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por Mário Frigéri

 

A noite escura da alma


Em poesia, há caminhos que só podem ser trilhados com os olhos fechados e o coração desperto. São veredas interiores que nos chamam para além do tempo, onde o eco do próprio ser vibra suavemente, convidando-nos ao reencontro com a essência divina que habita em nós. Quem ousa atravessá-las precisa desapegar-se das certezas humanas e mergulhar na noite dos sentidos, de que falava São João da Cruz, onde as estrelas não se veem com os olhos, mas se reconhecem na luz secreta da alma.

O poema que apresentamos a seguir, inspirado no livro Luz no Caminho, de Mabel Collins, é uma dessas travessias. Nele, cada verso é um passo na escada invisível que liga o humano ao eterno e o transitório ao absoluto. Aqui, o leitor não é mero espectador: é chamado a aspirar ao silêncio, a vencer as feras interiores, a diluir as sombras do ego para tornar-se receptáculo da Voz sem som. Quem lê, sente-se convidado a escutar o próprio destino.

Como todo rito de iniciação, a caminhada exige renúncia e coragem. É preciso aprender a não chorar, não por dureza, mas por transcendência; calar para ouvir o Verbo; amar para ascender; doar-se para ser. Em cada imagem, o poema convida o aspirante a erguer-se sobre si mesmo, a libertar-se da prisão da matéria e a expandir-se na vertical infinita da consciência.

E, ao final, quando a alma compreende que tudo o que buscava podia ser encontrado dentro de si, o horizonte se desfaz: não há mais separação entre o que vê e o que é. Quem atravessa os Portais Divinos descobre que não se trata de chegar a um lugar, mas de tornar-se o próprio caminho. É nesse ponto que o poema toca o nirvana mental  e, se o leitor permitir, a sua leitura será também um ato de transformação.

 

ANTE OS PORTAIS DIVINOS

 

Na caminhada para o alvorecer

A Alma humana anseia despertar,

Mas antes que seus olhos possam Ver,

Têm de ser incapazes de chorar.

 

E não chorar não é dureza insana

De um pétreo coração, frio, desamante:

É haver vencido a natureza humana,

Que o jogo das paixões torna inconstante.

 

Até que o Iniciante possa Ouvir,

Tem de perder a sensibilidade,

Fechar-se ao mundo externo e então se abrir

À Voz de Deus, sem som, na internidade.

 

Se insensível tornar-se ao ruído

Do “eu” inferior, por certo vence-o:

Não mais o afeta o som que afeta o ouvido,

E adentra a soledade do Silêncio.

 

Até que sua voz possa Falar

Na presença divina do Senhor,

Tem de ser incapaz de magoar

A seu irmão, segundo a Lei do Amor.

 

Os Grandes Seres doam o coração

E querem o Aspirante agindo assim:

Não só não magoar, mas, como irmão,

Soerguer, amar, prover, doar-se enfim.

 

E para coroar seus dons sagrados

E assim, um dia, Erguer-se ante Jesus,

O Ser tem de lavar os pés cansados

No sangue de seu coração em luz.

 

Lavar os pés no sangue  isto é, o princípio

Criador do ser humano  é alforriar-se

Da Humanidade, de que era mancípio,

E aos Páramos de Luz em luz alar-se.

 

Ver, pois, OuvirFalar e, após, se Erguer

Ante o Senhor, com a Alma feita em luz:

Eis as etapas que há de percorrer

O verdadeiro Postulante à cruz.

 

É a “noite dos sentidos”...  bênção ou trauma

Do Ser que imerge em si e se encarcera,

Em confronto com as feras de sua Alma...

Não raro  dizem os mestres vence a fera.

 

Sejamos claro: feras do egoísmo,

Do orgulho, da ambição, da falsidade...

A lista é imensa... e “abismo chama abismo”,

Como bondade sempre atrai bondade.

 

Mas se triunfar a fé, potente e cálida,

Sobre os demônios em fatal vendeta,

A lagarta transforma-se em crisálida

E a crisálida, enfim, em borboleta...

 

Nenhum Mentor lhe poderá valer

Nos rudes passos iniciais, tristonhos:

Ante os Portais, porém, praz-lhe entrever

A túnica inconsútil de seus sonhos...

 

Não viver no presente ou no futuro

Ou no passado  só viver no Eterno.

Esta é a senda perfeita  o mais seguro,

Mais glorioso caminho, mais interno.

 

Entrai, pois, no Silêncio... a mais bendita

Fonte de Paz e Força onipotente,

Onde a Alma sabe que o que é seu gravita

Ao seu encontro, inexoravelmente.

 

Estas são Chaves de Iniciação

Que vêm de arcanos imemoriais,

E aquele que as viver no coração,

Não morrerá  disse Jesus  jamais!


Mário Frigéri é poeta, escritor, autor e youtuber com a mente e o coração voltados para o esplendor do Evangelho e da Doutrina Espírita. Campinas-SP.


 

 

     
     

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 Revista Semanal de Divulgação Espírita