Resumo
Alardeamos que o mundo precisa mudar com urgência. O
raciocínio deveria ser inverso. O homem deve melhorar e
se tornar o agente transformador das mudanças que
precisam ser feitas. Este texto pretende analisar alguns
aspectos relacionados com fenômenos atmosféricos,
espertezas e desonestidades. Ao mesmo tempo, mostrará
que, paralelamente à existência de espíritos empolgados
com a matéria, é possível encontrar pessoas
maravilhosas, inteiramente devotadas ao próximo.
Sabedoria ou esperteza?
Num dia quente de verão, durante a grande depressão
americana (1929-1945), um homem chamado Starbuck chegou
a uma fazenda de gado do Texas. A seca devastadora
estava deteriorando as lavouras e as criações de gado. O
forasteiro prometeu trazer chuva para salvar a
agricultura e os animais, mediante o pagamento de cem
dólares. Os desesperados fazendeiros aceitaram
imediatamente a proposta.
Starbuck usou sua parafernália de objetos e máquinas
esquisitas, acompanhada de estranhos rituais. E a chuva
veio, com abundância, salvando a região de um desastre
maior. Qual era o segredo? O homem era um feiticeiro,
com poderes extraordinários, ou um farsante?
A verdade é que a população da cidade, diante da água
abundante que caiu depois das suas misteriosas manobras,
não tinha por que reclamar, considerando que o objetivo
contratado havia sido cumprido. O homem recolheu o
dinheiro arrecadado e foi para as cidades seguintes.
Muito tempo mais tarde descobriu-se que o esperto senhor
nada mais era do que um leitor bem informado que lia as
previsões do tempo das capitais próximas. Quando havia
algum presságio de chuva para alguma região seca, ele
juntava seus apetrechos e ia fazer a encenação que
rendia o dinheiro que lhe era entregue de bom grado.
Lágrimas do céu
O texto acima é a sinopse, resumida, do filme
estadunidense The Rainmaker (Lágrimas do céu), de
1956, dos gêneros comédia e romance, baseado em fatos
ocorridos com Charles Mallory Hatfield, o mais famoso criador
de chuvas de todos os tempos, que se movia na linha
tênue que separava a ciência da fraude, motivado pela
possibilidade de ganhar dinheiro fácil. “Fazer
chuva e ganhar dinheiro”.
Este era o lema de Hatfield.
Ele prestou os seus serviços durante algum tempo,
mas, durante a Grande Depressão, que assolou os Estados
Unidos — e também o Canadá e muitos países europeus —,
teve que voltar a vender máquinas de costura, sua antiga
atividade profissional. Muitos especialistas entendem
que Hatfield foi uma fraude como criador de chuvas, mas
excelente meteorologista, que estudava a atmosfera da
Terra, seus fenômenos naturais e as variações
climáticas.
Vigaristas
A história do planeta Terra está repleta de homens como
Starbuck e Hatfield, vigaristas que lesam e ludibriam
outras pessoas, com o objetivo de obter para si algum
tipo de vantagem. O crime do estelionato consiste em
obter para si ou para outrem vantagem ilícita, induzindo
ou mantendo alguém em erro, através de meio fraudulento.
Sua proliferação depende de cada país onde,
eventualmente, as leis são frouxas ou há muita
impunidade. Essa situação pode representar verdadeiro
estímulo aos trapaceiros, a ponto de causar insegurança
e revolta em cidadãos honestos. Quando isso acontece,
pessoas de bem se levantam e procuram alertar
autoridades e componentes da sociedade honesta. Assim
como fez o grande jurista e político brasileiro Rui
Barbosa, ao discursar, em 1914, perante o Senado
Federal:
De tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver
prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça.
De tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos
maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se
da honra e a ter vergonha de ser honesto.
O mundo está perdido?
Diante das injustiças e sofrimentos, em contraponto à
virtude, à honra e à honestidade, poderíamos
racionalizar, argumentando que são efeitos de nossas
atitudes pretéritas, que eclodem nos tempos atuais, não
como doenças, mas como remédios. Todavia, cruzar os
braços resignadamente, conformando-nos com os desmandos
que ainda grassam soltos pelo mundo, não é a melhor
decisão.
Uma das acusações que se faz ao Espiritismo é a de levar
o homem ao conformismo. Ensina-nos o eminente filósofo,
escritor e tradutor brasileiro professor Herculano Pires1:
Muitos confundem a resignação espírita com o conformismo
religioso. Quando o espírita se resigna, não está se
submetendo pelo medo, mas apenas aceitando uma realidade
à qual terá de sujeitar, exatamente para superá-la, para
vencê-la. Não é, pois, o conformismo que se manifesta
nessa resignação, mas a inteligente compreensão de que a
vida é um processo em desenvolvimento, dentro do qual o
homem tem de se equilibrar.
Existe uma diferença muito grande entre resignação e
aceitação. Enquanto a primeira é ativa e consciente, a
outra é passiva e inconsciente. O que o Espiritismo nos
propõe, diante dos atuais desregramentos do planeta, é
aceitar as realidades, a fim de vencê-las. Não se trata
aqui de conformismo, e sim de luta incessante, dia e
noite, para superar o mundo e superar-se a si mesmo.
Reclamamos muito dos erros e injustiças disseminados na
sociedade e saímos alardeando que o mundo precisa mudar,
com urgência. O raciocínio deveria ser inverso. O homem
deve melhorar e se tornar o agente transformador das
mudanças que precisam ser feitas.
Parafraseando o professor Herculano Pires, poderíamos
dizer que, para termos um mundo novo, precisaremos de
um homem novo. O mundo está cheio de erros e
injustiças porque ele é a soma dos erros e injustiças do
homem. Enquanto o homem não evoluir, o mundo não vai se
transformar. De nada adiantam as modificações
artificiais, pois precisamos insistir na mudança
essencial de nós mesmos.
O instrumento para que isso aconteça foi anunciado no
extraordinário trabalho realizado por Paulo, o apóstolo,
que descortinou para o mundo a universalidade da
mensagem cristã, libertando-a da limitada concepção de
que era mais uma religião destinada a um grupo de
judeus.
Nossa luta, afirmava Paulo, é o bom combate: despertar
as consciências e libertar o homem do egoísmo, da
vaidade e da ganância.
Neurônio-espelho
As sábias palavras do professor Herculano Pires, ao
afirmar que para termos um mundo novo, precisaremos
de um homem novo, poderão parecer, ao pragmático
leitor, ensaio filosófico, de teor teórico e de pouca
aplicabilidade.
Necessário considerar uma das descobertas mais
importantes da neurociência na última década: o
neurônio-espelho. Ele está ligado à visão e ao movimento
e permite o aprendizado por imitação, pois é acionado
quando se torna necessário observar ou reproduzir o
comportamento de seres da mesma espécie. Acredita-se que
ele seja a base das habilidades sociais dos primatas.
Segundo o jovem neurocientista Stevens Rehen, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro, chamado
carinhosamente pelos colegas de Bitty,
considerado um dos brasileiros mais influentes, que está
moldando positivamente o futuro do país, um
neurônio-espelho pode ser usado para analisar cenas ou
intenções de outros indivíduos.
Ele foi descrito inicialmente em macacos, por
pesquisadores da Universidade de Parma, na Itália, em
2004.
— Técnicas de neuroimagem sugerem a existência de
células com as mesmas características no cérebro de
humanos, diz Rehen.
O estudo das propriedades dessas células tem ajudado a
entender a origem de alguns distúrbios neurológicos. O
autismo, por exemplo, poderia resultar de disfunções dos
neurônios-espelho.
Como mudar o mundo
Como influenciar os outros e o mundo? Dependeremos de um
líder ou um messias com a consciência maior para nos
mostrar o caminho? Não necessariamente.
Embora pareça, à primeira vista, que as palavras do
professor Herculano Pires soem vãs e que as estruturas e
paradigmas estejam entrando em colapso, não devemos
considerar as mudanças a serem feitas com medo, raiva ou
tristeza. Por várias vezes ele afirmou que as mudanças
urgentes virão, gradativamente, e não de forma
apressada.
O pensamento universal do professor Herculano acaba de
ser corroborado pelo neurocientista, pesquisador e
palestrante internacional, nascido na Califórnia,
Estados Unidos, Doutor Joe Dispenza2, quando
este afirma, peremptoriamente, que para defender a
justiça e a paz, você tem primeiro que encontrar a paz
dentro de si. Depois deve demonstrar paz aos outros, o
que significa que não pode defender a paz ou estar em
paz enquanto estiver em guerra com o vizinho, odiando o
colega de trabalho ou julgando seu chefe.
(O presente artigo será concluído
na próxima edição.)