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por Ricardo Baesso de Oliveira

 

Até onde vai o inconsciente humano


Polêmicas relacionadas aos “poderes” do inconsciente humano não são recentes. Na década de 60 do século passado, Padre Quevedo, procurando desacreditar os fenômenos mediúnicos escreveu o livro A face oculta da mente, imputando ao inconsciente a causalidade da psicofonia, psicografia e até mesmo das materializações dos Espíritos.

Carlos Imbassahy, figura central no Espiritismo brasileiro, rebateu os disparates de Quevedo com outra obra, A farsa escura da mente (1965, Lake), onde, meticulosamente, relaciona as impossibilidades dessa explicação ilógica.

O tema volta ao debate mundial, com a nova geração de psicólogos, profundamente comprometidos com as pesquisas cientificas sérias.  Seria leviandade negar o valor do inconsciente nos processos do pensamento humano. Centenas de estudos científicos robustos mostram que ele influi em nossa vida e em nossas decisões muito mais do que podemos imaginar.

Daí, no entanto, relacionar ao inconsciente funções que racionalmente não lhe podem ser relacionadas, unicamente para justificar fenômenos que têm ficado fora da explicação cientifica, existe um imenso abismo.

Vejam o que escreveu John Bargh, celebrado neurocientista cognitivo:

Tem pela frente uma tarefa difícil em que demande muito tempo? Comece a trabalhar neste objetivo antes do que seria o habitual, para que os processos inconscientes de atingir um objetivo o ajudem naturalmente a resolver o problema, ofereçam soluções criativas e inovadoras, o alertem quanto a informações relevantes e úteis, e trabalhem no problema durante o tempo ocioso de sua mente.

Ainda Bargh, citando um conhecido escritor norte-americano:

Se você disser a si mesmo que vai estar sentado a sua escrivaninha amanhã, estará com essa declaração pedindo a seu inconsciente que prepare o material.[i]

Segundo John Bargh, nosso inconsciente sabe quais são os nossos objetivos importantes e tenta encontrar respostas que estamos tendo dificuldades de encontrar conscientemente, pois possui aptidões para resolver problemas.

Nesse mesmo sentido caminha o físico Leonard Mlodinow:

O processo de geração de ideias está assentado no fundo da nossa mente inconsciente e se torna mais ativo quando nossos processos conscientes de pensamento analítico estão em repouso.[ii]

Mlodinow propõe duas formas de pensamentos, o analítico e o flexível:

O pensamento flexível que produz ideias não consiste numa sequência de pensamentos lineares, como acontece com o pensamento analítico. Às vezes grandes e às vezes inconsequentes, às vezes em grupo e às vezes solitárias, nossas ideias parecem surgir do nada. Mas as ideias não vêm do nada; elas são produzidas pela mente inconsciente.

Aos espíritas, tais afirmações soam como pensamento mágico, absolutamente sem sentido. Imputam ao inconsciente o poder de criar, inovar, selecionar material, resolver problemas, oferecer soluções, alertar quanto a informações úteis, etc. etc. etc.

Tão mais lógicas as explicações espíritas: o que não é fruto da parte consciente do Espírito humano, de sua capacidade consciente de criar, idealizar, descobrir e resolver problemas, tem uma origem que transcende a sua própria individualidade – individualidades outras, que sintonizam com ele, ou experiências vividas pela individualidade encarnada, em desdobramento perispiritual.

Segundo Kardec:

1- Os Espíritos influem em nossos pensamentos e em nossos atos, muito mais do que imaginamos, pois frequentemente são eles que nos dirigem.[iii]

2- Além dos pensamentos que nos são próprios, há outros que nos são sugeridos. Nos pensamentos que nos ocorrem neles há sempre um pouco de nós e um pouco de outros Espíritos.[iv]

3- Os homens inteligentes e de gênio podem tirar suas ideias de si mesmos, mas muitas vezes lhes são sugeridas por outros Espíritos que os julgam capazes de compreendê-las e dignos de transmiti-las. Quando os homens não as encontram em si mesmos, apelam para a inspiração. Sem que suspeitem, fazem verdadeira evocação.[v]

Uma outra abordagem nos oferece André Luiz, ao propor uma divisão didática da mente, em três setores específicos. subconsciente, onde arquivamos todas as experiências e registramos os menores fatos da vida, o consciente, consubstanciando as energias motoras de que se serve a nossa mente para as manifestações imprescindíveis no atual momento evolutivo do nosso modo de ser, e o superconsciente, silencioso ainda para a investigação científica do mundo, onde jazem materiais de ordem sublime, que conquistaremos gradualmente, no esforço de ascensão, representando a parte mais nobre de nosso organismo divino em evolução.

Comenta o autor espiritual, que no primeiro situamos a residência de nossos impulsos automáticos, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados; no segundo localizamos o domicílio das conquistas atuais, onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando; no terceiro, temos a casa das noções superiores, indicando as eminências que nos cumpre atingir. [vi]

Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro residem o esforço e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior a ser alcançada.

André Luiz descreve o inconsciente, como se vê, como a parte mais profunda da mente, onde se encontram as experiências acumuladas do espírito imortal ao longo de múltiplas encarnações.

Fica explícito, então, que o inconsciente humano só nos pode oferecer o que lá foi “depositado”, como arquivo de nossas experiências passadas, ou acontecimentos recentes. Tudo o que é novo, criativo, organizador, gerenciador ou selecionador cabe ao consciente, ou seja, o que estamos construindo a partir do esforço de pensar, ou ao superconsciente, onde, segundo acredito, se ligam as inteligências desencarnadas que colaboram conosco.

Concluindo, pode-se até mesmo admitir que o inconsciente possa ajudar a resolver problemas novosmas não pela lógica direta — ele oferece matéria-prima emocional, intuitiva e simbólica que enriquece o raciocínio consciente e inspira decisões. Isso é válido tanto em termos espirituais quanto psicológicos.

O inconsciente atua como fonte de referência, força emocional e memória espiritual. Embora não pense no sentido lógico, ele pode influenciar a criatividade, a intuição e a empatia, ajudando na solução de problemas novos, mas não os resolvendo de forma milagrosa.


 

 

[i] Cérebro Intuitivo, John Bargh.

[ii] Mlodinow, Leonard. Elástico.

[iii] LE, item 459.

[iv] LE, item 460.

[v] LE item 462.

[vi] No mundo maior.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita