Entrevista

por Orson Peter Carrara

Uma visão ampliada
sobre a vida e, nela,
o nosso papel


 
Natural de São Joaquim da Barra e residente em São Carlos (ambos municípios paulistas), desde 1933, Paulo César Scanavez (foto) formou-se em Direito. Começou a trabalhar cedo, aos 6 anos de idade, e o trabalho no fórum com quase 10 anos de idade. Trabalhou igualmente em cartório por 12 anos e atualmente é Magistrado, há 38 anos. Palestrante espírita, percorre várias instituições espíritas, embora mais presente na Instituição Espírita Jesus Nazareno, na cidade onde reside. Atua na ONG Sal da Terra, que atende mais de 400 crianças e pré-adolescentes (com múltiplas atividades no processo educacional) e igualmente em instituição que atende 90 idosos, em bairro periférico da mesma cidade. Não exerce cargo administrativo porque o CNJ veda a participação de juiz de direito em diretorias de instituições.

 

Como conheceu o Espiritismo?

Por influência familiar, fiz o catecismo e a primeira comunhão, da tradição católica, com apenas 6 anos, exercendo também a função de “coroinha”. Ia muito às missas e fazia muitas perguntas ao padre Mário Lano, que sempre respondia ser “mistério de Deus”. Afastei-me da Igreja com 13 ou 14 anos e fiquei 3 anos sem buscar outra religião. Minhas tias me cobravam muito, pois elas tinham vocação para que eu fosse padre. Aí aconteceu algo curioso: estava com 17 anos e uma pessoa muito especial me chamou para ser, à semelhança de algumas outras pessoas, homenageado em determinada instituição. Estava no primeiro ano de Direito. Achei muito estranho, pois não era formado, estava iniciando o curso. Mas ela insistiu muito e para não desapontá-la (era uma pessoa muito boa) fui. Eu era muito tímido. Primeiro, teve o jantar. Quando terminou essa parte, informaram-me que começaria a parte das homenagens e cada homenageado teria que falar alguma coisa. Levantei-me e perguntei para alguém próximo onde era a toalete e para minha alegria ficava no percurso da saída do prédio. Não tive dúvida: deixei o local, com peso na consciência, mas andei por quase 100m e notei uma casa espírita (Centro Espírita do Além) que estava funcionando àquela hora (20h35) e entrei e procurei assento no fundão. Álvaro Medeiros, espírita de boa formação na doutrina, era quem presidia o estudo sobre O Livro dos Espíritos e se dirigia ao pequeno grupo repetindo perguntas que, depois fiquei sabendo, eram daquele Livro. As pessoas por timidez ou não respondiam ou respondiam com certa dificuldade. Coincidentemente, não sei qual a razão, eu sabia responder e assim foram umas 5 ou 6 perguntas. Ao final, ele me perguntou se eu tinha estudado aquele livro e eu disse que não, era a primeira vez que eu entrava naquele local. Eu ali estava e gostei tanto que de sobra ganhei um surrado exemplar de O Livro dos Espíritos. As respostas que o padre não tinha achei-as naquele Livro e assim foi meu ingresso na doutrina.

O que mais lhe chama atenção na Doutrina Espírita?

A lógica da Doutrina Espírita: Deus, a Causa primária. O espírito a individualidade inteligente. A evolução como roteiro a ser percorrido pelo esforço de cada um. A reencarnação como instrumento a ser aproveitado no processo de evolução espiritual. A necessidade do trabalho e do estudo contínuos. O princípio da cooperação como valor indispensável ao progresso individual e coletivo. Por todos os poros da doutrina, a tônica da lógica assentada na infinita bondade de Deus. Uma amiga foi ao Chico Xavier, em Uberaba, e perguntou a meu respeito (por conta dela) e ele acabou por me informar que "eu estava recapitulando", ou seja, falhei e agora tenho que tentar acertar, mas os defeitos não são poucos e para superá-los ...a estrada é bem longa.

De onde lhe surgiu o interesse pelo Direito?

Trabalhando no fórum. Aos 13 anos tive a alegria de começar a datilografar, sob ditado do juiz, as audiências. Calça curta, gravata emprestada pelos servidores mais antigos. Observando e ouvindo juízes, promotores de justiça e advogados, logo que comecei já sabia qual curso superior eu faria. 

Com o conhecimento jurídico/acadêmico e o conhecimento espírita, como vê o  progresso da legislação humana, ainda tão imperfeita, diante das Leis Divinas?

Enquanto não acertarmos o contexto familiar, social ou comunitário, as leis se mostrarão insuficientes e, portanto, carecendo de reformas. Esse vai e vem é sinal de incompletude. O problema crucial reside na inexequibilidade da maioria das leis. Há uma quantidade oceânica de leis. Nem o Congresso Nacional sabe apontar quais efetivamente estão em vigor. Aqui no Brasil há uma preocupação em editar leis. Transmite-se a ideia de que quanto maior o número de leis, maior a chance de o país dar certo. Grande volume do que é editado não ganha credibilidade alguma, a lei nasce morta. Outras leis são completamente ignoradas desde o princípio. Trata-se de flagrante absurdo, mas se fala nesse caso em revogação tácita por falta de uso (o que contraria a própria estrutura integrante do sistema de criação e vigência das leis). Poucos sabem que há uma Lei sobre o dia da Caridade. Nesse caso, particularmente, acho algo hilário. Há grande quantidade de legisladores que não sabem o básico em termos de legislação, mas legislam. Brasil afora há exemplos clássicos. A título de exemplo, certo vereador de um Estado distante daqui entrou com projeto de lei para revogar a lei da gravidade. 

De suas vivências espíritas, o que mais o marcou em termos de experiência de vida?

O que sempre me impressionou, desde o princípio, foi a estrutura lógica da doutrina espírita. Por ela a vida se apresenta muito às claras e a primeira reação que aflora ante algum fato inusitado é um convite a uma viagem ao passado, ao presente ou ao futuro. Percebo que a reflexão confere contornos elucidativos a questões das mais variadas e intrincadas complexidades, particularmente no campo das vivências humanas. Essa prospecção tem me ajudado a enxergar a vida com um pouco mais de compreensão e de tolerância, muito embora o meu enrustido primarismo frente à grandeza e ao fluxo da vida.

Em sua abordagem na palestra proferida em Matão (SP) com o tema  "A evolução é inevitável", foi citada a experiência com Dr. Bezerra de Menezes. Cite-a aos leitores, por favor.

Minha mãe estava grávida. Meu nascimento ocorreria na segunda quinzena de fevereiro. Quase meia noite e minha mãe ansiava pela chegada do meu pai, pois havia apagado as luzes da pequena cidade e ela estava com o corpo esticado na cama e sem uma vela para acender e iluminar, mesmo que de modo pálido, o contorno do pequeno quarto. Estava muito nervosa e com taquicardia. Quando começou o tique-taque da meia noite, a minha mãe viu um homem da cintura para cima, de paletó, barba cheia, procedente da pequena sala e se encaminhando para aquele quarto. À medida que ele caminhava, ela se asserenava e os batimentos cardíacos retomaram seu ritmo regular. Aquele homem se aproximou mais e estendeu as mãos à altura do ventre dela, que percebeu que ele movimentava os lábios pronunciando silenciosa prece. Assim que ele terminou, honrosamente foi se afastando do quarto, sem lhe dar as costas e ela o acompanhou com o olhar até que ele, pelo mesmo caminho que viera, desapareceu. Nasci às 15h daquele dia. Na minha adolescência, por algumas vezes, ela me contou essa história. Passaram-se os anos. Meu irmão teve sério problema obsessivo e teve que ser internado em Hospital Psiquiátrico por 4 ou 5 vezes. Foi curado através de passes magnéticos aplicados por um casal espírita da minha cidade. O mais interessante: o médium disse o dia, mês e ano em que ele se curaria. E aconteceu. Ainda na etapa que antecedeu a cura, e eu que tinha 19 anos, sugeri à minha mãe que levássemos meu irmão ao Centro Espírita do Além, onde um médium de cura, procedente de Franca, atenderia pessoas em necessidades espirituais. Notei que minha mãe relutou um pouco por ter que se defrontar com o desconhecido - já que toda sua família era católica -, mas ao final fomos os três e chegamos quando o Centro Espírita estava quase todo vazio, por isso nos acomodamos nas cadeiras da frente.  Atentos, nosso olhar percorria o ambiente à frente e às vezes para os fundos. Minha mãe ao olhar um quadro pouco à direita fixo na parte superior logo se surpreendeu ante aquela figura humana e me perguntou: Paulo, quem é esse homem? e eu lhe respondi: é o dr. Adolpho Bezerra de Menezes. E ela toda arrepiada e emocionada replicou: "Ele é aquele homem que, no início da madrugada do dia 01 de fevereiro, esteve lá em casa. Exatamente, ele. Não tenho dúvida alguma". Muitos anos depois, precisamente em outubro de 1979, Divaldo Pereira Franco, sem conhecer essa narrativa, disse-me em uma ocasião especial, que o dr. Bezerra tinha sido o responsável pelo meu encaminhamento à reencarnação, mas que eu deveria entender isso como alguém que deu muito trabalho, reencarnações passadas, ao ponto de ser necessária tamanha intervenção. Interessante que meu carinho e respeito ao dr. Bezerra de Menezes continua muito vivo. 

De que forma isso lhe influenciou a vida pelas décadas seguintes?

Achei a narrativa de minha mãe muito especial. Guardo-a no coração com muito carinho e especial conforto diante de auxílio tão significativo como esse. Tudo tem uma razão de ser. Interessante observar ainda que minha mãe antes dessa gravidez sofrera, havia 3 meses, um aborto espontâneo e o médico lhe dissera que teria que dar descanso ao útero por pelo menos 3 anos.  Nasci com alguns problemas de saúde que persistiram por alguns anos, mas depois dos 7 anos tudo se acertou rapidamente. A ajuda espiritual esteve presente de modo bem generoso para que a reencarnação se completasse. 

E como vê o atual estágio do movimento espírita no país?

O movimento espírita, como tudo na vida, tem seus ciclos. Alguns, repletos de criatividade e outros um tanto pálidos. O essencial deve se concentrar na Casa Espírita, promovendo a divulgação da doutrina, a evangelização direcionadas aos adultos, adolescentes e crianças. assim como através dos meios de comunicação. As atividades filantrópicas dos adeptos da doutrina espírita também se afiguram importantes meios para a promoção de serviços sociais de relevo na prevenção de alguns males sociais, contribuindo para a redução da fome, do frio e de outras intempéries. O estudo em grupos pelo sistema híbrido favorece muitos que não têm como se deslocar até a Casa Espírita. A formação de divulgadores da doutrina espírita., a criação de núcleos de estudo capaz de estimular a pesquisa também se mostra relevante. A convergência dessas atividades é fabuloso recurso à aprendizagem em conjunto. O movimento espírita reclama participação de grupos experientes e capazes, visando ao desenvolvimento crítico direcionado às múltiplas atividades em curso para, se necessário, promover-se a retificação de rumos quando na iminência de atropelar a doutrina espírita. Significativo ainda é o atendimento socorrista a instituições que caminham muitas vezes à deriva. Todas essas atividades exigem dedicação, comprometimento e vinculação à Doutrina Espírita.  O trabalho mediúnico, o de atendimento fraterno e a análise de livros à luz da doutrina espírita também se fazem permanentemente necessários.  Não falta é trabalho. 

Algo mais que gostaria de acrescentar?

As múltiplas atividades espíritas requerem, previamente, dos partícipes, reflexões às Epístolas de Paulo de Tarso. Uma em particular contém valor solar porquanto encerra em sua essência o fermento e o fomento necessários para que sigamos fieis aos postulados da Doutrina Espírita, sem invencionices: a) I Coríntios 10, 23-24: "Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm, todas são lícitas, mas nem todas edificam. Ninguém busque seu próprio interesse, e sim o de outrem”.

Suas palavras finais.

Grande parte das famílias se apresenta adoecida. As causas determinantes desse estado residem no distanciamento do endereço de Deus, no vazio existencial, e nas dificuldades apresentadas pelos genitores ou por outros cuidadores de crianças e adolescentes quanto aos propósitos e aos valores espirituais em torno do núcleo familiar.  Recomendável trabalho específico de orientação aos membros da família quanto aos valores espirituais acerca do cuidado nas relações domésticas para facilitar o ingresso de cada indivíduo na vida em sociedade (tomando como ponto de reflexão as observações de Allan Kardec à resposta dada pelos espíritos à questão n. 685-A, em O Livro dos Espíritos). Cursos para genitores, avós, guardiões, e, simultaneamente, em outras salas distintas da Casa Espírita, para crianças e adolescentes, ministrados por pessoas previamente qualificadas para esse intento. No ano passado, no Centro Espírita Jesus Nazareno, em São Carlos (SP), essa experiência se mostrou bem satisfatória, acordando os participantes sobre a relevância da autoridade parental ou dos guardiões.  Trata-se de simples recomendação e que pode fazer grande diferença na vida familiar.

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita