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por Mário Frigéri

 

Quando Kardec ora ao Cristo


A prece proferida por Allan Kardec no livro Obras póstumas não brotou apenas de sua inteligência esclarecida, mas da seiva viva de sua alma consagrada ao Bem. Quando, já na madureza dos dias e no alvorecer da posteridade, ele ergueu seu pensamento ao Cristo em gratidão, já havia experimentado os rigores da dúvida, o peso das incompreensões e o frio das noites em que somente a fé lhe servia de abrigo. Não foi um simples pensador que orou, mas um servo fiel que atravessara os desertos do mundo com os olhos voltados para as estrelas do firmamento.

Naquela hora serena e grave, em que sua missão o encaminhava para um mundo novo e o coração já podia pressentir a alegria de quem estava perfeitamente aparelhado para cumpriu o dever, Kardec contemplava o passado recente com os olhos úmidos da alma. Via, talvez, a juventude dedicada ao ensino, os anos de pesquisa minuciosa com os Espíritos, as portas fechadas que se transformaram em janelas abertas, e a dor que se fez mestra. Não se tratava de um êxito terreno a ser celebrado, mas da vitória silenciosa de um espírito que não recuou diante da imensidão da tarefa que lhe fora confiada.

O Espiritismo, já então plantado com raízes profundas, florescia como árvore de luz, cujos ramos abrigariam gerações futuras sedentas de consolo e verdade. Mas para que isso fosse possível, houve um homem que ouviu o chamado e disse sim. A grandeza de Kardec não está apenas na obra monumental que organizou, mas sobretudo na entrega incondicional de si mesmo, com disciplina, humildade e firmeza, ao serviço do Cristo. Sua prece é, pois, um testamento espiritual; uma página em que se desenha, em suaves contornos, o perfil de um apóstolo da renovação humana.

Diante de Jesus – esse Mestre silente que acompanha os que amam – Kardec curva o pensamento e depõe seu coração. Não como quem se despede, mas como quem devolve ao Senhor, em forma de frutos, as sementes que dele recebeu. E o faz com palavras singelas, despojadas de pompa, mas ricas de uma devoção que não mendiga recompensas. Era a oração de um espírito que tinha pouco a pedir e muito a agradecer, porque já se sentia plenamente contemplado pela Graça de haver recebido uma dádiva inexcedível e de estar cumprindo a vontade divina. Tocado pela luminosidade e ternura contidas nessa prece, elaboramos o seguinte poema:


A PRECE DE KARDEC

 

Senhor de infinda bondade!

Que sobre mim teu olhar

Te dignaste pousar...

Faça-se a tua vontade!

 

Malgrado a insuficiência

De minhas forças, Senhor,

Deposito em teu amor

A minha humilde existência.

 

Talvez as forças me faltem...

Mas minha boa vontade

Não fraquejará e há de

Congregar os que te exaltem!

 

Nas graves lides diárias

Peço-te as forças reais

– As físicas e as morais –

Que me forem necessárias!

 

Bem sei que a tarefa é imensa!...

Mas tendo a tua presença

E a de teus anjos celinos,

 

Tudo envidarei, Senhor,

Para cumprir com rigor

Os teus desígnios divinos!


*


Mário Frigéri é poeta, escritor, autor e youtuber com a mente e o coração voltados para o esplendor do Evangelho e da Doutrina Espírita. Campinas/SP.

 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita