Entrevista

por Orson Peter Carrara

Uma visão ampliada da experiência humana, à luz
da Psicologia e do Espiritismo


 
Natural de Rio Tinto e residente em João Pessoa, ambos municípios da Paraíba, Marilurdes Domingues de Queiroz (foto) é psicóloga e, nas lides espíritas, vincula-se à Federação Espírita Paraibana, atuando como Vice-Presidente Doutrinária. Entrevistamo-la sobre sua vivência espírita.

 

Quando e como se tornou espírita?

Há 28 anos, cheguei ao Espiritismo pelo amor, e essa história sempre me emociona! Vim de uma vivência católica atuante. Na adolescência, todavia, afastei-me da Igreja e comecei a questionar a existência de Deus. Anos depois, por volta dos 20 anos, frequentei uma igreja evangélica por influência de amigas, mas minhas dúvidas persistiam, faltavam respostas para minha busca íntima.

Foi então que conheci um rapaz espírita e começamos a namorar. Ele me convidou para um seminário de Divaldo Franco com o tema "Amor, Imbatível Amor". Eu iniciava o curso de Psicologia e fiquei fascinada por Joanna de Ângelis, mentora espiritual de Divaldo. A partir dali, mergulhei em questões sobre reencarnação e vida após a morte. Nossos encontros românticos viraram momentos de estudo. Eu tinha tantas perguntas, que ele finalmente disse: "Quer saber mais? Vamos para um grupo de estudo espírita!" E assim começou minha jornada, estudo até hoje e busco vivenciar os ensinamentos apreendidos nessa doutrina bendita. Há mais de 20 anos, integro um grupo de estudo da mediunidade.  E sim, o namorado tornou-se meu marido, como não poderia deixar de ser!

O que a cativa mais na Doutrina Espírita?

A Doutrina Espírita trouxe respostas para muitas perguntas que eu já me fazia desde a adolescência. O que mais me impressiona, além do método utilizado por Kardec, que traz clareza e compreensão acessível a todos, é a certeza de que não há acaso, de que a morte não existe e de que tudo tem um propósito.

Essa visão explica tantas das diferenças humanas e reforça que a vida continua transformando-se além da matéria. Os laços de amor não se rompem; pelo contrário, fortalecem-se quando transcendemos o plano físico. Saber que estamos em constante evolução, que somos responsáveis por nossas escolhas, mas nunca estamos sozinhos, pois nossa caminhada é acompanhada por espíritos que nos ligam por amor ou por necessidades de reparação, é profundamente confortador.

Tudo converge para um propósito maior, o aperfeiçoamento individual e coletivo. Essa compreensão traz uma esperança renovadora e a clareza necessária para enfrentar os desafios com mais serenidade, sabendo que cada experiência é um passo adiante na nossa jornada espiritual.

Como foi a escolha pela Psicologia?

Desde a escola, eu me encantava com o corpo humano, e as funções cerebrais me fascinavam de um modo especial. Na adolescência, hesitei entre Medicina (com foco em Psiquiatria) e Psicologia, mas, ao pesquisar sobre Freud e outros teóricos, descobri que a complexidade do comportamento humano era o que verdadeiramente me cativava.

Decidida, saí do interior da Paraíba para cursar o ensino médio em João Pessoa já com um objetivo claro: ser psicóloga. Segui esse caminho e, ao longo da jornada, me especializei na abordagem Sistêmica Familiar, que entende o indivíduo dentro do seu contexto familiar e relacional.

A Psicologia me permitiu explorar as nuances da mente e das emoções de uma forma que continuo encantada com o ser humano e seus desafios. Amo o que faço, a complexidade do ser humano me fascina, e vejo nessa atividade um dos propósitos de minha vida.

Cada paciente me ensina algo novo; suas histórias são lições de resiliência, coragem e transformação. E não há realização maior do que participar do processo de autodescoberta deles, ajudando-os a se reencontrarem e a darem sentido a sua história de vida com mais leveza e entendimento.

Como liga a Psicologia e o Espiritismo em sua prática?

Na minha prática profissional, o Espiritismo amplia minha visão sobre o ser humano como um todo, conforme destacado por Joanna de Ângelis no livro O Ser Integral: "O Espiritismo, sintetizando diversas correntes de pensamento psicológico e estudando o homem na sua condição de Espírito eterno, apresenta uma proposta filosófica idealista e imortalista, auxiliando-o na resolução de seus conflitos sem violência e com base na reencarnação, apontando-lhe os rumos felizes que deve seguir."

Embora eu não introduza conceitos espíritas diretamente na terapia, essa fundamentação me permite enxergar situações que transcendem a vida presente. Por exemplo, relações familiares desafiadoras muitas vezes revelam laços cármicos ou a necessidade de perdão entre almas que se reencontram. Esses insights enriquecem minha análise e orientam intervenções mais profundas — mesmo que eu não mencione o Espiritismo explicitamente. Dessa forma, integro as duas perspectivas: a Psicologia oferece ferramentas técnicas para o autoconhecimento, enquanto o Espiritismo me ajuda a compreender as dimensões mais sutis da existência, sempre com respeito à individualidade e às crenças de cada paciente.

Como vê os desafios atuais das famílias, especialmente os que os pais enfrentam?

Vivemos uma era de paradoxos: a tecnologia, que deveria conectar, muitas vezes esvazia as relações. Pais e filhos estão fisicamente próximos, mas emocionalmente distantes, sobrecarregados por rotinas aceleradas, excesso de estímulos digitais e uma cultura que valoriza mais o ter do que o ser.

Do ponto de vista psicológico, observo famílias exaustas, onde o cansaço e a falta de tempo minam a paciência e a disponibilidade afetiva. Muitos pais, em meio a cobranças sociais e profissionais, acabam delegando a educação aos dispositivos eletrônicos, criando uma convivência superficial. As crianças e adolescentes, por sua vez, mergulhados em mundos virtuais, desenvolvem dificuldades em lidar com frustrações, estabelecer vínculos profundos e até mesmo reconhecer autoridade sem resistência.

Já a ótica espírita nos lembra que a família é um "laboratório de evolução", onde almas se reencontram para ajustes e aprendizados mútuos. Os conflitos familiares, muitas vezes intensificados pela falta de diálogo ou pela ausência de limites claros, não são meros acasos, mas oportunidades de crescimento coletivo. A disciplina com amor, o cultivo de valores morais cristãos e a prática do perdão são ferramentas essenciais para transformar esses desafios em degraus evolutivos. Como nos ensina Joanna de Ângelis no livro SOS Família, na introdução: ”A família não é somente foco de lutas e problemas, mas também fonte geradora de felicidade quando há entre todos os seus componentes a iluminação de princípios espirituais superiores.’

O que dizer das terapias para casais hoje?

Vivemos uma era em que os relacionamentos conjugais são postos à prova como nunca antes. A modernidade trouxe liberdade e autonomia, mas também uma certa "liquidez" nos vínculos, como bem definiu o sociólogo Zygmunt Bauman. Muitos casais entram em conflito não pela ausência de amor, mas pela falta de ferramentas emocionais para lidar com as inevitáveis crises da convivência.

A terapia para casais surge não só como solução para crises, mas como prevenção. Ela possibilita construir um espaço de autoconhecimento ajudando cada um a identificar suas projeções e padrões negativos, observar e quebrar padrões tóxicos (como comunicação agressiva ou distanciamento) e através desse processo entender as raízes dos conflitos, buscando construir um ambiente seguro para comunicação.

Através desse processo, o casal desenvolve uma nova linguagem de conexão, onde as diferenças deixam de ser ameaças para se tornarem oportunidades de crescimento conjunto. 

Como foi sua vinculação com a Federação Espírita da Paraíba?

Tudo começou de forma singela. Levava meu filho de dois anos à evangelização infantil na Federação Espírita Paraibana (FEPB). Enquanto ele recebia os primeiros ensinamentos espíritas, eu participava das palestras doutrinárias. Foi assim que, pouco a pouco, o Espiritismo foi entrando em nossos corações e transformando nossa família.

Com o tempo, meu interesse pelo trabalho na Casa se aprofundou. Iniciei minha atuação no Departamento da Família, onde tive a oportunidade de servir como trabalhadora. Meu marido, igualmente tocado pelo ideal espírita, integrou-se ao Departamento de Comunicação. Juntos, fomos nos envolvendo cada vez mais com as atividades da Federação, descobrindo na prática o significado da máxima "Fora da Caridade não há Salvação".

Após uma transição de gestão, recebi o honroso convite para assumir como diretora adjunta do Departamento de Apoio à Família (DAF), responsabilidade que aceitei com humildade e dedicação. Posteriormente, assumi a diretoria do departamento, período em que pude contribuir para o fortalecimento das famílias espíritas em nosso estado.

Em 2024 alcancei um novo patamar em meu serviço ao Movimento: fui convidada a compor a diretoria executiva da FEPB como Vice-Presidente Doutrinária. Formamos uma equipe coesa e comprometida, cujo principal objetivo é estabelecer uma comunicação mais eficiente com as casas espíritas paraibanas, oferecendo o apoio necessário para seu pleno funcionamento.

Observamos que o período pós-pandemia trouxe desafios significativos. Muitas casas espíritas saíram fragilizadas desse período crítico, e o retorno às atividades tem sido gradual. Essa necessidade das casas nos levou a buscar auxiliar a Reestruturação das Casas Espíritas. Com o nosso presidente Neto Batista, como é carinhosamente conhecido, atuando ativamente em visitas por todas as regiões da Paraíba, verificamos as necessidades. Com base nessas visitas criamos estratégias para auxiliar as instituições paraibanas a retomarem suas atividades com segurança e vitalidade. Fomos estabelecendo uma relação mais dinâmica e eficaz entre a FEPB e as sociedades espíritas filiadas.

Outra ação importante é que reconhecemos a urgência de renovar nossas abordagens, especialmente junto às novas gerações. A evangelização da juventude não pode esperar; é nosso dever apresentar a Doutrina Espírita de forma relevante e significativa para os jovens de hoje.

A cada reunião, a cada visita às casas espíritas, reforçamos nosso compromisso: trabalhar unidos para o fortalecimento do Movimento Espírita Paraibano, sempre guiados pelos princípios da fraternidade, do diálogo e do serviço ao próximo.

Esta é a nossa tarefa: transformar em ações concretas o amor que nos une como irmãos e o ideal que nos inspira como espíritas.

O que é mais marcante em suas vivências?

A Psicologia me ensinou a escuta atenta, aquela que acolhe a dor humana com técnica e sensibilidade. O Espiritismo ampliou minha compreensão, revelando a alma imortal por trás de cada história. Juntas, essas duas ciências me mostraram que cada desafio esconde uma lição, cada dor carrega em si a semente de um renascimento.

Essa compreensão se materializa de forma tocante em minhas visitas às casas espíritas do interior. Recordo-me especialmente de uma conversa fraterna que realizei representando a FEPB. Fomos recebidos com imenso carinho, mas foi ao levar a presidente da casa em seu retorno para sua residência que compreendi a profundidade de sua dedicação.

Percorremos cerca de 20 minutos de carro por estradas sinuosas, ladeira após ladeira. Imaginei aquela irmã fazendo aquele trajeto a pé, semana após semana, movida apenas pelo amor à causa espírita. E ainda somava a isso os desafios familiares, as dificuldades materiais, todas as batalhas invisíveis para manter viva a chama da casa espírita. E, no entanto, seu sorriso transbordava alegria genuína a felicidade simples de quem serve ao Mestre Jesus. Naquele momento, entendi que a verdadeira doutrina espírita não está apenas nos livros, mas no suor desses trabalhadores anônimos que transformam suas vidas em exemplos vivos de caridade e perseverança.

Essas experiências são meus maiores tesouros; me lembram que, por trás de cada teoria, há corações ardentes de ideal; que além de toda dificuldade há fé inabalável e que acima de qualquer cargo ou título, o que realmente importa é o amor que colocamos em cada gesto de serviço ao próximo.

Alguma recordação comovente?

Lembro-me de uma mãe que perdeu o filho e encontrou consolo na certeza da reencarnação. Anos depois, ela retornou ao centro espírita trazendo um recém-nascido no colo. Seu olhar transmitia uma paz profunda, como quem compreendera, enfim, o sagrado ciclo da vida. Momentos como esse reafirmam a missão de harmonizar ciência e espiritualidade.

Outra vivência marcante foi a de uma família que enfrentou um luto especialmente doloroso durante a pandemia. Sua filha, que morava nos Estados Unidos, desencarnou em um acidente de trânsito, e as restrições da Covid-19 impediram que os pais se despedissem dela pessoalmente. Dois anos depois, em nosso grupo mediúnico, a jovem enviou uma mensagem de consolo aos pais. Foi um momento de emoção indescritível quando eles receberam aquela carta, reascendendo neles a certeza de que a vida continua, mesmo além da morte.

Algo a acrescentar?

Gostaria só de ressaltar que uma das maiores riquezas da Doutrina Espírita está no tesouro de sabedoria contido nas obras codificadas por Allan Kardec. Quando estudamos com afinco e dedicação, colocamos em prática as palavras de Jesus: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará" (João 8:32).

Que busquemos o conhecimento, mas não apenas o intelectual. Acima de tudo, cultivemos o autoconhecimento, princípio tão caro ao Espiritismo. Ele é a pedra angular que nos permite viver plenamente a lei maior: o amor. Como aprendi no seminário que transformou minha vida, só o amor edifica, só o amor liberta, só o amor permanece.

Suas palavras finais.

Gostaria de expressar minha profunda gratidão por esta conversa fraterna. E dizer aos queridos irmãos e irmãs que, ao escolhermos seguir os passos do Mestre Jesus, possamos acolher sua mensagem não apenas com os ouvidos, mas principalmente com o coração. Que o discernimento espiritual ilumine nossos caminhos, para que nossos pensamentos, palavras e ações sejam sempre coerentes com os princípios do Evangelho.

Que a caridade, este amor em movimento, esta compaixão que se faz gesto concreto seja o alicerce de nossas vidas. Unidos pelo mesmo ideal, seremos agentes de transformação deste planeta amado, trabalhando para torná-lo um mundo de regeneração, onde a fraternidade não seja apenas um ideal, mas uma realidade vivida. Pois somos parte da grande família universal.

Como bem nos recorda Jesus: "Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros" (João 13:35). Que este amor seja nossa bandeira e nosso compromisso diário. E que, fiéis ao legado de Kardec, possamos ser verdadeiras pontes - entre a ciência e a espiritualidade, entre o humano e o Divino, entre a Terra e o Céu.

Que a paz do Cristo e a luz dos bons Espíritos nos acompanhem sempre! 

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita