Muitas tradições da Espiritualidade preconizam a
reencarnação como sendo a única possibilidade de
alinharmos a crença em Deus com as deformidades e
aparentes injustiças que vislumbramos no mundo. Aqui,
vemos uma criança em tenra idade com doenças sem
solução; ali, outros tantos sem oportunidades no âmbito
social, passando fomes e privações; outros que, na
riqueza material na qual nasceram, se mantêm distraídos
do sentido da Vida, refastelando-se, consumindo
e se perdendo em prazeres fugazes. Como conciliar Deus
com o que vemos? Como perceber cosmos onde tudo nos
parece caos? De que forma admitir uma Lei Justa e
Amorosa, onde se sobressaem diferenças gritantes nas
variadas camadas sociais?
Sim, podemos analisar filosofias niilistas,
materialistas, que nos esvaziam de qualquer esperança,
encontrando nelas certa coerência racional, mas sem
nenhuma coerência no âmbito do coração, quando as
analisamos pelas vias do sentimento, da Alma.
Adolpho Bezerra de Menezes, o médico dos pobres, contou
que fora desafiado por um materialista de seu tempo a um
debate e que respondeu, aceitando tal convite, desde que
aquele homem, o desafiante, trouxesse até ele uma única
pessoa que tivesse sido emocionalmente beneficiada pelas
teorias materialistas. Qualquer pessoa que já tivesse
tido suas dores amenizadas, seus anseios apaziguados
através do niilismo.
Podemos, por outro lado, aventar que existe um sentido
no que vivemos, que a Existência tem um propósito bom,
justo e amoroso e que a dor não é um castigo, mas um
convite. Muitos estudiosos da ciência atual comentam que
quando irrigamos nossos corações com as águas da fé
viva, quando abraçamos uma filosofia positiva, que traz
Sentido e Esperança, temos, por consequência, melhores
índices de harmonia, de felicidade, e, logicamente,
menores índices de adoecimentos, muito menos depressão e
tendências ao suicídio. São questões protetivas ao Ser.
Seguindo essa linha de pensamento, o Espiritismo se
alinha às demais Tradições de Espiritualidade que
admitem a reencarnação como única possibilidade para
explicarmos
as desigualdades e situações que nos causam estranhezas,
com a possibilidade de irmos além, com mais detalhes
ditados pelos Espíritos, trazendo-nos maior coerência.
Na Doutrina compreendemos que nenhuma família se forma,
na Terra, de maneira aleatória. Antes, se agrupam por
necessidade dos Espíritos envolvidos, muita vez por
amor, mas, em algumas situações, por resgates devido a
situações lamentáveis, de erros pregressos. Pais que
recebem seus filhos, vindos do Mundo Maior, tem enorme
carga de responsabilidade diante desta que é, sem
dúvida, a maior de suas missões na Terra. Estes filhos
recebem seus corpos, cuidados, segurança, orientações e
muito mais. Aprendemos que não existe aleatoriedade e
que estamos convivendo com aqueles que a Lei Divina nos
aproximou com vistas a evolução de cada um e do grupo,
muita vez arrastando dificuldades, desalinhos, mas
também com sagradas oportunidades de reajustes, perdão e
amor.
Emmanuel começa o capítulo 38 do Livro da Esperança (psicografia
de Francisco Cândido Xavier) nos convidando a uma
reflexão sobre o versículo 19 do capítulo 19 de Mateus,
quando Jesus nos orienta a honrarmos nossos pais e mães,
relembrando-nos o quinto mandamento da Antiga Lei.
Também destaca uma frase de Kardec, no capítulo 14, item
3 do Evangelho Segundo o Espiritismo, em que o mestre
lionês dá mais alguns detalhes sobre o que seria honrar
pai e mãe, tais como ajudá-los em suas necessidades,
tratá-los bem em sua velhice, cercá-los de cuidados...
No mesmo capítulo, mas no item 9, Agostinho (Espírito)
vai explicar que a ingratidão dos filhos é algo
abominável... e, na mesma mensagem, busca ajudar os pais
a compreenderem estes desafios que afetam tanto os
corações, alertando para a realidade que muitos filhos
são seus credores antigos. Por vezes são almas que vem
para que aconteçam os ajustes, reconciliações e acertos,
por conta de problemas em vidas anteriores.
Então ele diz aos pais: tenham paciência. Peçam guiança
a Deus. Mantenham a força do amor e saibam que os
esforços serão recompensados, pois o Amor é uma força
irresistível e mesmo que essas dificuldades sigam, por
muito tempo, dia chega, em alguma vida se não for nesta,
em que as cascas caem, a raiva cessa, a gratidão
chega...
Mas voltando nossa fala no que tange aos filhos, quando
a impaciência, a raiva, as cobranças com relação aos
pais surgem, cabe perguntar: o que a criança que vive em
mim tanto reclama, tanto exige? O que de fato me faltou,
nesta vida? Fui privado de afeto? Fui privado de
cuidados? Fui privado de respeito? Mesmo que tudo isso
tenha se dado, cabe-nos buscar o diamante no pântano: a
vida que pulsa. Nossos pais nos permitiram nascer. E,
sabemos, a maior parte deles fez enorme esforço para que
a vida seguisse... noites de vigília, muito trabalho na
manutenção material, cuidados com segurança, etc. Isso é
muito grande e importante para ser esquecido. Podemos
ter nossas dores, mas precisamos também pensar no amor
que se fez presente, em diversas linguagens.
Aceitar os pais é caminho de paz e força. Repelir os
pais é atacar a si mesmo, dizem os humanistas. Eles
estão dentro de nós...estejam bem ou mal encaixados.
Agora, retomando o apontamento do Cristo, o que seria,
então honrarmos pai e mãe? Além de sermos gratos, o que
está dentro do obvio, o que mais consistiria em
honrá-los? Kardec fala sobre os cuidados dentro da
relação, o que também consiste no básico, se pensarmos
com a lente da gratidão... O que significa honrar, em
seu sentido mais profundo? Se perguntarmos a pais que
são saudáveis sob o ponto de vista psíquico e
espiritual, pais que amam sem estarem eclipsados por
suas próprias feridas, dirão: “Sinto-me honrado,
sinto-me honrada com quando meus filhos fazem da sua
vida uma vida de valor. Quando crescem, se desenvolvem,
se tornam mais humanos e responsáveis. Quando assumem
suas vidas como um presente sagrado que devem cuidar e
usar, entregando seus talentos para si e para o mundo.
Quando, por fim, são felizes, dentro de suas
possibilidades... encontrando equilíbrio, mesmo diante
dos desafios da Vida...” Porque na arte de serem
pais, tudo o que mais importa é saberem que seus filhos
conseguiram aquilo que aqui vieram aqui realizar, dentro
e fora deles.
Isso seria honrar... isso faz os pais se sentirem
felizes e plenos em suas missões.
Agora, voltando ao texto de Emmanuel, vamos ver que ele
fala diretamente a estes pais que passam por dores e
dificuldades nas relações com seus filhos. Começa o
texto explicando que a Lei da reencarnação aproxima de
nós nossos filhos, que são pérolas sagradas aos nossos
corações e que, por vezes, surgem dificuldades grandes,
com cobranças, ataques, evitações... filhos que
desmerecem, desqualificam os pais.. e que essa dor é, de
fato, muito intensa, mas que devemos levar em conta de
que pode ser que sejam credores dentro do lar... são
almas que vem em busca de reajustes e que precisam do
nosso amor.
Vejamos ainda o que Emmanuel dita através de Chico: “Muitas
vezes choras e sofres, tentando adivinhar-lhes os
pensamentos para que te percebam os testemunhos de amor.
Calas os próprios sonhos, para que os sonhos deles se
realizem. Apagas-te, a pouco a pouco, para que fuljam em
teu lugar. Recebes todas as dores que te impõem à alma,
com sorrisos nos lábios, conquanto te amarfanhem o
coração.
Quando te vejas, diante de filhos crescidos e lúcidos,
erguidos à condição de dolorosos problemas do espírito,
recorda que são eles credores do passado a te pedirem o
resgate de velhas contas. Busca auxiliá-los e
sustentá-los com abnegação e ternura, ainda que isso te
custe todos os sacrifícios, porque, no justo instante em
que a consciência te afirme tudo haveres efetuado para
enriquecê-los de educação e trabalho, dignidade e
alegria, terás conquistado em silêncio, o luminoso
certificado de tua própria libertação. fui lendo.”
Conforme lia este capítulo de Emmanuel, lembrei-me do
filme Big Fish, dirigido por Tim Burton. A
história de um pai e seu filho... Edward Button e
Will... O filho, até certa idade se encantava com as
histórias que o pai contava... mas depois, além de
duvidar, começou a sentir raiva... não entendia, culpava
o pai por suas ausências, afastou-se... até que, quando
Ed estava enfrentando a própria finitude, Will foi
chamado a estar junto de seu pai... e, só ali pode
perceber que ele sempre falou sobre verdades, mesmo que
de maneira simbólica, mesmo fantasiosa... que ensinava o
filho com essas histórias. Era parte de sua entrega a
ele... Só ali, no momento da morte do pai, Will
conseguiu compreender e se perceber muito amado por
Edward...e saber do quanto este pai foi especial a
tantos outros, no mundo... Pôde compreender e liberar as
mágoas que guardava.
O filme é um convite a olharmos para nossas relações, de
pais e filhos... O momento que ambos os personagens
partilham não só valida o amor do Will pelo pai, mas
também mostra que o seu filho agora entende o que o pai
sempre tentou dar-lhe. Aliás, conta-se que o próprio Tim
Burton estava ali falando da relação dele com seu pai...
Por fim, acredito que conseguimos um viver muito mais
leve e equilibrado quando criamos um ambiente de paz e
respeito no lar. Esta é uma das maiores bênçãos nesta
Vida.
Mesmo que não possamos estar próximos, que em nossos
corações nossos pais e filhos tenham sempre um lugar de
honra e amor! (*)
(*) Baseado no cap. 38 do Livro da
Esperança; no Evangelho de Mateus, cap 19, versículo
19, e no cap. 14 d’O Evangelho Segundo o Espiritismo,
itens 3 e 9.