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por Eder Andrade

 

A diferença entre conhecer a verdade e compreendê-la


Conta-nos a História que na época de Jesus a Palestina estava dividida em diversas camadas sociais e grupos político-religiosos, com destaque para a aristocracia e os sacerdotes, que nem sempre se entendiam. Existia uma camada social formada pelos chamados fariseus, conhecidos pela sua rigorosa observância da Lei e Tradições Judaicas.

Eles eram responsáveis por estudar os antigos testamentos e antigas escrituras para dar a elas a interpretação mais apropriada. A diversidade de grupos religiosos, sociais e políticos criava um ambiente complexo e muitas vezes conflituoso na Palestina na época de Jesus.

A preocupação dos fariseus era extrair das antigas escrituras um conhecimento de ordem moral para guiar a população, levando em conta que eles também tinham uma posição privilegiada economicamente e, por terem acesso ao Sinédrio, uma espécie de suprema corte judaica em Jerusalém, atuando como um conselho judiciário e legislativo. Era composto por uns 72 membros, incluindo sumos sacerdotes, anciãos e escribas. O Sinédrio tinha autoridade para julgar questões religiosas e legais, mas seu poder era limitado pelo Império Romano.

Alguns desses fariseus eram também conhecidos pela sua cultura e seu elevado caráter, chamados de Doutores da Lei e entre eles podemos destacar Nicodemos, um personagem muito conhecido na história bíblica por ter procurado o Mestre em busca de uma melhor compreensão com relação às antigas escrituras e às curas realizadas.

Nicodemos não era um indivíduo comum, além de ser um homem culto, conhecedor das antigas leis mosaicas, era um personagem importante para aquela cultura. Ele percebeu intuitivamente que, para Jesus realizar os fenômenos de cura, ajudar os necessitados e aflitos, só era possível com um dom concedido por Deus.

Dessa forma Nicodemos resolve procurar Jesus e pede ao Mestre o esclarecimento que ele precisava para entender. Apesar de ser um Doutor da Lei em Jerusalém, havia situações que para ele não faziam sentido.

No livro Boa Nova, psicografado por Chico Xavier, o espírito Irmão X procura apresentar o seguinte diálogo entre Nicodemos e Jesus:

“– Mestre, bem sabemos que vindes de Deus, pois somente com a luz da assistência divina poderíeis realizar o que tendes efetuado, mostrando o sinal do céu em vossas mãos. Tenho empregado minha existência em interpretar a lei, mas desejava receber vossa palavra sobre os recursos de que deverei lançar mão para conhecer o Reino de Deus!

O Mestre sorriu bondosamente...” 1

Jesus percebendo a sensibilidade nas palavras de Nicodemos, procurou dentro do contexto da época e das limitações culturais explicar o verdadeiro sentido da seu messianato, que não era um privilégio concedido por Deus:

Nicodemos, não basta que tenhas vivido a interpretar a lei. Antes de raciocinar sobre as suas disposições, deverias ter-lhe sentido os textos. Mas, em verdade devo dizer-te que ninguém conhecerá o reino do céu, sem nascer de novo. 1

O mestre realizava prodígios, porém explicar sua verdadeira missão era uma tarefa complicada, pois se nem um Doutor da Lei percebia a extensão do ensinamento do Cristo, os homens comuns teriam muita dificuldade em compreender o verdadeiro sentido da vida futura ou reencarnação.

Cairbar Schutel desenvolve uma reflexão sobre “Os Ensinos de Jesus” para entendermos melhor o possível desdobramento da conversa entre Nicodemos e o Cristo, escrevendo:

O que faltava, pois, a Nicodemos para se tornar cristão, para seguir a Jesus? Desde que ele acreditava nos fatos, nos fenômenos, como os chamamos hoje; desde que achava que esses fatos eram autorizados por Deus, não os atribuindo à origem diabólica, por que não se apresentou logo como um dos discípulos do Nazareno? Isto quer dizer que não basta crer nos milagres, nos fatos, nas curas que assinalam, por certa forma, o Cristianismo, para sermos cristãos. Precisamos também crer na palavra, na doutrina que Jesus pregava. 2

Ao longo de todo mandato mediúnico de Chico Xavier, Emmanuel nos apresentou mensagens escolhidas oportunamente, que foram reunidas em várias obras pela FEB e intituladas por “O Evangelho Segundo Emmanuel”, onde encontramos uma passagem do Apóstolo João, quando comentou:

“A palavra de Jesus a Nicodemos foi suficientemente clara. Desviá-la para interpretações descabidas pode ser compreensível no sacerdócio organizado, atento às injunções da luta humana, mas nunca nos espíritos amantes da verdade legítima. A reencarnação é lei universal.” 3

Não podemos ter dúvida que a interpretação das palavras do Mestre poderia variar de acordo com o momento histórico e a cultura dos indivíduos.

Allan Kardec percebe que existia uma dificuldade ou limitação muito grande das pessoas alcançarem o verdadeiro sentido das palavras de Jesus quando ele tentava falar sobre vida eterna e imortalidade da alma, até mesmo com os apóstolos. Dessa forma procura melhor organizar nosso pensamento destacando a seguinte passagem bíblica:

“Falo-lhes por parábolas, porque não estão em condições de compreender certas coisas. Eles veem, olham, ouvem, mas não entendem. Fora, pois, inútil tudo dizer-lhes, por enquanto. Digo-o, porém, a vós, porque dado vos foi compreender estes mistérios. Procedia, portanto, com o povo, como se faz com crianças cujas ideias ainda se não desenvolveram.” (Mateus 13:11-16) 4

Jesus sabia que nem todos teriam o alcance espiritual para perceber o verdadeiro sentido das suas palavras e dessa forma procurou deixar parábolas com histórias de profundo senso de ordem moral. As pessoas não entenderiam inicialmente as parábolas, mas com o tempo perceberiam a mensagem oculta nas histórias, um duplo sentido que com o tempo se revelaria. O conhecimento da verdade é o primeiro grande passo para nossa transformação, já a compreensão implica em um amadurecimento do senso moral da Humanidade.

 

Bibliografia:

1) Xavier, Francisco Cândido; Boa Nova (1940); Cap. 14 - A lição a Nicodemos; FEB.

2) Schutel, Cairbar; Parábolas e Ensinos de Jesus (1928); Colóquio de Jesus com Nicodemos; Ed. O Clarim.

3) Xavier, Francisco Cândido; O Evangelho Segundo Emmanuel (2015); Comentários ao Evangelho Segundo João 3:7; Ed. FEB.

4) Kardec, Allan; O Evangelho Segundo o Espiritismo; Cap.: XXIV -Por que fala Jesus por parábolas - item 4; Ed. FEB.

5) FEB-tv (Orientações de Jesus a Nicodemos)
 

 
 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita