S.W. possuía na
época cerca de
quinze anos, era
de família
protestante e
possuía diversos
casos de
familiares com
alterações
psicopatológicas
(avô paterno,
tio-avô, avó e
irmãs, por
exemplo), mas
que, ao mesmo
tempo, sugeriam
visões,
profecias e
sonambulismo.
Era franzina,
raquítica, com
rosto pálido e
nunca
apresentara
doenças graves.
Seu desempenho
na escola era
medíocre, seu
comportamento
desatento e
pouco
interessado,
reservado quase
sempre, mas com
reações isoladas
de euforia. Não
gostava de
leitura e
música,
preferindo
trabalhos
manuais ou
“sonhar”. Errava
ao ler, o que
fazia com que os
irmãos zombassem
dela. Seus
conhecimentos
literários eram
reduzidos
(alguns poemas
de Schiller,
Goethe, salmos,
novelas baratas
e revistas). A
família de S.W.
era composta de
trabalhadores
braçais e
comerciantes
“com interesses
limitados” e sua
mãe é descrita
pelo autor do
artigo como
“inconseqüente,
vulgar e às
vezes brutal”.
Em julho de 1899
ela participou
de algumas
reuniões de mesa
falante com
amigos e irmãos,
quando se
descobriu que
era médium. A
partir daí e
durante um ano
apresentou uma
fenomenologia
variada, que
sintetizaremos
rapidamente, e
após o
entusiasmo
inicial dos
participantes da
reunião, foi
caindo em
descrédito,
tendo sido
flagrada
carregando
pequenos objetos
no corpete para
simular
fenômenos de
“apport”. Após
estes eventos
ela parou de
freqüentar
sessões
espíritas e
tornou-se
funcionária de
uma casa
comercial,
tornando-se
“mais quieta,
comedida e
simpática” e
trabalhando com
zelo e
capacidade.
Estas últimas
informações,
Jung obteve de
oitiva. Em uma
leitura atenta
do relato,
observa-se um
certo menosprezo
que o autor
possui pela
médium e até
mesmo sua
família. Nota-se
claramente a
influência de
autores como
Flournoy, Binet
e Janet que
buscaram, cada
um de forma
própria,
caracterizar os
fenômenos
espíritas como
manifestações
psicopatológicas.
2. Fenômenos com
S.W. que sugerem
a existência de
mediunidade
Certos fenômenos
descritos por
Jung sugerem que
S.W. realmente
possuísse alguma
faculdade
mediúnica. Em
suas primeiras
sessões ela
conseguia fazer
com que um copo
emborcado se
movimentasse e,
com o auxílio de
letras
recortadas e
dispostas ao seu
redor,
produzisse
mensagens
inteiras,
algumas em ordem
direta e outras
ditadas ao
contrário,
“produzidas de
forma tão rápida
que só era
possível captar
seu conteúdo
posteriormente,
ao inverter as
letras” (JUNG,
1993. p. 37)
Inicialmente,
também, ela
obtivera
comunicações do
avô, que ela não
conhecera
pessoalmente, e
cujo conteúdo
impressionara os
freqüentadores e
sua própria
família. Uma das
entidades
manifestantes (Ulrich
von Gerbenstein)
comunicava-se em
um alemão quase
impecável, com
sotaque do Norte
da Alemanha (p.
42),
distintamente ao
modo de falar da
suposta médium.
Jung tenta
explicar este
fenômeno como
uma “cópia
perfeita do
senhor P.R.”,
que era um
membro da
reunião (JUNG,
1993. p. 42).
A autora
apresentava
“amnésia” (ou
desconhecimento?)
com relação ao
produto dos
fenômenos
automáticos
ocorridos
durante o
êxtase. Embora
não se possa
concluir pela
tese da
mediunidade
apenas com este
fenômeno,
associado aos
demais ele é bem
sugestivo.
Finalmente,
ocorreram
fenômenos que
Allan Kardec
denominava
“mesas
girantes”. “As
últimas sessões
começavam em
geral com a
colocação de
nossas mãos
juntas sobre a
mesa que
imediatamente
começava a
movimentar-se”
(JUNG, 1993. p.
43).
3. Fenômenos
psicológicos e
psicopatológicos
de S.W.
Muitos foram os
fenômenos que,
entrelaçados aos
mediúnicos,
sugerem a ação
do psiquismo e
do inconsciente
de S.W.
Selecionamos
alguns que nos
fornecem base
para algumas
considerações.
Uma primeira
situação diz
respeito às
características
do tom de voz de
S.W., que
indicam que a
médium se sentia
na obrigação de
apresentar uma
voz para cada
entidade que se
apresentava. “O
tom de voz tinha
um quê de
artificial e
forçado que só
foi assumindo
naturalidade à
medida que se
aproximava, no
decorrer da
conversa, da voz
do médium (em
sessões
posteriores a
voz só se
alterava por
alguns momentos,
quando se
manifestava novo
espírito).”
(JUNG, 1993. p.
38)
S.W. leu o livro
“A vidente de
Prevorst”,
clássico do
magnetismo
alemão escrito
pelo Dr.
Justinus Kerner,
que trata dos
fenômenos
mediúnicos e
doenças de
Frederica Hauffe.
Desde então,
incorporou à sua
prática alguns
elementos
(alguns deles
bem esquisitos)
que se achavam
registrados (autopasses
em forma de
oito, afirmou-se
a reencarnação
de Frau Hauffe,
alegou que sua
missão era
ensinar e
melhorar os
espíritos negros
que são banidos
de determinados
lugares ou que
se encontram sob
a superfície da
Terra (assim
como a vidente,
entre outros).
Tendo notícias
de Florence Cook
(médium inglesa)
e William
Crookes
(pesquisador
inglês), passou
a chamá-los de
irmãos.
Apresentava
reações
emocionais
exageradas às
comunicações
mediúnicas, o
que não seria de
estranhar em um
adolescente, mas
que Jung
considera como
certa labilidade
emocional e,
portanto, um
traço histérico.
“Eu disse aos
espíritos que
não queria, que
não podia ser,
que isto me
cansava muito
(começou a
chorar): Ó Deus,
será que tudo
tem que
recomeçar como
da última vez?
Não serei
poupada em
nada?” (JUNG,
1993. p. 39)
Muitas
comunicações
apresentavam
informações
grotescas,
fantasiosas e às
vezes
incorretas, como
a materialização
da médium no
Japão para
impedir um
casamento, uma
declaração de
amor de um
suposto irmão de
um dos
participantes da
reunião para uma
participante que
não o houvera
conhecido em
vida, o
cotidiano dos
habitantes de
Marte, a mudança
de teor de
comunicações que
eram
desaprovadas
pelo grupo, os
relatos de
encarnações
passadas (amante
de Goethe,
Frederica
Hauffe, dama da
nobreza queimada
como bruxa,
mártir cristã,
judia que
recebera de um
anjo a missão de
ser médium)
envolvendo quase
todos os seus
parentes e os
membros do grupo
em relações
familiares.
Como os membros
do grupo
discutiam
filosofia (Kant)
e ela ficasse à
parte nas
conversas,
produziu um
improvável e
confuso sistema
místico composto
de todas as
forças
existentes no
universo,
ordenadas em
sete círculos.
Não passou
despercebido ao
Dr. Jung que sua
memória com
relação aos
fenômenos
diretamente
ligados ao Eu
(falar em voz
alta ou
glossolalia, por
exemplo) era
perfeita, ao
contrário da
amnésia dos
fenômenos
automáticos.
4. O diagnóstico
de S.W. e as
explicações dos
fenômenos
Jung a
diagnosticou
como histérica,
com base nas
anestesias, na
leitura
incorreta sem
posterior
reparo, nas
substituições
automáticas de
associações e no
que ele
considera a
“divisão
histérica da
consciência”,
que, segundo
ele, não chega a
ameaçar a
estrutura do Eu.
As situações em
que S.W.
alterava seu
estado de
consciência
foram
compreendidas
como
“semi-sonambulismo”
que Jung
considera como
sendo a
atividade de uma
subconsciência
independente da
consciência de
si mesmo.
Identifica-se aí
uma antecipação
do que iria se
constituir na
teoria dos
complexos e dos
arquétipos.
“Visto sob este
ângulo, todo o
ser de Ivenes
(1),
juntamente com
sua enorme
família, nada
mais é do que um
sonho de
realização de
desejos sexuais
que se distingue
do sonho de uma
noite pelo fato
de prolongar-se
por meses e
anos.” (JUNG,
1993. p. 79)
Os fenômenos de
mesa girante são
explicados como
o resultado de
puxões ou
empurrões
automáticos da
médium
(descartada a
hipótese de
simulação), o
que não explica
satisfatoriamente
a produção de
mensagens com
conteúdo e muito
menos os
fenômenos de
copo descritos
acima. A escrita
automática de
S.W. é
compreendida
como um sintoma
da síntese de
uma
personalidade
inconsciente, o
que nos parece
uma explicação
parcial, mas não
há descrição de
conteúdos de
mensagens no
artigo que nos
permita indicar
a presença de
informações
corretas a que a
médium não
tivesse tido
acesso.
As visões de
S.W. são
consideradas
como alucinações
e seriam fruto
de hipnose,
facilitada pelos
fenômenos
entópicos da
escuridão. As
mudanças de
caráter são
relacionadas às
mudanças da
puberdade, mas
caracterizariam
um distúrbio
específico.
Assim, Jung vai
associando o avô
de S.W. à sua
educação na
infância, os
gracejos de
Ulrich von
Geberstein ao
seu humor
adolescente, e a
sobriedade de
Ivenes à
manifestação da
futura
personalidade da
jovem, que não
se incorporara
ao Eu devido a
dificuldades
especiais, como
o relacionamento
exterior
desfavorável e
uma certa
disposição
psicopática do
sistema nervoso
(?). (JUNG,
1993. p. 79) Com
sua análise
fundamentada em
bons psicólogos
e psiquiatras de
sua época, o Dr.
Jung vai
colocando à
parte no seu
trabalho a
possibilidade de
existirem
médiuns e de
estes realmente
se comunicarem
com os espíritos
das pessoas que
morreram.
Mediunidade vai
sendo reduzida a
mera
psicopatologia,
assim como
Charcot fizera
com o
hipnotismo.
5. Discussão do
caso e da
análise de Jung
Não discutiremos
nesta breve
comunicação a
existência da
mediunidade mas
a tomaremos como
pressuposto para
a discussão
deste caso.
Considerando
S.W. como
possuidora de
faculdades
mediúnicas,
vê-se claramente
que na sua
prática se
encontra também
a manifestação
de sua patologia
e de seu
inconsciente.
Jung se ateve à
análise destes
dois últimos
pontos com
ardor,
apresentando o
que o movimento
espírita de hoje
denominaria como
“componente
anímico da
mediunidade”.
Um dos pontos
importantes das
considerações
deste psiquiatra
diz respeito à
construção da
identidade de
médium de S.W.
Adolescente, com
problemas
familiares e
sociais,
passando pela
crise que
Erikson (1976)
denominaria de
identidade
versus confusão
de identidade,
agravada por
traços
histéricos; a
experiência de
ser considerada
médium e, de
certa forma,
admirada por
isso pelos seus
parentes e
conhecidos, é
extremamente
gratificante
para S.W. Ela
parece ter se
agarrado com
“unhas e dentes”
nessa
possibilidade de
reconstrução de
sua identidade e
não mediu
esforços para
absorver à sua
prática alguns
comportamentos
apresentados por
médiuns tidas
como importantes
(como Frederica
Hauffe). O
processo de
identificação
social é de tal
forma patente,
que S.W. se
apresenta como a
reencarnação da
Sra. Hauffe.
Este fenômeno é
notado em
reuniões
mediúnicas dos
dias de hoje, em
menor escala, já
que em grande
número de casos
não existe o
componente
psicopatológico.
Merece ser
melhor
analisado, já
que, como
mostrou Jung,
interfere
claramente no
conteúdo das
comunicações com
base em
mediunidade
intuitiva e suas
variantes. A
médium com
traços
histéricos
fantasiava,
tendo por tema o
seu drama
íntimo, que se
encadeava,
muitas vezes de
forma a alterar
substancialmente
o conteúdo das
mensagens. A
necessidade de
ser reconhecida,
aceita e amada
como médium,
entre outros
elementos, a
colocou na
situação de
fraude. O desejo
de ser
respeitada
levou-a a criar
teorias
esdrúxulas,
cujos pontos de
contato com seu
próprio
psiquismo não
passaram
despercebidos ao
observador.
As comunicações
da entidade
chamada Ivenes
merecem uma
atenção
especial. Para a
teoria junguiana,
ela é uma
espécie de base
para algumas de
suas idéias
centrais, como o
processo de
individuação, os
arquétipos, a
função
transcendente, a
teleologia do
inconsciente,
etc. É mais
difícil de
aceitar que uma
adolescente
histérica, que
representava a
fantasia de ser
médium, seja
capaz de criar
uma personagem
que se encaixa
na descrição
abaixo, que crer
na mediunidade.
“Ao falar com
ela, tinha-se a
impressão de
estar falando
com uma pessoa
bem mais velha
que chegou a uma
atitude segura e
equilibrada por
causa de muitas
experiências na
vida.” (JUNG,
1993. p. 36)
O estudo do Dr.
Jung abriu duas
grandes frentes
de trabalho no
início do
século: a
primeira, para o
meio acadêmico,
sugere a
necessidade de
melhores estudos
com os fenômenos
mediúnicos e sua
análise
comparativa aos
estudos
patológicos e
psicopatológicos.
A segunda, para
o movimento
espírita, sugere
o aprofundamento
teórico e
prático na
compreensão dos
fenômenos
chamados
anímicos e suas
implicações na
mediunidade.
Passados quase
cem anos, estas
propostas
continuam atuais
e relevantes.
(1)
Ivenes é o nome
de uma das
entidades que se
apresentava por
S.W.
Bibliografia:
DENIS, Léon. No
invisível. Rio
de Janeiro: FEB,
1981. [traduzido
por Leopoldo
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ERIKSON, Erik.
Identidade,
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Elie G. Jung.
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[traduzido por
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Estudos
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Petrópolis-RJ:
Vozes, 1994.
__ Fundamentos
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Petrópolis-RJ:
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A vidente de
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MIRANDA,
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Rio de Janeiro:
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