O método racional do Espiritismo
Com efeito, o Espiritismo estabelece como critério de
autenticidade a origem espiritual da mensagem e
sobretudo, sua coerência lógica, sua concordância com os
princípios fundamentais da razão e sua afinidade com os
ensinamentos superiores. A lógica, nesse sentido, não é
apenas uma exigência acadêmica, mas um filtro moral e
intelectual que protege o pensamento espírita contra os
desvios do misticismo sem base, das crenças irracionais
e das afirmações infundadas. Emmanuel, por sua vez, em
diversas obras psicografadas por Chico Xavier, reiterou
que a fé, para ser legítima, deve estar ‘aliada à razão
e sustentada pelo discernimento’, evocando o ideal
espírita da ‘fé raciocinada’, que se recusa a crer
cegamente e exige compreender antes de aceitar.
Ao longo da obra de Léon Denis, especialmente em ‘O
Problema do Ser, do Destino e da Dor’, encontramos a
reafirmação de que o Espiritismo não teme o exame, antes
o convida, e que toda ideia espírita deve poder
sustentar-se diante do crivo lógico e da análise
racional. O autor denuncia, com elegância e firmeza, o
perigo das crenças sem crítica, afirmando que ‘o
Espiritismo triunfará pela lógica e pela moral’. Isso
evidencia que a construção doutrinária espírita não se
baseia em dogmas, mas em observações metódicas, em
raciocínios encadeados e numa ética do conhecimento que
valoriza, acima de tudo, a verdade.
Dessa forma, compreendemos que a lógica, longe de ser um
recurso opcional ou periférico, é o próprio alicerce do
edifício doutrinário espírita. Ela se manifesta tanto na
estrutura das obras fundamentais – as quais seguem um
desenvolvimento argumentativo impecável – quanto na
atitude crítica exigida do espírito sincero, que não
deve aceitar uma ideia apenas pela sua origem mediúnica,
mas por sua conformidade com os princípios universais da
razão, do bom senso e da moral. O discurso inteligente,
dentro da proposta espírita, é, portanto, aquele que
harmoniza sentimento e razão, intuição e lógica, fé e
análise, sem jamais renunciar à lucidez que conduz ao
autêntico progresso espiritual.
O Espiritismo, ao contrário do que muitos ainda supõem,
não se estrutura sobre crenças arbitrárias ou convicções
subjetivas desvinculadas do exame racional. Desde seus
primórdios, a Doutrina Espírita se apresenta como um
sistema que alia rigor lógico, observação metódica e
análise crítica na abordagem dos fenômenos espirituais.
Seu método não é dogmático, e sim, dialético, não é
místico, mas experimental; não se funda em revelações
isoladas, mas na convergência de provas reiteradas,
submetidas ao escrutínio da razão e do bom senso.
Kardec, com a formação sólida de educador e profundo
conhecedor da Ciência e da Filosofia de sua época,
compreendeu que seria impossível conferir legitimidade
duradoura a um conhecimento oriundo do Plano Espiritual
se este não se submetesse aos mesmos critérios exigidos
nas demais ciências humanas e naturais. Por isso, ao
tratar das manifestações dos espíritos, adotou uma
postura de observador criterioso, eliminando os excessos
do entusiasmo ingênuo e as influências da fé cega. Assim
como o cientista que testa repetidamente uma hipótese
antes de elevá-la ao status de teoria, Kardec exigiu que
as comunicações mediúnicas fossem cotejadas entre si,
analisadas em diferentes contextos e avaliadas em sua
lógica intrínseca e implicações morais.
Esse procedimento originou o que poderíamos denominar
de método racional espírita, combinando três
pilares essenciais:
1) a constatação objetiva dos fatos mediúnicos através
da observação e da experimentação controlada;
2) a análise lógica dos conteúdos recebidos, à luz do
Princípio da não Contradição e da coerência com os
valores universais;
3) a filtragem moral, ou seja, a avaliação ética das
mensagens segundo o ideal do bem, da elevação espiritual
e da fraternidade. Essa tríplice exigência impede que o
Espiritismo se confunda com práticas supersticiosas,
religiosismos arbitrários ou filosóficas especulativas
sem base na realidade.
Em O
Livro dos Médiuns, cap. XX, item 230, Erasto
é taxativo ao afirmar que “mais vale rejeitar dez
verdades do que admitir uma só mentira entre elas”,
demonstrando sua adesão inequívoca a um método fundado
na prudência e na lógica. Ele não aceitava comunicações
mediúnicas sem antes submetê-las ao crivo da razão e da
universalidade — exigência que expressa o caráter
coletivo e progressivo do conhecimento espírita, que não
se ancora na autoridade de um único médium ou espírito,
mas no consenso espontâneo e reiterado entre
inteligências superiores, convergindo em princípios
racionais e elevados.
Esse método se aproxima, em espírito, do ideal
científico moderno, especialmente no que concerne à
necessidade da repetição dos fenômenos, da
intersubjetividade dos resultados e da abertura
permanente ao aperfeiçoamento das ideias. O Espiritismo,
por essa via, não pretende substituir a ciência, mas
ampliá-la, incorporando ao campo investigativo a
dimensão espiritual do ser humano, sem renunciar à
lógica, à razão e à crítica fundamentada. Ele se propõe
como uma “ciência nova”, como o próprio Kardec a define,
mas cuja novidade reside justamente na ousadia de
investigar o invisível com os instrumentos da
inteligência lúcida e da sensibilidade moral.
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