Até onde vai o inconsciente
humano
Polêmicas relacionadas aos “poderes” do
inconsciente humano não são recentes. Na década
de 60 do século passado, Padre Quevedo,
procurando desacreditar os fenômenos mediúnicos
escreveu o livro A face oculta da mente,
imputando ao inconsciente a causalidade da
psicofonia, psicografia e até mesmo das
materializações dos Espíritos.
Carlos Imbassahy, figura central no Espiritismo
brasileiro, rebateu os disparates de Quevedo com
outra obra, A farsa escura da mente (1965,
Lake), onde, meticulosamente, relaciona as
impossibilidades dessa explicação ilógica.
O tema volta ao debate mundial, com a nova
geração de psicólogos, profundamente
comprometidos com as pesquisas cientificas
sérias. Seria leviandade negar o valor do
inconsciente nos processos do pensamento humano.
Centenas de estudos científicos robustos mostram
que ele influi em nossa vida e em nossas
decisões muito mais do que podemos imaginar.
Daí, no entanto, relacionar ao inconsciente
funções que racionalmente não lhe podem ser
relacionadas, unicamente para justificar
fenômenos que têm ficado fora da explicação
cientifica, existe um imenso abismo.
Vejam o que escreveu John Bargh, celebrado
neurocientista cognitivo:
- Tem pela frente uma tarefa difícil em que
demande muito tempo? Comece a trabalhar neste
objetivo antes do que seria o habitual, para que
os processos inconscientes de atingir um
objetivo o ajudem naturalmente a resolver o
problema, ofereçam soluções criativas e
inovadoras, o alertem quanto a informações
relevantes e úteis, e trabalhem no problema
durante o tempo ocioso de sua mente.
Ainda Bargh, citando um conhecido escritor
norte-americano:
- Se você disser a si mesmo que vai estar
sentado a sua escrivaninha amanhã, estará com
essa declaração pedindo a seu inconsciente que
prepare o material.[i]
Segundo John Bargh, nosso inconsciente sabe
quais são os nossos objetivos importantes e
tenta encontrar respostas que estamos tendo
dificuldades de encontrar conscientemente, pois
possui aptidões para resolver problemas.
Nesse mesmo sentido caminha o físico Leonard
Mlodinow:
- O
processo de geração de ideias está assentado no
fundo da nossa mente inconsciente e se torna
mais ativo quando nossos processos conscientes
de pensamento analítico estão em repouso.[ii]
Mlodinow propõe duas formas de pensamentos, o
analítico e o flexível:
- O pensamento flexível que produz ideias não
consiste numa sequência de pensamentos lineares,
como acontece com o pensamento analítico. Às
vezes grandes e às vezes inconsequentes, às
vezes em grupo e às vezes solitárias, nossas
ideias parecem surgir do nada. Mas as ideias não
vêm do nada; elas são produzidas pela mente
inconsciente.
Aos espíritas, tais afirmações soam como
pensamento mágico, absolutamente sem sentido.
Imputam ao inconsciente o poder de criar,
inovar, selecionar material, resolver problemas,
oferecer soluções, alertar quanto a informações
úteis, etc. etc. etc.
Tão mais lógicas as explicações espíritas: o que
não é fruto da parte consciente do Espírito
humano, de sua capacidade consciente de criar,
idealizar, descobrir e resolver problemas, tem
uma origem que transcende a sua própria
individualidade – individualidades outras, que
sintonizam com ele, ou experiências vividas pela
individualidade encarnada, em desdobramento
perispiritual.
Segundo Kardec:
1- Os
Espíritos influem em nossos pensamentos e em
nossos atos, muito
mais do que imaginamos, pois frequentemente são
eles que nos dirigem.[iii]
2- Além dos pensamentos que nos são próprios, há
outros que nos são sugeridos. Nos
pensamentos que nos ocorrem neles há sempre um
pouco de nós e um pouco de outros Espíritos.[iv]
3- Os
homens inteligentes e de gênio podem tirar suas
ideias de si mesmos, mas
muitas vezes lhes são sugeridas por outros
Espíritos que os julgam capazes de
compreendê-las e dignos de transmiti-las. Quando
os homens não as encontram em si mesmos, apelam
para a inspiração. Sem que suspeitem, fazem
verdadeira evocação.[v]
Uma outra abordagem nos oferece André Luiz, ao
propor uma divisão didática da mente, em três
setores específicos. O subconsciente,
onde arquivamos todas as experiências e
registramos os menores fatos da vida, o consciente,
consubstanciando as energias motoras de que se
serve a nossa mente para as manifestações
imprescindíveis no atual momento evolutivo do
nosso modo de ser, e o superconsciente,
silencioso ainda para a investigação científica
do mundo, onde jazem materiais de ordem sublime,
que conquistaremos gradualmente, no esforço de
ascensão, representando a parte mais nobre de
nosso organismo divino em evolução.
Comenta o autor espiritual, que no primeiro
situamos a residência de nossos impulsos
automáticos, simbolizando o sumário vivo dos
serviços realizados; no segundo localizamos o
domicílio das conquistas atuais, onde se erguem
e se consolidam as qualidades nobres que estamos
edificando; no terceiro, temos a casa das noções
superiores, indicando as eminências que nos
cumpre atingir. [vi]
Num deles moram o hábito e o automatismo; no
outro residem o esforço e a vontade; e no
último demoram o ideal e a meta superior a ser
alcançada.
André Luiz descreve o inconsciente, como se vê,
como a
parte mais profunda da mente,
onde se encontram as
experiências acumuladas do espírito imortal ao
longo de múltiplas encarnações.
Fica explícito, então, que o inconsciente humano
só nos pode oferecer o que lá foi “depositado”,
como arquivo de nossas experiências passadas, ou
acontecimentos recentes. Tudo o que é novo,
criativo, organizador, gerenciador ou
selecionador cabe ao consciente, ou seja, o que
estamos construindo a partir do esforço de
pensar, ou ao superconsciente, onde, segundo
acredito, se ligam as inteligências
desencarnadas que colaboram conosco.
Concluindo, pode-se
até mesmo admitir que o inconsciente possa
ajudar a resolver problemas novos, mas
não pela lógica direta —
ele oferece matéria-prima
emocional, intuitiva e simbólica que
enriquece o raciocínio consciente e inspira
decisões. Isso é válido tanto em termos
espirituais quanto psicológicos.
O inconsciente atua como fonte
de referência, força emocional e memória
espiritual. Embora não pense no
sentido lógico, ele pode influenciar
a criatividade, a intuição e a empatia,
ajudando na solução de problemas novos, mas não
os resolvendo de forma milagrosa.
[i] Cérebro Intuitivo,
John Bargh.
[ii] Mlodinow, Leonard.
Elástico.
[iii] LE, item 459.
[iv] LE, item 460.
[v] LE item 462.
[vi] No mundo maior.