A obra “A Física
da Alma”
e o
Espiritismo
A obra de Amit
Goswami contém
vários pontos
que estão em
desacordo com os
principais
ensinamentos
espíritas
|
Nos dias 21 e 22
de agosto de
2010, aconteceu
no Centro de
Cultura,
Documentação e
Pesquisa em
Espiritismo
Eduardo Carvalho
de Oliveira1,
em São Paulo, o
6º Encontro da
Liga de
Pesquisadores em
Espiritismo2,
com o tema “O
Espiritismo
visto pelas
áreas de
conhecimento
atuais”, em
que apresentamos
um trabalho
intitulado “Uma
Análise Espírita
da Obra ‘A
Física da Alma’
de Amit Goswami”.
Nesse trabalho
demonstramos que
a referida obra
é contrária ao
Espiritismo.
Nesta matéria,
apresentamos um
resumo dos
pontos
principais deste
estudo para
divulgação junto
|
ao Movimento
Espírita.
O interesse do
Movimento
Espírita pela
Ciência é antigo
e nos últimos 10
anos vimos bons
trabalhos de
esclarecimento
sobre o que é
Ciência, Ciência
Espírita, e o
tríplice aspecto
do Espiritismo3-5.
A Física, em
particular, tem
despertado muito
interesse no
público espírita
leigo. Obras
como "O Tao da
Física"6,
“O Espírito Este
Desconhecido”7,
“A Cura
Quântica”8 e,
mais
recentemente, “A
Física da Alma”9,
de Amit Goswami
(foto), |
|
têm sido lidas e
consideradas por
muitos espíritas
como
demonstrações
científicas de
conceitos
espíritas. Nesta
matéria,
mostraremos que
a teoria
apresentada na
obra “A Física
da Alma” é
contrária ao que
ensina o
Espiritismo em
alguns dos seus
pontos
principais. Para
isso,
apresentaremos
trechos das
explicações de Goswami para os
conceitos de
alma,
reencarnação e
mediunidade. |
A proposta de Amit sobre a
ALMA se baseia
numa questão de
natureza
filosófica: a
dualidade
espírito–matéria.
Como pode uma
“substância” de
natureza
diferente da
matéria
interagir com
ela? Kardec não
esteve alheio a
esta questão e,
no item 17 do
cap. XI de A
Gênese10,
apresenta uma
solução ao
dizer: “Esse
envoltório,
denominado perispírito, faz
de um ser
abstrato, do
Espírito, um ser
concreto,
definido,
apreensível pelo
pensamento.
Torna-o apto a
atuar sobre a
matéria
tangível,
conforme se dá
com todos os
fluidos
imponderáveis,
(...)”.
Goswami, de modo
diferente,
propõe que a
alma seja uma função
de onda (ver
aula n. 8 da
referência 3)
que, segundo a
Física, não é
algo fisicamente
real, não
passando de um
método de
cálculo das
propriedades
físicas de um
sistema
material. Apesar
de sua proposta
também resolver
o problema da
dualidade, ela
traz consequências
diferentes do
que ensina o
Espiritismo.
Em sua proposta
sobre a natureza
quântica da
alma, Goswami
revê o conceito
de consciência
dentro de um
paradigma
diferente. Na
pág. 44 do cap.
2 (daqui em
diante o leitor
deve subentender
que nos
referimos à obra
“A Física da
Alma”) Goswami,
ao analisar a
questão do
colapso3 da
função de onda
pelo observador,
diz: “A
resposta do
idealismo
monista é que há
apenas um a
escolher, que a
consciência é
uma só. O leitor
e eu temos
pensamentos,
sentimentos,
sonhos etc.
individuais, MAS
NÃO ‘TEMOS’
CONSCIÊNCIA,
muito menos
consciências,
separada; nós
‘somos’ a
consciência. É a
mesma
consciência,
para todos nós.”
(grifos em
maiúsculas,
nossos).
O conceito novo
introduzido por
Goswami, e que a
Física não
reconhece, é a
não-localidade
no tempo
A questão 79 de
O Livro dos
Espíritos11 diz
que os Espíritos
são a
individualização
do princípio
inteligente, e a
de número 122
diz que o “livre-arbítrio
se desenvolve à
medida que o
Espírito adquire
a consciência de
si mesmo” e
que “Já não
haveria
liberdade se a
escolha fosse
determinada por
uma causa
independente da
vontade do
Espírito”.
Na questão 621 é
dito que a Lei
de Deus está
escrita “Na
consciência”.
Portanto, o
conceito de
consciência que
o Espiritismo
fornece é
inerente à alma,
sendo, portanto,
diferente do que
Goswami propõe.
A diferença no
conceito de
consciência se
torna mais clara
ao lermos as
seguintes
palavras de
Goswami (cap. 7,
pág. 152): “As
almas,
entendidas, tal
como fazemos
aqui, como
mônadas
quânticas
desencarnadas,
NÃO PODEM ter
percepção
sujeito-objeto,
NÃO PODEM
crescer
espiritualmente
de maneira
alguma, e NÃO
PODEM se
libertar porque
fizeram obras
espirituais no
Céu ”.
(grifos em
maiúsculas,
nossos). A
questão 227 do
Livro dos
Espíritos11 deixa
claro o equívoco
da afirmativa
acima. Se essa
teoria da alma
estiver correta
não poderia
existir, por
exemplo, Nosso
Lar nem
a história de
André Luiz.
A ideia de
REENCARNAÇÃO
segundo Goswami
se baseia no
conceito de
“não-localidade”
da Física
Quântica. Ele
diz (cap.4, pág.
83) que as “reencarnações
de uma mesma
vida (...) estão
ligadas pelo fio
da
não-localidade
quântica...”.
Não-localidade é
um conceito que
surge em
sistemas que são
ligados de tal
forma que uma
ação sobre um
afeta
instantaneamente
o outro, não
importando a
distância entre
eles. Porém,
Goswami parece
criar um
conceito novo a
partir da
não-localidade
ao dizer que
(cap. 4, pág.
83) “A
correlação se
estende tanto
para o passado
como para o
futuro ...”.
O conceito novo
introduzido por
Goswami, e que a
Física não
reconhece, é a
não-localidade
no tempo, isto
é, uma viagem
instantânea no
tempo para o
passado ou para
o futuro. No
cap. 4, pág. 82,
ele diz: “Com
o tempo, podemos
intuir nossa
situação
específica com
respeito à
mônada humana –
(...) – e, de
forma
sincronística,
em parte no
TEMPO NÃO LOCAL,
em parte na
temporalidade,
podemos nos
tornar
conscientes de
como essa
mônada-identidade
ESTÁ RENASCENDO
EM UM FETO
RECÉM-CONSTITUÍDO,
ou até partilhar
a consciência
com ela nos
primeiros anos
dessa nova
vida...”
(grifos em
maiúsculas
nossos). Goswami
afirma, assim,
que no momento
da morte uma
ligação do tipo não-local
no tempo se
forma ligando,
instantaneamente,
a alma do
agonizante a
desencarnar NO
PRESENTE ao feto
recém-constituído
NO FUTURO. Uma
viagem no tempo
instantânea
equivale a
pularmos do
passado para o
futuro sem
vivermos o
período que se
passou de um
para outro.
Para Goswami, a
alma
desencarnada não
tem pensamento,
não tem
consciência
independentes de
um corpo físico
material
Ainda
relacionado ao
conceito de
reencarnação, um
ponto de forte
contradição com
os ensinamentos
espíritas pode
ser percebido na
explicação sobre
a escolha de
sexo na próxima
encarnação. De
acordo com
Goswami (cap. 8,
pág. 181), “Se
ao morrer, você
estava
consciente e fez
uma revisão da
vida, se você se
correlacionou e
se comunicou com
a criança que
será na próxima
rodada, no
caminho de
possibilidades
para vocês,
então sua opção
já está feita.
(...). Talvez
você tenha visto
seus pais e como
você foi
concebido. Você
ainda não se
identificou com
seu feto; você
estava fora do
corpo e
observava
telepaticamente
as coisas pelos
olhos de seus
pais, por assim
dizer, e talvez
tenha sentido os
anseios do
desejo. É ESSE
DESEJO QUE
DETERMINARÁ SEU
SEXO AO NASCER – o
espermatozoide
apropriado
encontrará o
óvulo, mas isso
é secundário. SE
SEU DESEJO
ESTAVA DIRIGIDO
PARA SUA MÃE,
VOCÊ SERÁ UM
MENINO; SE, POR
OUTRO LADO, SEU
PAI ERA SEU
OBJETO DE
DESEJO, VOCÊ
SERÁ UMA MENINA.”
(grifos em
maiúsculas
nossos).
Sobre
MEDIUNIDADE
Goswami afirma
que (cap. 7,
pág. 156) “...
não existe
colapso das
ondas de
possibilidades
quânticas de uma
mônada quântica
desencarnada sem
a ajuda de um
corpo/cérebro
físico
correlacionado.
Por conseguinte,
a mônada
quântica
desencarnada é
desprovida de
qualquer
experiência
sujeito-objeto”.
Ele, assim,
confirma que a
alma
desencarnada não
tem vida, não
tem pensamento,
não tem
consciência
independentes de
um corpo físico
material. Sendo
uma função de
onda com
possibilidades,
um Espírito só
pode “colapsar”
em algum “lugar”
material: o
cérebro de um
médium. Quando
um Espírito se
manifesta e diz
o que sente e o
que pensa, na
verdade isso não
seria uma
manifestação
consciente de
pensamento e
sentimento, mas
sim
manifestações
aleatórias das
diferentes
possibilidades
da função de
onda (cada uma
com uma
probabilidade) e
não o fruto de
um pensamento
contínuo do
Espírito. Num
instante, o
Espírito pode
manifestar uma
dessas
possibilidades,
e em instantes
seguintes outras
que, inclusive,
podem ser
opostas à
primeira, já que
o fenômeno
ocorreria por
leis quânticas
probabilísticas.
Sem dúvida, isso
é bem diferente
do que o
Espiritismo
ensina e que os
companheiros das
tarefas
mediúnicas nas
casas espíritas
vivenciam. Por
exemplo, veja-se
a questão 459 do
Livro dos
Espíritos: “Os
Espíritos
influem em
nossos
pensamentos e em
nossos atos?
Muito mais do
que imaginais,
pois
frequentemente
são eles que vos
dirigem”.
Apesar de se
basear em
conceitos da
Física Quântica,
a teoria contida
na obra “A
Física da Alma”
de Amit Goswami
não foi obtida
seguindo-se os
rigores formais
da área de
Física. Ele
baseia sua tese
em um novo tipo
de paradigma
científico, fora
do esquema
tradicional da
Ciência, em que
a unidade
fundamental é a
consciência e
não a matéria.
Segundo Amit
Goswami, não é
possível termos
experiências sem
um corpo físico
Estando fora
da Ciência,
ele não pode
validar suas
teorias de
modo científico e,
portanto, o
conteúdo da obra
“A Física da
Alma” não pode
ser considerado
científico, no
sentido
profissional
dessa palavra, e
não se pode
dizer que a
Física, de modo
formal, o apoie.
A utilização dos
conceitos da
Física não torna
a sua teoria uma
teoria da Física
ou respaldada
por ela. Dessa
forma, nós
espíritas não
precisamos nos
preocupar com o
fato de ela
apresentar
conceitos
contrários ao
Espiritismo.
Além disso, a
teoria de
Goswami tem
outra
consequência
importante que é
contrária ao
Espiritismo. Ela
supervaloriza a
matéria, o que
pode ser
inferido da
seguinte
resposta de
Goswami à
pergunta do
psicólogo
Kenneth Ring
(cap. 13, pág.
274): “Você
acha que, se um
grande desastre
atingisse a
Terra, nós
poderíamos
sobreviver a ele
como seres
desencarnados?
” A
resposta: “Certamente
sobreviveríamos
como seres
desencarnados,
assim como faz
qualquer um que
morra hoje em
dia (...). Mas,
Ken, há um
problema.
SEGUNDO MEU
MODELO, NÃO É
POSSÍVEL TERMOS
EXPERIÊNCIAS SEM
UM CORPO FÍSICO.
O ESTADO DE
CONSCIÊNCIA DE
UM SER
DESENCARNADO É
COMO O SONO; a
onda de
possibilidades
não entra em
colapso. Assim,
como
civilização,
dificilmente
ficaríamos
satisfeitos ao
escolher esse
estado de limbo.”
(grifos em
maiúsculas
nossos). As
questões de 84 a
86 de O Livro
dos Espíritos,
por exemplo,
mostram o
equívoco da
afirmativa
acima.
Para concluir,
sugerimos ao
Movimento
Espírita mais
cautela contra o
modismo
cientificista,
em que conceitos
da Física
Quântica,
inacessíveis à
compreensão do
público leigo,
são, às vezes,
erroneamente
usados em
teorias
espíritas sem o
devido rigor
científico da
área de Física.
Kardec, na
Revista Espírita
de Julho de
1860, ao final
do texto sob o
título
“Observação
Geral”, comenta:
“Diz um provérbio:
‘Nada mais
perigoso que um
amigo
imprudente’.
Ora, é o caso
dos que, no
Espiritismo, se
deixam levar por
um zelo mais
ardente que
refletido.”
Na ânsia de ver
o Espiritismo
valorizado pela
Ciência, tem
havido um zelo
mais ARDENTE que
REFLETIDO na
divulgação de
obras como “A
Física da Alma”.
Nosso propósito
aqui foi o de
apresentar um
exemplo de
REFLEXÃO a
respeito dessa
obra,
demonstrando que
seus conceitos
são contrários
ao Espiritismo,
exigindo de
nossa parte
maior cuidado na
sua divulgação.
Se “O
Espiritismo nos
solicita uma
espécie
permanente de
caridade – a
caridade de sua
própria
divulgação”
(Emanuel na obra
da Ref. 12),
essa caridade
requer que
tenhamos, de
acordo com
Kardec, um zelo
REFLETIDO. E,
perante a dúvida
sobre as
novidades na
Ciência, se
confirmam ou não
algum conceito
espírita,
vejamos o que
Kardec nos tem a
dizer (Obras
Póstumas13 ,
capítulo
“Constituição do
Espiritismo.
Exposição de
motivos. II. Dos
cismas”): “Se
é verdade que a
utopia da
véspera,
frequentemente,
seja a verdade
do dia seguinte,
deixemos ao dia
seguinte o
cuidado de
realizar a
utopia da
véspera, mas não
embaracemos a
Doutrina com
princípios que
seriam
considerados
quimeras e a
fariam rejeitar
pelos homens
positivos.”
Referências:
[1] http://www.ccdpe.org.br
[2] http://www.espiritualidades.com.br/Liga/6_ENLIHPE_2010/liga_6_encontro.htm
[3] A. F. Da
Fonseca, “Curso
de Ciência e
Espiritismo:
Aulas 1 a 18”, Boletim
do GEAE números
de 483 a 500 (2004
e 2005)
[4] A. Chagas, Introdução
à Ciência
Espírita,
Publicações
Lachâtre, 1ª
edição, Bragança
Paulista (2004).
[5] S. S.
Chibeni, “O
Espiritismo em
seu tríplice
aspecto:
científico,
filosófico e
religioso” Reformador Agosto,
pp. 37-40
(2003); Setembro,
pp. 38-40
(2003);Outubro,
pp. 39-40
(2003).
[6] F. Capra, O
Tao da Física,
Editora Cultrix,
16ª edição, São
Paulo (1995).
[7] J. E. Charon, O
Espírito Este
Desconhecido,
Editora
Melhoramentos,
10ª edição, São
Paulo (1990).
[8] D. Chopra, A
Cura Quântica, O
Poder da Mente e
da Consciência
na Busca da
Saúde Integral,
Editora Best
Seller, 42ª
edição, Rio de
Janeiro (2004).
[9] A. Goswami, Física
da Alma,
Editora Aleph,
2ª reimpressão,
São Paulo
(2005).
[10] A. Kardec, A
Gênese, FEB,
34ª edição, Rio
de Janeiro
(1991).
[11] A. Kardec, O
Livro dos
Espíritos,
FEB, 1ª. edição,
Rio de Janeiro
(2006).
[12] F. C.
Xavier e W.
Vieira, pelos
Espíritos de
Emmanuel e André
Luiz, Estude
e Viva, 11ª
edição, FEB, Rio
de Janeiro
(2005).
[13] A. Kardec, Obras
Póstumas,
IDE, 1ª edição,
Araras (1993).
Alexandre Fontes
da Fonseca
é professor de
Física na
Universidade
Federal
Fluminense, em
Volta Redonda
(RJ).