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Ano 4 - N° 168 - 25 de Julho de 2010

ANSELMO FERREIRA VASCONCELOS
afv@uol.com.br
São Paulo, SP (Brasil)

 

Como estamos moldando o nosso futuro espiritual?

A noção do bem deve ser uma diretriz diária em nossas vidas
e as ações voltadas ao bem constituem o nosso
verdadeiro capital espiritual


O confrade Carlos Torres Pastorino (1910-1980), no seu opúsculo Minutos de Sabedoria, cujo conteúdo faz jus ao título, enfatizou, com muita razão, que “Somos escravos do ontem, mas somos donos de nosso amanhã”. Tal assertiva nos remete à necessidade de averiguarmos como estamos moldando o nosso futuro – tema central deste artigo.

Posto isto, é inicialmente pertinente recordarmos as sensatas explicações do Codificador sobre o assunto em pauta presentes na obra O Evangelho segundo o Espiritismo. Assim sendo, para Allan Kardec, o Espiritismo demonstra que a vida futura não é mais uma simples questão de fé ou mera hipótese. Trata-se de uma realidade substanciada por fatos concretos. Afinal de contas, são as próprias entidades (Espíritos) que descrevem as suas experiências no além-túmulo. Além disso, as descrições da vida futura são tão meticulosas, detalhadas e racionais que somos levados a concordar que não poderia ser de outra forma. Em decorrência, passamos, portanto, a conhecer a magnitude e o significado da verdadeira justiça de Deus.

Na verdade, o Espiritismo deslinda de maneira precisa os mecanismos subjacentes à justiça divina, o que constitui, aliás, uma das suas principais contribuições à humanidade. Vale ressaltar também que o fenômeno da reencarnação – sem o qual a ideia de vida futura não teria sentido – tem sido exaustivamente estudado. Os cientistas Erlendur Haraldson e Ian Stevenson (1918-2007), entre outros, catalogaram centenas de casos sugestivos desse fenômeno.

Assim, negar a possibilidade da reencarnação com o argumento de falta de provas não mais se justifica, dado que as evidências a seu favor abundam por toda parte. Por outro lado, a nossa vida presente segue – é sempre oportuno lembrar – um rumo pré-determinado. Dito de outra forma, a maioria de nós chegou mesmo a pedir as “cruzes” que presentemente carregamos... Nada nos foi imposto, exceção aos casos de reencarnação compulsória. 

Desse modo, consoante a lei de ação e reação, estamos colhendo hodiernamente as experiências apropriadas às nossas necessidades evolutivas. É claro que a maioria, desfrutando plenamente do seu livre-arbítrio, poderá agravar ou atenuar a sua própria situação. Portanto, se usarmos de tal capacidade de maneira sábia, provavelmente retornaremos mais aliviados ao mundo espiritual (já que endividados todos somos). Mas se usarmos dessa condição de maneira inconsequente, agravaremos o nosso quadro cármico. Por conseguinte, haveremos de expurgar também as novas faltas através dos sagrados mecanismos da lei de causa e efeito, que serão adicionadas aos débitos já existentes.  

A dimensão da família merece profundas considerações. Como estamos nos relacionando com ela? 

No entanto, se já carregamos dentro de nós, de fato, a convicção da imortalidade da alma e da pluralidade das existências, então é recomendável refletirmos sobre o que estamos fazendo em relação ao nosso futuro espiritual. Nesse sentido, há vários aspectos e dimensões para averiguarmos, como, por exemplo, a saúde.

Como estamos cuidando do nosso corpo físico? Estamos tratando da vestimenta carnal adequadamente? Cabe destacar que tudo o que fizermos nessa área terá impacto em nossas encarnações futuras. Nesse sentido, nas últimas décadas antigos mitos e percepções têm caído por terra. Afinal, com o progresso científico muito já se sabe sobre o que nos convém ou não em termos de saúde. Certos alimentos ou ingredientes antes onipresentes em nossas refeições vêm sendo gradualmente banidos. Mais ainda, as descobertas apontam claramente para os malefícios do sal, do açúcar, da gordura saturada quando ingeridos em demasia.

O cultivo dos vícios merece um capítulo à parte, dados os prejuízos que ocasionam nos nossos organismos. Desse modo, já se sabe da danosa associação do tabagismo e do aparecimento dos cânceres de colo de útero e de mama, por exemplo. Assim sendo, negligenciar as advertências e recomendações dos órgãos de saúde pode nos trazer dissabores desnecessários já que o nosso futuro corpo tenderá a apresentar sérias limitações, tornando a nossa jornada mais dificultosa.

A dimensão da família merece profundas considerações. Como estamos nos relacionando com aqueles que nos receberam como pais? E os nossos irmãos e irmãs? É no âmbito familiar que travamos, via de regra, as primeiras experiências de reajustamento cármico. Partindo dessa premissa, estamos nos esforçando para promover os devidos reajustes perante a lei do amor? Não raro, somos afrontados por histórias escabrosas envolvendo pais que desrespeitam a sua prole, transformando-as, inclusive, em escravas sexuais. Tais abusos são logicamente explicáveis pela lei de ação e reação já referida. No entanto, certamente produzirão seriíssimas e dolorosas consequências aos seus causadores por não conterem suas taras. 

O próximo é um aspecto altamente relevante. O que estamos realizando nesse campo? Não há como avançar espiritualmente sem ter o outro em mente. O outro constitui a oportunidade de anularmos o vírus do egoísmo e da indiferença em nós.  

Em função do crescente clamor social, a tendência é que
os desvios éticos não sejam mais tolerados
 

Ao olhar para o companheiro de jornada (e suas necessidades) estamos alargando a nossa visão. Solidarizar-se com o seu infortúnio, mazelas, sofrimento e necessidades é crescer em sensibilidade. Ao mesmo tempo, nos capacita ao desenvolvimento da nossa inteligência espiritual. Aliás, é inconcebível aspirar a um futuro espiritual melhor sem ações concretas em favor do próximo.

Os nossos talentos devem ser cuidadosamente escrutinados. Assim sendo, como estamos empregando as nossas capacidades e os talentos que Deus nos deu? Mercê da bondade divina todos nós somos portadores de determinadas habilidades. Quando bem aproveitadas, elas nos propiciam as condições de subsistência e de contribuição benéfica para os que dependem do nosso esforço. Infelizmente, muitos se perdem no cipoal de suas próprias ambições, deixando-se levar por sugestões ou inspirações malignas. Em consequência, utilizam sua inteligência e seu potencial para ferir, enganar e mesmo destruir os que neles depositaram plena confiança.

E a ética? Estamos agindo dentro de rigorosos princípios morais? Em função do crescente clamor social, a tendência é que os desvios nessa esfera não sejam mais tolerados. De modo geral, os funcionários corruptos, os legisladores venais, os empresários inescrupulosos e as empresas que desrespeitam os consumidores tenderão a ser demonizados pela sociedade. Ter uma conduta inadequada nessa variável pode causar enorme sofrimento aos seus protagonistas não apenas na presente vida, mas também em futuras. Além disso, os instrumentos de comunicação virtual vêm contribuindo para a disseminação dos fatos, especialmente os relacionados com o flagrante desrespeito às leis, tornando inviável a possibilidade de esquecimento dos deslizes.

Quanto à variável resignação, suportamos com humildade as provas que estabelecemos para nós mesmos? Sofrer por sofrer não faz sentido. Já que há razões concretas para a vivência de tal experiência, então devemos aceitá-la com um olhar construtivo. Desse modo, não basta sofrer; tem-se que enfrentar o sofrimento com dignidade e estoicismo. Do contrário, não haverá mérito algum em se rebelar ou ofender a Divindade.

Por outro lado, somos pessoas capazes de expressar gratidão? Reconhecemos e agradecemos àqueles que nos suportam e auxiliam no caminho redentor? É praticamente inviável um indivíduo avançar na vida sem a ajuda – isto é, sem a benevolência, beneplácito e simpatia – dos outros.  

A compaixão é das capacidades que só as almas identificadas com o ideal de progresso espiritual possuem

Geralmente, somos amparados e assistidos pelos daqui e os de lá, da dimensão espiritual, ainda mais! Quem não precisou de uma ajudazinha aqui, um empurrãozinho acolá? Desse modo, não expressar gratidão é falhar numa virtude vital. Como podemos, assim, aspirar a um futuro espiritual mais sorridente se nem sequer dominamos a capacidade comezinha de agradecer?  

O perdão igualmente tem um papel crucial no nosso desenvolvimento espiritual. Afinal de contas, Jesus nos recomendou perdoar infinitamente. É evidente que esquecer as ofensas, as ações prejudiciais e o mal-estar causados a nós pelos outros é algo difícil. No entanto, não se trata de uma coisa impossível, como o Mestre tão bem demonstrou. Então, se ele nos serve de modelo, o melhor é nos esforçamos em copiá-lo.

A compaixão, por sua vez, é daquelas capacidades que só as almas já identificadas com o ideal de progresso espiritual possuem. No mundo moderno, como se observa, muitos têm tombado sob o peso de sua inferioridade. No entanto, livre de pecados nenhum de nós está, assim não nos cabe atirar pedras a quem quer que seja...

Sendo a caridade a manifestação de nossa preocupação com o próximo, tem no seu lado mais saliente a possibilidade de doação. Recentemente, a prestigiosa revista São Paulo trazia numa de suas reportagens o seguinte título: “Campanha do Agasalho: Caixa de Doação ou Cesta de Lixo?” Basicamente, o texto arrolava o estado de precariedade de muitas roupas e calçados doados pelos cidadãos, fato que atrapalhava substancialmente o trabalho dos voluntários.

É curioso que muitos tenham dificuldade de discernir o que pode ser usável do que é puro lixo. Com efeito, a rigor não devemos temer jogar no lixo o que a ele pertence, isto é, roupas rasgadas, impregnadas de mau cheiro e sujas, assim como calçados desgastados pelo uso contínuo ou furados na sola. Creio mesmo que uma doação deve ser encarada como a oportunidade de se dar um presente. Desse modo, o ideal é que o “presente” seja entregue devidamente limpo, higienizado e, de preferência, perfumado, seja seu futuro beneficiário morador de rua ou não.  

Atrelado à variável caridade devemos inserir em nossa “auditoria interior” a virtude da generosidade. Afinal, sem generosidade no coração é pouco provável que ocorram atos de caridade. Guardar e acumular são verbos que devem ser interpretados com muita atenção no campo espiritual.  

Ao conhecer o Espiritismo, assumimos graves responsabilidades que nenhuma outra doutrina
atribui a seus profitentes
 

Já dizia Jesus, com muita propriedade, que “é mais fácil entrar um camelo pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus” (Lucas 18:25). Desfazer-se ou compartilhar é algo por demais doloroso para muitas pessoas portadoras de recursos materiais neste mundo. Nesse sentido, a revista Época Negócios Online, baseada no relatório anual Global Wealth da consultoria Boston Consulting Group, noticiava recentemente o aumento no número de milionários, isto é, aqueles com patrimônio acima de US$ 1 milhão. Houve, segundo a publicação, um incremento de 14%, alcançando 11,2 milhões de famílias no mundo. Tal resultado indica que o aumento da riqueza levou a uma maior concentração de renda. Explicando melhor: em 2009, menos de 1% de todas as famílias do mundo eram milionárias, mas a porcentagem da riqueza mundial que detinham era de 38%, acima dos 36% de 2008. Já as famílias com fortunas acima de US$ 5 milhões representavam apenas 0,1% do total, mas detinham 21%, ou US$ 23 trilhões, da riqueza mundial. Ora, a possessão de tão vultosos recursos materiais e – mais importante ainda – a sabedoria com que serão usados serão determinantes para o futuro espiritual desse reduzido grupo.

O espírito Irmão José na obra Senhor e Mestre nos dá alguns conselhos valiosos referentes ao tema sob análise. Assim, nos recomenda o benfeitor para sermos constantes em nossas atitudes no bem, assim como determinados em nossas disposições de beneficiar o próximo. A noção do bem deve ser uma diretriz diária em nossas vidas. As ações voltadas ao bem constituem o nosso verdadeiro capital espiritual. Se ao lidarmos com o semelhante formos imbuídos desse pensamento, um futuro mais feliz nos aguardará. Irmão José observa a importância de sermos fiéis aos nobres princípios que abraçamos e coerentes em nossa fé.

Ao conhecer o Espiritismo, assumimos graves responsabilidades que nenhuma outra doutrina atribui a seus profitentes. Com efeito, considerando que temos sido sistematicamente esclarecidos pelos maiorais da espiritualidade, não podemos mais alegar desconhecimento de coisas basilares.

É claro que não esgotamos todos os aspectos passíveis de nos ajudar a construir um futuro espiritual melhor. Mas temos a impressão de que as dimensões ora examinadas podem servir de início desse processo. Seja como for, a indagação será sempre oportuna: o que estamos moldando para nós?


 


 

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