O Bem e o Mal
(Parte 1)
Livrar-nos-emos
do mal
instruindo-nos e
praticando a
caridade cristã.
O estudo nos
permitirá
discernir o que
está em
concordância com
as leis de Deus
e o que não está
1.
INTRODUÇÃO
Desde as mais
remotas eras, o
ser humano
tem-se
questionado
sobre a
existência do
mal. Neste
pequeno estudo
procuraremos
expor as
diferentes
explicações
dadas à questão
do mal ao longo
da história,
mostrando que a
dificuldade do
ser humano em
entendê-la se
devia à falta de
um entendimento
prévio de como
havíamos sido
criados e do
porquê da vida,
entendimento
este que a
Doutrina
Espírita nos
veio oferecer.
2.
O MITO DE
ADÃO E EVA
Segundo o livro
bíblico da
Gênese, o casal
primevo habitava
o Jardim do
Éden, onde era
feliz e
despreocupado,
sendo atendido
em todas as suas
necessidades
pela providência
divina. Contudo,
diz o mito que
Deus havia
proibido a Adão
e a Eva que
comessem do
fruto da árvore
da ciência do
bem e do mal,
dizendo-lhes
que, se tal
fizessem,
morreriam (Gen
2:17). Ocorre
que, quando Adão
e Eva provaram
do fruto da
árvore da
ciência do bem e
do mal, eles não
foram mortos por
Deus no sentido
restrito do
verbo matar.
Eles foram, isto
sim, expulsos do
Éden e obrigados
a “comer do pão
com o suor de
seu rosto”.
A interpretação
do mito é clara
à luz do
Espiritismo,
conforme
expusemos em
nosso artigo
Adão e Eva,
publicado pela
Revista
Internacional de
Espiritismo, em
outubro de 2004.
As almas que
animavam os
humanoides
viviam a feliz
vida dos demais
seres do reino
animal,
convivendo com
eles na harmonia
da natureza,
cada espécie
evoluindo a seu
modo,
interagindo com
as demais e
desenvolvendo
sua inteligência
racional e
emocional.
Quando a
consciência
moral dessas
almas atingiu a
maturidade, elas
se tornaram
Espíritos,
ingressando no
reino hominal. O
que é a
maturidade da
consciência
moral senão a
ciência do bem e
do mal, o fruto
da árvore
proibida,
segundo o mito
do casal
primevo?
Tendo ingressado
no reino
hominal, as
almas,
transformadas em
Espíritos,
passaram a
sujeitar-se à
Lei da
Causalidade,
tornando-se
responsáveis
pelos seus atos.
A perda da
ingenuidade é
representada no
mito de Adão e
Eva pelo
condicionamento
da evolução à
necessidade do
trabalho, do
alimento obtido
“com o suor do
rosto”. A
evolução no
reino animal não
depende de
merecimento, uma
vez que as
espécies animais
não possuem a
consciência
moral madura. O
ser humano, no
entanto, é
responsável
pelos seus atos,
somente
evoluindo,
portanto, pelos
seus esforços de
aperfeiçoamento,
à luz da ciência
do bem e do mal
que adquiriu.
3.
O
MANIQUEÍSMO
O nome ‘“Maniqueísmo”
deriva do fato
de ter esta
religião sido
criada por um
filósofo de nome
Mani, que viveu
na Pérsia (hoje
Irã) no século
II e que dizia
tê-la recebido
de um anjo que o
havia visitado.
O
Maniqueísmo
foi uma das
principais
religiões da
região da Pérsia
antiga (hoje
Irã), possuindo
uma visão
dualística do
mundo, cujo
domínio, para
ela, estava em
eterna disputa
entre duas
forças opostas,
o bem e o mal.
Apesar de
extinto em sua
forma original
desde o século
XIII, o
maniqueísmo
ainda sobrevive
como religião em
pequena escala
sob o nome de
neo-maniqueísmo.
No entanto,
apesar de o
maniqueísmo,
enquanto
religião,
encontrar-se
hoje restrito a
pequenas
comunidades
espalhadas pelo
mundo, a visão
dualística da
realidade que
ele prega está
longe de ter
desaparecido,
tendo-se
encontrado
presente em
vários momentos
da história
desde a
antiguidade
remota até o
nosso século XXI
e em todas as
culturas. São
maniqueístas
todas as visões
que reduzem
qualquer aspecto
da vida a pares
de ideias
opostas e vistas
como mutuamente
exclusivas,
como:
- em política,
“de direita” é
colocado em
oposição a ”de
esquerda”;
- em religião,
“fiel” é
colocado em
oposição a
”infiel”, “puro”
a ”impuro”,
“pecador” a
”santo”, “do
bem” a ”do mal”
e “salvo” a
“condenado”;
- nas relações
sociais:
“branco” é
colocado em
oposição a
”negro”,
“superior” a
”inferior”,
“ralé” a
”elite”, e assim
por diante.
As religiões
sectárias são
maniqueístas
quando ensinam
que ou o
indivíduo as
segue ou está
condenado ao
inferno. Tanto a
política externa
do governo
norte-americano
em relação à Al
Queida quanto à
da Al Queida em
relação aos
Estados Unidos
foram políticas
maniqueístas,
como tantas
antes haviam
sido ao longo da
história, sendo
a causa ou o
pretexto de
guerras,
perseguições e
toda sorte de
violências entre
os homens.
A existência dos
opostos não é o
que caracteriza
o
maniqueísmo,
a visão
dualística do
mundo, mas sim a
crença de que
tais opostos
estão em eterna
luta e que são
irreconciliáveis,
mutuamente
exclusivos para
sempre, não
deixando espaço
para as
diferenças, que
estão por toda
parte e que são
visíveis a todos
aqueles que têm
olhos de ver.
No dizer do
psicanalista e
professor
Raymundo de
Lima: “O
maniqueísmo
não se sustenta
por muito tempo,
devido ao seu
dogmatismo, isto
é, sua
incapacidade de
colocar, à prova
da realidade ou
da lógica, suas
verdades
simplificadas.
Como seu
pensamento está
reduzido a um
par de verdades
antagônicas,
aceitar o
raciocínio do
outro,
discordante,
significa
deixar-se
arrastar para o
domínio do mal e
ser por ele
tragado. A vida
do
maniqueísta
se converte em
uma prontidão de
vigilância
(paranoia)
constante para
não se deixar
iludir com os
"discursos
sedutores".
Santo Agostinho,
que inicialmente
foi
maniqueísta,
depois de ter se
afastado,
escreveu em
Confissões
(livro 7) que
nessa doutrina
"não tinha
encontrado paz e
apenas
expressava
opiniões
alheias".
Apesar de o
professor ter
dito que “o
maniqueísmo
não se sustenta
por muito tempo”,
o que vimos foi
que ele
sobrevive até
hoje e continua
fortemente
presente nas
relações sociais
das mais
diversas
culturas. Ora, o
que é certo e
incontestável,
no entanto, é
que ele
desaparecerá
quando nossa
amada Terra for
promovida a
mundo de
regeneração. Em
tais mundos não
há espaço para
dogmatismos
sectários, sendo
predominante em
toda a parte a
tolerância em
relação às
diferenças, pois
todos saberão
que tais
diferenças são
inerentes à
diversidade de
níveis
evolutivos
existente entre
os seres
humanos.
4.
AGOSTINHO
DE HIPONA
Agostinho de
Hipona, o Santo
Agostinho de
nossos irmãos
católicos,
perplexo diante
da existência do
mal em um mundo
criado por Deus,
soberanamente
bom, concebeu a
noção do mal que
prevalece até
hoje entre
irmãos de crença
católica e
evangélica.
Dizia ele que
tudo aquilo que
existe é
necessariamente
bom, pois a
ideia de bem
seria
consequente da
ideia de ser, de
existir. O mal
ficaria, assim,
destituído de
existência real,
reduzindo-se à
privação, à
corrupção do
bem.
O mal, para
Agostinho, é uma
transgressão da
lei divina, uma
vez que a alma
foi criada por
Deus para reger
o corpo, e o
homem, fazendo
mau uso do
livre-arbítrio,
subordina a alma
ao corpo.
Voltada para a
matéria, a alma
se degenera e,
iludida pelas
sensações,
considera-se a
si mesma como
sendo corpo.
Até aqui,
podemos dizer
que a doutrina
de Agostinho tem
vários pontos de
contato com o
Espiritismo.
Para nós,
espíritas, tudo
que Deus criou,
isto é, suas
imutáveis e
soberanas leis,
é bom. Como
veremos mais
adiante, o
Espiritismo
também nos
ensina que o mal
é uma
transgressão das
leis de Deus. A
continuação da
doutrina de
Agostinho, no
entanto, é
totalmente
oposta ao
entendimento
espírita, como
veremos.
Para o bispo de
Hipona, nesse
estado de
decadência em
que a alma se
encontra, ela
não pode
salvar-se por
suas próprias
forças. A queda
do homem é de
inteira
responsabilidade
do homem, como
consequência de
seu
livre-arbítrio.
No entanto, o
livre-arbítrio
que causou a
queda ao homem
não é suficiente
para fazê-lo
retornar às
origens divinas.
Tal poder é
privilégio de
Deus. Esta é a
doutrina
agostiniana da
predestinação e
da graça.
Passemos, pois,
ao entendimento
espírita.
5.
O
ENTENDIMENTO
ESPÍRITA
5.1. Em O
Livro dos
Espíritos
629. Que
definição se
pode dar da
moral?
“A moral é a
regra de bem
proceder, isto
é, de distinguir
o bem do mal.
Funda-se na
observância da
lei de Deus. O
homem procede
bem quando tudo
faz pelo bem de
todos, porque
então cumpre a
lei de Deus.”
630. Como se
pode distinguir
o bem do mal?
“O bem é tudo
o que é conforme
à lei de Deus; o
mal, tudo o que
lhe é contrário.
Assim, fazer o
bem é proceder
de acordo com a
lei de Deus.
Fazer o mal é
infringi-la.”
631. Tem meios o
homem de
distinguir por
si mesmo o que é
bem do que é
mal?
“Sim, quando crê
em Deus e o quer
saber. Deus
lhe deu
inteligência
para distinguir
um do outro.”
632. Estando
sujeito ao erro,
não pode o homem
enganar-se na
apreciação do
bem e do mal e
crer que pratica
o bem quando em
realidade
pratica o mal?
“Jesus disse:
vede o que
queríeis que vos
fizessem ou não
vos fizessem.
Tudo se resume
nisso. Não vos
enganareis.”
633. A regra do
bem e do mal,
que se poderia
chamar de
reciprocidade ou
de
solidariedade, é
inaplicável ao
proceder pessoal
do homem para
consigo mesmo.
Achará ele, na
lei natural, a
regra desse
proceder e um
guia seguro?
“Quando comeis
em excesso,
verificais que
isso vos faz
mal. Pois bem, é
Deus quem vos dá
a medida daquilo
de que
necessitais.
Quando excedeis
dessa medida,
sois punidos. Em
tudo é assim.
A lei natural
traça para o
homem o limite
das suas
necessidades.
Se ele
ultrapassa esse
limite, é punido
pelo sofrimento.
Se atendesse
sempre à voz que
lhe
diz ‘basta’,
evitaria
a maior parte
dos males, cuja
culpa lança à
Natureza.”
634. Por que
está o mal na
natureza das
coisas? Falo do
mal moral. Não
podia
Deus ter criado
a Humanidade em
melhores
condições?
“Já te dissemos:
os Espíritos
foram criados
simples e
ignorantes
(115). Deus
deixa que o
homem escolha o
caminho. Tanto
pior para ele,
se toma o
caminho mau:
mais longa será
sua
peregrinação. Se
não existissem
montanhas, não
compreenderia o
homem que se
pode subir e
descer; se não
existissem
rochas, não
compreenderia
que há corpos
duros. É preciso
que o Espírito
ganhe
experiência; é
preciso,
portanto, que
conheça o bem e
o mal. Eis por
que se une ao
corpo.”
(Este artigo
será concluído
na próxima
edição desta
revista.)
Referências:
1. COSTA,
Renato. Adão
e Eva. In
Revista
Internacional de
Espiritismo,
outubro de 2004.
2. KARDEC,
Allan. A
Gênese, os
Milagres e as
Predições
segundo o
Espiritismo.
36. ed. Rio de
Janeiro: FEB,
1995.
3. Id. O
Livro dos
Espíritos.
76. ed. Rio de
Janeiro: FEB,
1995.
4. de LIMA,
Raymundo.
Maniqueísmo:
O Bem, o Mal e
seus Efeitos
Ontem e Hoje.
Revista Espaço
Acadêmico Ano I,
no
07, Dezembro de
2001.
5. SAMPAIO,
Rudini. Santo
Agostinho,
Elementos
Fundamentais de
sua Doutrina.
Obtido em
29/05/2006, de
http://www.ime.usp.br/~rudini/filos.agostinho.htm.