Igualdade aos desiguais?
A métrica da igualdade tornou-se de alguns anos para cá
um autêntico mantra que vem sendo repetido com um
objetivo social a ser perseguido por diferentes setores
da sociedade, em especial na questão dos ganhos
econômico-financeiros. Entretanto, até que ponto é um
objetivo que se alinha com o cerne do Espiritismo, cuja
doutrina codificada por Allan Kardec expressa de forma
clara a existência de espíritos de classes diferentes e
que o mundo é formado tanto por espíritos de início de
jornada, quanto outros mais avançados? Será que a busca
da igualdade por espíritos tão diferentes não viria
ferir a questão da justiça?
Por exemplo, isso é uma questão que todo professor,
independente da série ou do nível escolar enfrenta. Será
que todos os estudantes de uma mesma sala de aula
merecem a mesma nota? Será que alguns não conseguiram
vencer melhor os seus desafios? Há alunos que gostam de
acordar cedo, outros não. Há alguns com mais talento
natural para certas tarefas, outros não. Há alunos que
se esforçam mais, outros não. Há alunos com pais
comprometidos com a educação dos filhos, outros não. Há
alunos que criam afinidades com a escola e com os
professores, outros não. Então, há uma miríade de razões
que podem afetar o estudo e o desempenho do alunado, bem
como suas notas. Nivelar as notas por uma igualdade
artificial pode desestimular os alunos mais vibrantes e
esforçados, bem como não estimular ao crescimento o
aluno mais fraco. Em outras palavras, toda a turma seria
prejudicada e o prejuízo seria percebido com o passar do
tempo.
Outro ponto de difícil resolução é a questão de combinar
a igualdade com alguns versículos bíblicos, como por
exemplo, a parábola dos talentos. Neste caso particular,
há o trabalho e a recompensa proporcional aos esforços,
sendo aqueles que tinham recebido uma quantidade maior
de talentos também conseguiu obter maiores recompensas.
Por outro lado, aquele servo que apenas tinha ganho um
único talento e resolveu “enterrar” aquele tesouro e não
multiplicou foi punido no final pelo Senhor:
“Mau e negligente servo; sabias que ceifo onde não
semeei e ajunto onde não espalhei?
Devias então ter dado o meu dinheiro aos banqueiros e,
quando eu viesse, receberia o meu com os juros.
Tirai-lhe pois o talento, e dai-o ao que tem os dez
talentos. Porque a qualquer que tiver será dado, e terá
em abundância; mas ao que não tiver até o que tem
ser-lhe-á tirado. Lançai, pois, o servo inútil nas
trevas exteriores; ali haverá pranto e ranger de
dentes.” - Mateus (25, 26-30).
Conforme
comentários sobre a parábola dos talentos presentes em O
Evangelho segundo o Espiritismo,
Deus não impôs uma prova impossível chamada riqueza ao
ser humano. Apesar das dificuldades devido às tentações
extremadas do egoísmo, orgulho e vaidade, quando bem
utilizada por servir como elemento de salvação. Além
disso, condenar e abolir a fortuna pode desestimular o
trabalho, bem como a lei do progresso. “A riqueza sendo
o primeiro meio de execução, sem ela não mais grandes
trabalhos, não mais atividade, não mais estímulo, não
mais pesquisas; é, pois, com razão, considerada como um
elemento do progresso” (p.200). Dando continuidade ao
tema da riqueza, Allan Kardec questiona: “Por que todos
os homens não são igualmente ricos? [...] Cada um deve
possuí-la, para experimentar servir-se dela e provar o
uso que dela sabe fazer; mas como há a impossibilidade
material de que todos a tenham ao mesmo tempo; que,
aliás, se todo mundo a possuísse, ninguém trabalharia e
o aprimoramento do globo com isso sofreria” (p. 201). Ou
seja, a riqueza é uma forma tanto de estimular o
progresso pessoal, em especial do desenvolvimento
intelectual, quanto também da questão moral. A riqueza
torna-se legítima prova de resistência as tentações e de
abnegação. O mau uso da riqueza é deplorável, assim como
também o uso inadequado de outros recursos da própria
encarnação.
Deste modo, tanto a riqueza, quanto a pobreza tornam-se
provas diferentes que buscam enfatizar diferentes
aspectos na longa caminhada do progresso e da perfeição.
Esperar a igualdade entre seres desiguais tornam-se
legítima utopia, tal como esperar que um espírito
avançado em filosofia e outro, por exemplo, ainda no
período da pré-escola tenham igualdade de desempenho em
uma prova de escrita e literatura.
Assim, a desigualdade por espíritos desiguais torna-se o
mundo mais desafiador ao progresso, assim como mostra
tanto a pluralidade de nossos mundos, quanto à própria
variedade de provas, desafios e de diferenças entre os
próprios espíritos.
Mais do que a igualdade, a equidade deveria ser posta em
destaque para que, através da lei da Ação e Reação, o
indivíduo possa se esforçar e trabalhar para a melhoria
de si e do mundo. A equidade de receber conforme os
esforços, ou suas semeaduras e assim, acumular o
conhecimento e as experiências necessários para o seu
desenvolvimento. É o voluntarismo do espírito encarnado
para o seu aprimoramento e que aceita as suas provas de
encarnação sem lamúrias ou arrependimentos.
Assim, as idas e vindas em diferentes encarnações darão
chance as diferentes lições e caberá a cada um de nós
avançar nas diferentes provas, bem como de nos
purificarmos para fazer, conforme o primeiro servo da
parábola dos talentos: “Bem está, servo bom e fiel.
Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei;
entra no gozo do teu senhor.” (Mateus
25, 21).