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Ano 3 - N° 139 - 3 de Janeiro de 2010

ABEL SIDNEY
abelsidney@gmail.com
Porto Velho, Rondônia (Brasil)


Suicídio:
conhecer para prevenir
 

(Parte 1) 

Problemas, decepções, sofrimentos e a imaginação da morte como fim de tudo são fatores que levam muitas pessoas a desejar colocar um fim à sua própria existência. Compreender a imortalidade da alma e a reencarnação como leis naturais oferece um novo entendimento da vida, demonstrando que o suicídio não resolve coisa alguma


Não é fácil lidar com essa questão. O suicídio é um assunto que costuma despertar emoções diversas, como medo e raiva. Suscita também uma série de ideias preconcebidas, que se transformam em preconceito e discriminação, atingindo tanto a família do suicida, quanto sua memória.

Em parte, isso se deve ao fato deste tema ser considerado tabu. Outras razões, principalmente de natureza religiosa, se somam, trazendo muito desconforto moral aos que ficam (familiares e amigos do suicida).

Antes de tudo, é importante considerar o suicídio como um fato que faz parte da nossa realidade planetária, exigindo de nós sensibilidade e razão para melhor lidarmos com suas ocorrências e suas repercussões.

Daí a urgência em aprendermos a lidar melhor com as tantas facetas da morte, para minorarmos em nós mesmos e nos outros os sofrimentos decorrentes de atos extremos, como a eliminação da própria vida física. Isso porque a morte, como mudança de estado da individualidade imortal, coloca a esperança como sentimento primeiro e fundamental, mesmo diante das maiores dores. 

A necessária educação para a morte 

Todo aluno do ensino fundamental aprende que os seres vivos nascem, crescem, reproduzem-se e morrem. Este último item, contudo, não tem merecido a devida atenção dos professores - isso apenas para falarmos da escola, um dos espaços de convivência e aprendizado importantes, no decorrer do nosso desenvolvimento pessoal.

Conforme aponta Maria do Socorro Nascimento de Melo, antropóloga e pedagoga, especialista em tanatologia no meio escolar, a morte “permanece oculta na prática pedagógica das instituições educacionais”. A mesma autora nos diz que, a partir da década de 1950, tivemos uma inversão nas curvas de interesse: a da vida e da morte. Busca-se “iniciar a criança cada vez mais cedo nos ‘mistérios da vida’: mecanismos do sexo, concepção, nascimento e métodos contraceptivos”, enquanto que “sistematicamente escondem dela a morte e os mortos, silenciando-se diante das suas interrogações e questionamentos”. Isso revela uma inabilidade dos educadores para tratar de tais questões, uma tendência a fugir de olhá-las frente a frente.

Seja na escola, em casa ou em outros ambientes, não se vivenciam experiências significativas em torno do tema ‘morte’. 

Da negação ao medo 

Os poucos livros que tratam da morte (fato real) e do morrer (como se deu o acontecimento) não invalidam o que dissemos acima, o que torna a discussão em torno do tema (ver quadro abaixo) ainda muito restrita e, ao mesmo tempo, necessária. 

 
Debate em torno da morte
 

Fala-se de “psicologia da morte” e de “educação para a morte”, como novas maneiras de encarar, como dizem os estudiosos, a morte e o morrer. 

O ramo da ciência que tem cuidado destes estudos é a tanatologia que, para alguns autores, é a ciência que estuda os processos emocionais e psicológicos que envolvem as reações à perda, ao luto e à morte. 

Alguns autores no Brasil têm se destacado no estudo tanatológico, entre outros: Evaldo D´Assumpção, Wilma da Costa Torres, Roosevelt Moises Smeke Cassorla e Maria Júlia Kóvacs. 

A visão espírita também se faz presente no trabalho organizado por Franklin Santana Santos e Dora Incontri, ambos professores da USP e integrantes do movimento espírita. Além de coordenarem um curso de tanatologia, eles organizaram a obra A arte de morrer: visões plurais, publicada pela Ed. Comenius.

 


As consequências do alheamento diante desse fato natural vão desde a negação face às ocorrências (o falecimento de alguém) até o pavor extremo, que causa depressões, síndromes, como a do pânico, e outros tipos de transtornos psicológicos.

Roosevelt Cassorla, especialista em tanatologia e autor da obra Do suicídio: estudos brasileiros, aprofunda o debate, mostrando-nos que a negação da morte pode conduzir a “processos melancólicos, somatizações, dificuldades em retomar a vida, risco suicida, desistência da vida, sentimentos de culpa etc.”.

O enfrentamento de sua ocorrência com alguém próximo ou distante, mas que de alguma forma nos afete, faz parte do processo de luto, que, em condições normais, deveria conduzir-nos à aceitação tanto da morte, quanto do morrer.

Luto, do latim luctus, significava originalmente apenas “dor, mágoa, lástima”. Com o tempo seu significado foi se ampliando, e hoje temos a definição do Houaiss como sendo o “sentimento de tristeza profunda por motivo da morte de alguém” ou “originado por outras causas (separação, partida, rompimento etc.); amargura, desgosto”.

Um termo relacionado ao luto é a perda, pois sempre que há uma perda significativa em nossas vidas, seja de uma pessoa ou de uma condição ou sentimento (emprego, uma alteração corporal, mudança nas condições de vida, abandono etc.), nós, naturalmente, entramos em processo de luto.

Em geral, não é fácil lidar com as perdas e o luto se torna complicado, pois estaremos às voltas com as nossas próprias reações, sobre as quais, eventualmente, não temos controle. E quando esta perda se dá por morte causada pelo suicídio, o luto se tornará ainda mais difícil.

O suicídio, segundo os psicólogos Basílio Domingos e Maria Regina Maluf, compõe a lista das perdas dramáticas, ao lado, dentre outras causas, da AIDS. Por serem perdas “não autorizadas socialmente”, isto é, situações em que a pessoa morre em razão de um suposto comportamento inaceitável para o grupo ao qual pertence, têm-se muitas vezes lutos também não autorizados. O sobrevivente se isola e perdem-se, assim, os benefícios do processo catártico do desabafo, do refazimento e de todo apoio que se poderia receber, seja dos amigos, dos parentes, seja de outras instituições, públicas e privadas. Por exemplo, as seguradoras não costumam pagar à família o prêmio, em caso de morte por suicídio. 


Quando desabafar é a melhor saída

Segundo a coordenadora do Programa de Intervenção em Crise e Prevenção do Suicídio, do Instituto de Psicologia da UnB, Cristina Moura, “o desabafo diminui o impacto traumático causado pelo falecimento do próximo e ajuda o enlutado a superar a perda. O processo é chamado pelos especialistas de “elaboração do luto”. “Alguns têm a ideia de que luto é uma coisa que você senta, espera e ele passa, e, na verdade, não é assim que acontece”, explica. “O enlutado acha que o problema desaparece se não lembrar. Mas ele perde a oportunidade de falar no assunto e, assim, de elaborar o luto”, avalia. Algumas instituições mantêm grupos de apoio a enlutados, como a própria Universidade de Brasília: www. secom.unb.br/releases/rl0308-05.htm.
 

Recapitulando: a morte é um processo natural, mas que tem sido negado, o que tem trazido sérias consequências para a saúde pública. Os especialistas afirmam que a sociedade precisa, com urgência, re-humanizar o “morrer”, o que implicaria em se retomar antigos e bons hábitos como o de permitir que pacientes terminais morram no lar, ao lado da família, e fazer o velório em casa, de modo a se prantear o morto, elaborando-se mais facilmente o luto e oferecendo às crianças e jovens um saudável contato com esta inevitável ocorrência da vida!

O luto deveria ser vivenciado ao longo de suas fases, por possibilitar que as pessoas lidem emocionalmente com as angústias decorrentes da perda, ajudando nas cicatrizações das feridas da alma, tão necessárias para se seguir adiante, principalmente em ocorrências mais drásticas, como a do suicídio e das mortes violentas, em geral. 

O que leva uma pessoa a querer acabar com a própria vida? 

A depender do ponto de vista dos diversos especialistas no tema, muitos são os fatores componentes das causas que predispõem as pessoas ao suicídio.

Daniel Sampaio, psicólogo português, alerta-nos para a multiplicidade dos fatores afirmando que “há um conjunto de causas que leva ao comportamento de suicídio. (...) Nunca é por uma só causa, o suicídio é sempre multideterminado”.

Dentre esses fatores estão os transtornos mentais (depressão), os transtornos de personalidade (agressividade), as doenças incuráveis, o abuso de substâncias tóxicas, os problemas matrimoniais, as relações interpessoais complicadas ou rompidas e a perda de um ente querido. Alguns doentes mentais têm uma acentuada tendência suicida quando vivenciam crises mais agudas sem o devido acompanhamento e apoio.

Outro fator a destacar é a alteração na personalidade, principalmente em pessoas com baixo grau de maturidade e que estejam passando por frustrações, ou estejam submetidas a um elevado estresse.

A não-aceitação da própria identidade sexual, face aos conflitos de se lidar com a orientação sexual escolhida (homossexualidade e afins), tem causado muitos suicídios, principalmente em adolescentes.

Roosevelt Cassorla, por sua vez, aponta como fatores que induzem a pessoa ao suicídio: a depressão, o alcoolismo e a toxicomania. Outros fatores associados a estes são o isolamento social e a convivência familiar conturbada.

O mesmo autor, investigando o comportamento suicida entre médicos e estudantes de medicina, aponta as características deste grupo de risco, o que pode nos servir de alerta, tanto para a complexidade do tema quanto para os componentes morais, sociais e psicológicos envolvidos: “Trata-se de pessoas exigentes consigo mesmas, comumente com sucesso escolar, profissional ou científico. No entanto, têm dificuldades em lidar com as frustrações do mundo real, e quando se defrontam com elas inclinam-se a tomá-las como fracasso pessoal. Sua vida afetiva é pobre, difícil e desvalorizada frente à área intelectual. Em algum momento, quando as pessoas se defrontam com um vazio intenso, estimulado por supostos ‘fracassos’ dependentes de autoexigências sádicas, e sem apoio afetivo, o terror inconsciente de ‘não-existência’ os faz pensar em morrer”.

A partir da descrição acima, destacaremos outro fator: os condicionamentos sociais, isto é, as exigências feitas pelos grupos que afetam diretamente os indivíduos a eles vinculados. Destacamos o grave problema da competitividade, que tem se alastrado, e o consequente individualismo decorrente; temos ainda o apego das pessoas aos seus empregos, em um momento em que grande parte da identidade pessoal é determinada pela trajetória e êxito profissional. Não saber lidar com essas pressões pode ser fatal para as pessoas mais frágeis emocionalmente.

Até aqui, tratamos de casos em que a premeditação se apresenta de forma leve ou moderada, em meio aos desequilíbrios emocionais. No entanto, há também os casos em que se elimina a própria vida por razões filosóficas, por pensar que se é, não um simples depositário da vida, mas seu dono absoluto, o que resultaria no direito de dispor dela como bem desejar. Os adeptos e praticantes do “suicídio assistido”, permitido em alguns países, partilham destas ideias.

Há, ainda, os casos de indivíduos que, sentindo-se em situações-limites e sem ter para onde retornarem, optam pela solução extrema do autoextermínio. São os casos dos desenraizados, isto é, de pessoas que perdem as suas referências culturais, como os indígenas e os expatriados (imigrantes em terras estrangeiras).

(A conclusão deste artigo será publicada na próxima edição desta revista.)

 

ABEL SIDNEY é escritor e professor. Participa do movimento espírita em Porto Velho, RO. É autor de Lições de um suicida: um estudo do clássico Memórias de um Suicida e mantém na Internet o blog Suicídio: conhecer para prevenir: www.conhecerparaprevenir.blogspot.com/

Este artigo foi publicado originalmente na revista Universo Espírita, em outubro/2008.

 


 

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