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Crítica
Literária
O Pescador de
Almas
Autor: Monsenhor
Eusébio Sintra
(Espírito)
Médium: Valter
Turini
Editora: O
Clarim
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Um romance
histórico sempre
chama a atenção,
principalmente,
para nós
espíritas,
quando retrata
episódios
vividos pelos
primeiros
cristãos, e
ainda mais por
se tratar de um
romance
mediúnico,
escrito por um
Espírito e,
portanto, com
ares de
revelação.
Entretanto, nem
tudo o que
parece
efetivamente se
confirma. É o
caso deste livro
"O Pescador de
Almas".
O autor
espiritual
Monsenhor
Eusébio Sintra
abusa de
descrições
minuciosas de
crimes hediondos
cometidos pelos
personagens, ou
de abusos de
poder,
desfilando em
páginas e mais
páginas imagens
sanguinolentas,
brutais,
causando mesmo
mal-estar em
alguns momentos.
Para quê? Então
não sabemos,
pela pena
mediúnica de
Chico Xavier, em
palavras do
Espírito André
Luiz, que o mal
não merece
comentário?
Citar
acontecimentos
agregados à
história
narrada, mesmo
que sejam
desagradáveis,
faz parte de
qualquer
narrativa
romanceada, mas
explorar os
acontecimentos
com descrições
minuciosas não é
de muito bom
gosto numa
literatura que
deveria
constituir
momento de
elevação para os
leitores.
Sem explicação é
a insistência do
autor espiritual
em utilizar
palavras e
frases inteiras
em latim,
inclusive os
nomes dos
personagens e as
saudações
corriqueiras,
obrigando o
leitor a um
exercício
enfadonho de ter
de recorrer a
todo instante
para o rodapé
das páginas, à
procura da
tradução.
Poderíamos ser
poupados disso.
O romance se
passa no antigo
Império Romano,
ao tempo da
administração de
Nero, inclusive
trazendo a
descrição dos
fatos do famoso
incêndio de
Roma. E aqui
temos uma
questão
profunda: a
descrição do
autor espiritual
está em
desacordo com as
pesquisas dos
historiadores e
contradiz as
revelações e
descrições
feitas pelo
Espírito
Emmanuel,
através da
psicografia do
médium Chico
Xavier, no livro
"Paulo e
Estêvão". Como é
a universalidade
dos ensinos a
autoridade das
mensagens
espirituais, o
bom senso nos
diz que devemos
ficar com os
historiadores e
com Emmanuel.
Agora, vejamos
alguns trechos
do livro:
"Oh, sublime
Mestre Jesus!...
Dignai-vos a
olhar para as
misérias deste
mundo cruel!...
Vede, Senhor, o
que a maldade
dos homens fez a
esta criança!...
Derramai sobre
ela a Vossa
Luz!...
Devolvei-lhe a
saúde,
restituí-lhe a
razão! – e
estende as mãos
sobre o rosto de
Susanna que, ao
leve toque da
ponta dos dedos
de Rufus, emite
leve gemido e se
agita no leito"
(página 153).
Rufus é o
trabalhador
cristão com
poder de cura.
Apesar de ser
romano, a oração
feita por ele
mais parece a de
um sacerdote
fariseu e,
modernamente, a
de muitos
pastores de
igrejas
protestantes.
"... É por isso
que a iluminação
do Espírito é
tão custosa!...
Alicerça-se
sobre as
experiências,
sobre os erros e
os acertos!...
Assim age a
Divina Pedagogia
que, a duras e
cruéis penas,
promovidas pela
presença
constante da
dor, vai
aparando as
praganas do ser;
vai,
incansavelmente,
na sequência das
reencarnações
que se sucedem
até que, lá no
termo de sua
jornada, o
Espírito,
finalmente
despojado de
toda a
animalidade,
apresenta-se
realmente
humanizado,
sábio e
rutilante de
Luz!..." (página
193).
É uma pérola
literária e
doutrinária...
falsa! Então não
atingimos ainda
o reino hominal?
Não constituímos
uma humanidade?
E sofreremos
incansavelmente
a dor até quando
chegar a hora de
terminar nosso
progresso
espiritual? Mas
o Espiritismo
não nos ensina
que Deus, nosso
Pai, é todo
bondade, justiça
e amor?
A mesma
cantilena sobre
a dor e o
sofrimento está
presente na
página 237, e
com um
agravante:
ficamos sabendo
que as dores
calcadas na
paixão não têm
remédio:
"Resta-nos,
então, deixá-las
doerem,
roendo-nos as
entranhas,
carcomendo-nos,
impiedosamente,
quais
horripilantes
cancros, até
matar-nos, sem o
mínimo de
piedade!...".
Temos a
impressão que o
autor é
partidário da
tragédia
romântica tão em
voga no século
19, e que a
tantos jovens
levou ao
suicídio.
No capítulo 14 o
autor descreve o
sacrifício dos
cristãos no
circo romano
(lembrando que,
segundo os
historiadores e
Emmanuel, o
circo também foi
devorado pelo
fogo, portanto
os primeiros
sacrifícios de
cristãos não
poderiam ali
ocorrer). Todos
morrem pelas
garras dos leões
esfomeados ou
queimados presos
em postes, para
delírio da
plateia. Eles
são recebidos
pelo Mestre
Jesus, e eis o
que acontece:
"A seguir,
surgiram,
sorridentes e
felizes, de
todos os lados
da campina,
todos os que já
haviam sido
supliciados no
Circus Maximus e
se juntaram,
cantando
magnificente
hino de louvor
ao Insigne
Mestre Nazareno,
que ali se
reunia com eles"
(página 262).
Todos os
cristãos? Mas
eles não
acabavam de
morrer
tragicamente?
Estariam todos
espiritualizados
pelo simples
fato de
esposarem a fé
cristã? Sabemos
que os primeiros
momentos depois
da morte do
corpo físico são
acompanhados de
um estágio de
perturbação,
cuja duração e
profundidade
variam de
Espírito para
Espírito, mas
isso parece não
valer para esses
cristãos mortos
na arena romana,
pois "todos"
eles
mostraram-se
conscientes,
alegres e ainda
cantaram
magnífica música
para homenagear
Jesus Cristo.
Ainda na
continuação da
descrição desse
encontro, lemos
o seguinte:
"E, quando tudo
se consumou,
todos aqueles
Espíritos
deram-se as mãos
e rodearam o
Divino Mestre
que, qual um
pastor a guiar,
firmemente, suas
ovelhas,
elevou-se ao
infinito,
transformando-se,
depois, em
magnificente
sol, rodeado de
estrelas
diamantinas,
qual constelação
plena de
luminescência a
ganhar alturas
inconcebíveis..."
(página 262).
Que descrição é
essa? Então o
Governador
Planetário,
nosso Mestre
Jesus, abandonou
sua missão,
transformando-se
num sol em algum
ponto do
universo?
No capítulo 15,
às páginas 286 e
287, temos uma
descrição digna
da melhor
ficção, e,
claro,
totalmente
inverossímil,
incompatível com
os estudos
espíritas e tudo
o que sabemos
sobre a volta ao
mundo espiritual
depois da morte.
O personagem
Flavius
assassina
covardemente,
numa emboscada,
o personagem
Iulius, e, logo
após, cheio de
remorsos, comete
o suicídio.
Instantaneamente,
deslocado do
corpo físico,
ele vê o rival,
em Espírito, ao
seu lado, e os
dois iniciam uma
luta de "vida ou
morte",
engalfinhando-se
entre socos,
iniciando então
uma mútua
obsessão.
Impressiona a
capacidade do
autor espiritual
em desdenhar o
processo
desencarnatório.
E se fosse só
isso, mas não,
dois Espíritos,
do bem, a tudo
assistem, e um
deles é Suzanna,
que havia sido
morta
hediondamente
por Iulius,
tendo jurado seu
ódio antes de
dar o último
suspiro no corpo
físico. E está
presente no
ambiente,
tentando amparar
o amado Flavius.
Ou seja, mais
uma vez a morte
nada significa,
e não importa o
gênero de morte.
Basta morrer e
estar com todas
as faculdades
plenas no mundo
espiritual. E
como Suzanna
esposava a fé
cristã, já é um
Espírito
protetor.
O Espírito que a
acompanha,
Drusilla, "toma-a
nos braços e
alça um voo,
desaparecendo, a
seguir, como um
raio luminoso".
Definitivamente
o autor gosta de
efeitos
especiais.
De resto,
sentimos na
história a falta
da ação dos
Espíritos e uma
maior
profundidade na
mensagem cristã
que permeia a
narrativa, além
de ser de gosto
duvidoso
descrever os
pensamentos
indignados de
alguns
personagens com
relação a
outros.
Marcus De Mario
é educador e
escritor. É
diretor do
Instituto
Brasileiro de
Educação Moral e
colaborador do
Centro Espírita
Humildade e
Amor, na cidade
do Rio de
Janeiro.