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por João Fernandes da Silva Júnior

 

O método racional do Espiritismo


Com efeito, o Espiritismo estabelece como critério de autenticidade a origem espiritual da mensagem e sobretudo, sua coerência lógica, sua concordância com os princípios fundamentais da razão e sua afinidade com os ensinamentos superiores. A lógica, nesse sentido, não é apenas uma exigência acadêmica, mas um filtro moral e intelectual que protege o pensamento espírita contra os desvios do misticismo sem base, das crenças irracionais e das afirmações infundadas. Emmanuel, por sua vez, em diversas obras psicografadas por Chico Xavier, reiterou que a fé, para ser legítima, deve estar ‘aliada à razão e sustentada pelo discernimento’, evocando o ideal espírita da ‘fé raciocinada’, que se recusa a crer cegamente e exige compreender antes de aceitar.

Ao longo da obra de Léon Denis, especialmente em ‘O Problema do Ser, do Destino e da Dor’, encontramos a reafirmação de que o Espiritismo não teme o exame, antes o convida, e que toda ideia espírita deve poder sustentar-se diante do crivo lógico e da análise racional. O autor denuncia, com elegância e firmeza, o perigo das crenças sem crítica, afirmando que ‘o Espiritismo triunfará pela lógica e pela moral’. Isso evidencia que a construção doutrinária espírita não se baseia em dogmas, mas em observações metódicas, em raciocínios encadeados e numa ética do conhecimento que valoriza, acima de tudo, a verdade.

Dessa forma, compreendemos que a lógica, longe de ser um recurso opcional ou periférico, é o próprio alicerce do edifício doutrinário espírita. Ela se manifesta tanto na estrutura das obras fundamentais – as quais seguem um desenvolvimento argumentativo impecável – quanto na atitude crítica exigida do espírito sincero, que não deve aceitar uma ideia apenas pela sua origem mediúnica, mas por sua conformidade com os princípios universais da razão, do bom senso e da moral. O discurso inteligente, dentro da proposta espírita, é, portanto, aquele que harmoniza sentimento e razão, intuição e lógica, fé e análise, sem jamais renunciar à lucidez que conduz ao autêntico progresso espiritual.

O Espiritismo, ao contrário do que muitos ainda supõem, não se estrutura sobre crenças arbitrárias ou convicções subjetivas desvinculadas do exame racional. Desde seus primórdios, a Doutrina Espírita se apresenta como um sistema que alia rigor lógico, observação metódica e análise crítica na abordagem dos fenômenos espirituais. Seu método não é dogmático, e sim, dialético, não é místico, mas experimental; não se funda em revelações isoladas, mas na convergência de provas reiteradas, submetidas ao escrutínio da razão e do bom senso.

Kardec, com a formação sólida de educador e profundo conhecedor da Ciência e da Filosofia de sua época, compreendeu que seria impossível conferir legitimidade duradoura a um conhecimento oriundo do Plano Espiritual se este não se submetesse aos mesmos critérios exigidos nas demais ciências humanas e naturais. Por isso, ao tratar das manifestações dos espíritos, adotou uma postura de observador criterioso, eliminando os excessos do entusiasmo ingênuo e as influências da fé cega. Assim como o cientista que testa repetidamente uma hipótese antes de elevá-la ao status de teoria, Kardec exigiu que as comunicações mediúnicas fossem cotejadas entre si, analisadas em diferentes contextos e avaliadas em sua lógica intrínseca e implicações morais.

Esse procedimento originou o que poderíamos denominar de método racional espírita, combinando três pilares essenciais:

1) a constatação objetiva dos fatos mediúnicos através da observação e da experimentação controlada;

2) a análise lógica dos conteúdos recebidos, à luz do Princípio da não Contradição e da coerência com os valores universais;

3) a filtragem moral, ou seja, a avaliação ética das mensagens segundo o ideal do bem, da elevação espiritual e da fraternidade. Essa tríplice exigência impede que o Espiritismo se confunda com práticas supersticiosas, religiosismos arbitrários ou filosóficas especulativas sem base na realidade.

Em O Livro dos Médiuns, cap. XX, item 230, Erasto é taxativo ao afirmar que “mais vale rejeitar dez verdades do que admitir uma só mentira entre elas”, demonstrando sua adesão inequívoca a um método fundado na prudência e na lógica. Ele não aceitava comunicações mediúnicas sem antes submetê-las ao crivo da razão e da universalidade — exigência que expressa o caráter coletivo e progressivo do conhecimento espírita, que não se ancora na autoridade de um único médium ou espírito, mas no consenso espontâneo e reiterado entre inteligências superiores, convergindo em princípios racionais e elevados.

Esse método se aproxima, em espírito, do ideal científico moderno, especialmente no que concerne à necessidade da repetição dos fenômenos, da intersubjetividade dos resultados e da abertura permanente ao aperfeiçoamento das ideias. O Espiritismo, por essa via, não pretende substituir a ciência, mas ampliá-la, incorporando ao campo investigativo a dimensão espiritual do ser humano, sem renunciar à lógica, à razão e à crítica fundamentada. Ele se propõe como uma “ciência nova”, como o próprio Kardec a define, mas cuja novidade reside justamente na ousadia de investigar o invisível com os instrumentos da inteligência lúcida e da sensibilidade moral.


 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita