou através da imediata implementação da hipertaxação de produtos e serviços vendidos ao seu país. Trump não é um homem que costuma sopesar o teor das palavras e da fala, apesar de liderar a maior nação do mundo – até então admirada pela sua cultura, valores democráticos e papel desempenhado no equilíbrio geopolítico mundial. Conforme sugerem os maiorais da espiritualidade, nos EUA encontram-se reencarnados muitos personagens da Roma antiga. Tal afirmação não chega a ser surpreendente, pois os Espíritos errantes são instados a refazer caminhos por meio de novas experiências que lhes facultam a possibilidade de vencer espiritualmente.

Como sabemos, a civilização romana sucumbiu devido ao seu orgulho exacerbado, graves delitos morais e conduta sanguinária. Nas palavras do Espírito Emmanuel, na obra A Caminho da Luz (psicografia de Francisco Cândido Xavier), O Império Romano, que poderia ter levado a efeito a fundação de um único Estado na superfície do mundoem virtude da maravilhosa unidade a que chegou e mercê do esforço e da proteção do Alto, desapareceu num mar de ruínas, depois das suas guerras, desvios e circos cheios de feras e gladiadores (ênfase minha)”.

É inegável que ora ocorre um espinhoso desafio para a grande nação americana, ou seja, o de preservar o seu poder e influência tendo-se em vista o fato de que se encontra atolada em déficits comerciais paquidérmicos. Mas para Trump e os seus apoiadores, o resto do planeta nada significa. Faltam-lhes, entre outras coisas, o entendimento da importância americana na construção do papel – até então razoavelmente executado – de, por assim dizer, zelador do planeta. Posto isto, na sua costumeira deselegância diplomática – sempre adornada de mordazes e mal-educadas observações - chegou ao ponto de declarar, sem meias palavras, que estava sendo procurado agora por “bajuladores” para obter novos acordos comerciais.

É compreensível que presidentes e líderes mundiais tenham por missão defender os interesses dos seus respectivos países, pois, afinal, é para isso que são eleitos. Mas o desdém do presidente americano aos seus pares atingiu um patamar nunca antes visto, criando, assim, um clima de tensão mundial e muita desconfiança em relação à sua pessoa e nação, que não será superado facilmente nem a curto e médio prazos. Aliás, o seu próprio povo será duramente afetado com o decorrente aumento de preços e retaliações semelhantes dos outros países.

De maneira completamente estabanada, Trump conseguiu detonar uma guerra de tarifas em escala planetária, e que provavelmente levará a uma recessão sem precedentes. Cumpre também lembrar os preocupantes traços de liderança narcisista que lhe moldam a personalidade e comportamento. Na sua conduta ególatra, ressaltada em várias circunstâncias, o que realmente importa é o que ele pensa e acredita e nada mais. A propósito, tal aspecto ficou muito evidenciado na sua derrota para John Biden na qual seu inconformismo nunca cedeu aos efetivos resultados eleitorais. Por isso tudo, suas contradições são bem conhecidas. Numa das suas bombásticas declarações diárias afirmou que “Nunca muda de opinião, mas é flexível...”, como se tal coisa fosse possível de conciliação. Ademais, seus discursos inflamatórios e altamente belicosos sempre chacoalharam as estruturas do poder e harmonia da sociedade americana. Seus subordinados, muitos dos quais não possuem a necessária qualificação e experiência para ocupar os cargos dos quais estão investidos, lhe devotam uma lealdade canina, ao ponto de alguns críticos americanos se dirigirem a ele mordazmente como “O Rei”.  

A sua visão do mundo é eminentemente distorcida, estravagante e enviesada. Por conseguinte, há pessoas sensatas dentro dos EUA reconhecendo que Trump deu um tiro no pé, bem como arrasta o país para uma situação perigosa. Como também é possível cogitar que a hegemonia americana esteja caminhando para um desfecho dramático. Cabe também destacar que nas suas concepções desajustadas, Trump propôs a mudança do nome do Golfo do México para Golfo da América, bem como a anexação territorial da Groelândia (devido a sua localização militarmente estratégica e riquezas minerais) e do Canadá (país vizinho que sempre manteve relações cordiais e fraternais com os EUA).

Nesse sentido, o periódico acadêmico canadense Ivey Business Journal recentemente declarou que “Seja qual for o caso, se Trump compreende os riscos que está assumindo com a economia global permanece uma questão em aberto — uma questão que pode ser irrelevante porque o bem-estar dos outros não parece ser levado em consideração em seu pensamento”.

É ainda notória a sua indisfarçável simpatia pelo sanguinário líder russo, Vladimir Putin. Nesse sentido, muitos cogitam – especialmente os americanos - que Trump gostaria, na verdade, de desfrutar a mesma liberdade de ação que o referido ditador tem em seu país. Algo que faz muito sentido, se considerarmos a maneira como ele tratou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, há pouco tempo atrás num entrevero grosseiro na Casa Branca nunca antes televisado. Ou seja, os passos dados por Trump nesta guerra são dúbios, chocantes e tendenciosos – totalmente opostos ao do seu antecessor, que revelava considerável sabedoria e bom senso no trato dessa questão.

Mas com Trump novamente no poder, para a surpresa de muitos, diga-se, o que era normal deixou de sê-lo e os EUA estão perdendo rapidamente apoio, simpatia e confiança das outras nações, que estão se voltando para o arqui-inimigo americano, a China. Esta, sim, tem revelado habilidades diplomáticas e comerciais dignas de nota.

A China deu, a propósito, uma lição de persistência e objetividade a todas as nações do mundo devido ao seu minucioso plano de crescimento econômico e estratégias geopolíticas. Com isso, o dragão chinês e o seu capitalismo pragmático ganharam terreno e se firmaram como o maior oponente americano no planeta. Além disso, já avisou que não vai ceder às pressões dos EUA e nem se submeter aos caprichos do seu presidente (aqui há uma clara disputa de egos o que pode agravar ainda mais a situação geral). Fortalecida pela robustez e diversificação da sua economia, o país adquiriu condição invejável no cenário mundial.

Sempre aberta às parcerias comerciais, construiu sólidas relações com outras nações ampliando os seus negócios consideravelmente, e, ao mesmo tempo, ocupando espaços menosprezados pelos EUA. Seja desvalorizando a sua moeda, o yuan, ou concedendo pesados subsídios aos seus empreendedores, o fato é que a China ocupa hoje um papel fundamental nas cadeias de produção de várias indústrias e, assim, conquistou vantagens significativas ao ponto de poder encarar – como declarado oficialmente – os EUA em qualquer terreno, inclusive militar.

No entanto, é muito pouco provável que a China possa assumir a liderança na construção de um ideal maior de unificação das nações. Afinal de contas, ela é também imperialista, os seus valores não são exatamente democráticos, não viceja ali ideais superiores ou espirituais, e apoia oficialmente o invasor russo na guerra hedionda que este trava contra, como dito acima, a Ucrânia.

Sendo essa resumidamente a realidade atual, o que podemos esperar dentro da perspectiva mais ampla de transição planetária preconizada pelos Espíritos em várias oportunidades? Certamente nada de bom no curto prazo. Em algum momento poderemos esperar uma reação mais firme – talvez até de caráter militar – dos EUA que, com toda certeza, não vai assistir passivamente a perda da sua hegemonia planetária. Mais ainda, a atenção às questões geopolíticas será retomada seja nesta ou em outra administração. Em se confirmando tal cenário teremos, infelizmente, um doloroso caminho para dissiparmos de vez as ideias mesquinhas e a arrogância dos líderes contemporâneos.

Como resultado geral podemos, então, perfeitamente vislumbrar que O Dia da Libertação seja o início de grandes mudanças planetárias potencialmente conducentes às previsões de Allan Kardec, exaradas na obra A Gênese, ou seja:

 

“17. A fraternidade será a pedra angular da nova ordem social; mas, não há fraternidade real, sólida, efetiva, senão assente em base inabalável e essa base é a fé, não a fé em tais ou tais dogmas particulares, que mudam com os tempos e os povos e que mutuamente se apedrejam, porquanto, anatematizando-se uns aos outros, alimentam o antagonismo, mas a fé nos princípios fundamentais que toda a gente pode aceitar e aceitará: Deus, a alma, o futuro, o progresso individual indefinito, a perpetuidade das relações entre os seres.”

 

Por fim, diferentemente de Donald Trump, acredito que O Dia da Libertação pode ser, de fato, uma data iniciadora de profundas transformações no seio das nações da Terra, a começar pelo sincero propósito de abolir a opressão sofrida pelos países mais pobres, assim como de verdadeira integração dos povos da Terra com base nos princípios cristãos do amor, respeito, dignidade e fraternidade recíprocas.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita