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Entrevista Espanhol Inglês    
Ano 5 - N° 253 - 25 de Março de 2012
ORSON PETER CARRARA
orsonpeter92@gmail.com
Matão, SP (Brasil)

 
Raul de Mello Franco Jr.:

”O Espiritismo nos ensina
a ver as coisas além de
suas aparências”

Promotor de Justiça e professor de Direito Constitucional em Araraquara-SP, o confrade fala sobre os objetivos e a atuação da AJE - Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo

 

Raul de Mello Franco Jr. (foto), espírita desde os 25 anos de idade, natural de São Paulo-SP, atualmente residente em Araraquara-SP, é Promotor de Justiça e professor de Direito Constitucional na Uniara - Centro Universitário de Araraquara.

Formado em Filosofia e Direito, com pós-graduação e mestrado em Direito, o confrade é autor de vários livros na área jurídica. No movimento espírita, tem atuado como palestrante e é também integrante da AJE – Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo, cuja origem e atividades constituem o tema  

principal da presente entrevista. 

Quando foi fundada a AJE?

A AJE – Associação Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo -  foi fundada em março de 2008, na sede da USE, na Capital do Estado. Entidade sem fins lucrativos, congrega advogados, juízes, promotores, procuradores, delegados de polícia, defensores públicos,  servidores da Justiça e dos órgãos policiais, professores e acadêmicos de Direito, enfim, pessoas que, direta ou indiretamente, trabalham na área jurídica e que se dispõem a debater, à luz da doutrina espírita (e, portanto, à luz da doutrina cristã), questões que permeiam as lides forenses. 

Qual a finalidade da Associação? 

Divulgar a doutrina espírita e contribuir para o aprimoramento moral e espiritual dos operadores do Direito espíritas e demais interessados, auxiliando-os no progresso individual. Com isso, também busca promover a paz e a espiritualização dos meios forenses, comumente marcados pelo materialismo e pela hostilidade. Mas também se propõe a contribuir para o aperfeiçoamento da legislação, a prestar assessoria jurídica preventiva e consultiva às casas e instituições espíritas, posicionar-se, publicamente e com base na doutrina espírita, acerca de temas e fatos sociais e juridicamente relevantes etc. 

Como a AJE surgiu? Ela está presente em todo o país? 

Inspirada pela Associação Médico-Espírita (AME), a AJE-SP nasceu da iniciativa de um grupo de aproximadamente 50 pessoas ligadas ao Direito. Foi precedida pelas AJE-RS e AJE-ES. Hoje existem instituições semelhantes em vários outros Estados. A AJE-SP promoveu, em 2010, o seu primeiro CONJURESP - Congresso Jurídico-Espírita, em Ribeirão Preto-SP. O tema central escolhido foi “Ética, Justiça e Espiritismo”. Na oportunidade, foi lançada a obra “Direito e Espiritismo” e criada a AJE-Brasil que tem entre os seus objetivos fomentar e dar suporte para a criação de novas AJEs em outras unidades da federação ou regiões. 

No caso paulista, quantos são os associados?  

A AJE paulista conta hoje com aproximadamente 220 associados. Está estruturada em oito núcleos regionais nas cidades de Araraquara, Campinas, Franca, Osasco, Ribeirão Preto, São José dos Campos, São José do Rio Preto e Sorocaba. Todos os núcleos são muito atuantes e a manutenção material dessa estrutura dá-se, basicamente, através das anuidades dos associados, doações, vendas de livros e de DVDs. 

Como a AJE São Paulo tem atuado? 

A AJE-SP promove encontros na Capital e em diversas cidades do interior paulista, sempre propondo debates que mesclam temas jurídicos, éticos, filosóficos e religiosos. Por exemplo: um dos encontros serviu para abordar o tema “É possível exercer autoridade com humildade?” À brilhante palestra proferida por um Juiz de Direito, seguiu-se interessante debate, com ampla participação dos presentes. Os palestrantes são, quase sempre, profissionais do Direito. Gente que assume gastos pessoais para se deslocar pelo Estado por amor a essa causa. Os encontros são sempre abertos e gratuitos. Alguns são gravados em DVD, o que permite a reprodução em outros Núcleos e a venda aos interessados, no sítio da AJE na internet (www.ajesaopaulo.com.br). 

Esses núcleos trabalham apenas com a organização de encontros? 

Os Núcleos trabalham de duas formas: organizam eventos semestrais, voltados para toda a comunidade. Através de palestras e seminários, todos os operadores do Direito e membros da comunidade são convidados a refletir sobre um tema proposto. Além disso, os Núcleos possuem grupos de estudos com reuniões mensais ou quinzenais. Neles há o estudo sistemático de obras jurídico-espíritas, inclusive aquelas produzidas pela própria Associação. Em Araraquara, por exemplo, o grupo de estudos ocupou-se, no último semestre, da análise das obras “A filosofia penal dos espíritas” (Fernando Ortiz) e “Direito e Espiritismo” (vários autores – publicação AJE-SP). A AJE, através de seus órgãos diretivos, também organiza estudos, cursos, simpósios, seminários, conferências, congressos, publicações, reportagens, encontros de dirigentes de vários Estados, firma parcerias etc. Para 2012 já está sendo organizado o II Congresso Jurídico-Espírita, o qual deverá acontecer em Campinas-SP, no mês de junho. 

Como professor na área do Direito e promotor de justiça, de que forma analisa a vinculação do Direito com a grandeza da doutrina espírita?  

O Espiritismo ensina a ver as coisas além das suas aparências e compreender a razão mais profunda dos acontecimentos da vida. O Direito, como ciência social, trabalha com esses mesmos fatos. A AJE alerta para a necessidade de se enxergar além da Constituição, dos códigos e das leis. Nas lides forenses existem razões maiores, aparentemente invisíveis, que devem ser reveladas pela reflexão de seus operadores. Os conflitos que chegam à Justiça não podem ser encarados como fatos ocasionais, acidentes sociais, meros desajustes. Mesmo o encontro de pessoas, partes, advogados, juízes, promotores, defensores etc., dentro de um mesmo processo, não deve ser atribuído ao acaso. O processo revela muito mais do que aquilo que está no papel, e do operador do Direito, espiritualizado, exige-se a argúcia para captar essas realidades e esgrimir soluções mais condizentes com a lei que a tudo rege: a lei de Deus. 

Atualmente, com tantos profissionais da área jurídica adeptos do Espiritismo, considera que isso tem trazido alterações e benefícios no cumprimento da Lei? 

Trabalhar com profissionais dotados dos referenciais doutrinários do Espiritismo é um avanço, em qualquer área do conhecimento humano. O jurista espírita não limita a sua visão e os seus propósitos ao quadrado materialista e minimalista do processo. Consegue  vislumbrar as suas causas mais profundas e, com isso, lutar por desfechos mais justos. Quem tem consciência de que suas responsabilidades ultrapassam as fronteiras do contrato, dos honorários e dos subsídios pagos pelo Estado, age impulsionado por valores que são verdadeiros. Recusa-se a compactuar com causas injustas e mira a sua atividade profissional para outros tesouros: aqueles a que se referia Jesus. Hoje é possível sentir uma mudança salutar na área do Direito. A própria AJE é um sinal inequívoco dessa mudança. Ainda é uma semente, um primeiro raio de sol lançado num cenário lúgubre e habitualmente alheio aos fatores espirituais que cercam as criaturas.  Mas nós, cristãos espíritas, temos consciência de que somos pequena porção, como o “sal” ou o “fermento”, porém, com enorme poder de transformação a que não podemos, inconsequentemente, renunciar. 

A evolução da mentalidade humana, com adoção crescente da fraternidade e do respeito às diferenças, tem-se refletido na seara do Direito? 

A lei do progresso parece clara nesses campos. Vivemos uma sociedade mais aberta e solidária, cada vez mais cônscia de que deve lutar por ideais de igualdade. Esse mesmo avanço é possível enxergar na legislação humana e nas decisões judiciais. Valores como a solidariedade, a fraternidade, a afetividade, que em outras épocas poderiam ser encarados apenas como parcelas de um humanismo filosófico ou religioso, chegam à Justiça. Basta examinar a dimensão protetiva dos direitos sociais, do Estatuto da Criança e do Adolescente, do Estatuto do Idoso, das leis previdenciárias, das recentes decisões no âmbito do Direito de Família para se aquilatar que uma revolução silenciosa e basilar está se processando. Vou exemplificar: em recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, em processo onde o pai biológico e legal reivindicava, contra o pai afetivo, a guarda de uma criança, acabou por prevalecer a superioridade dos laços da paternidade afetiva. O primeiro era o pai indicado na certidão de nascimento; o segundo era a pessoa que havia cuidado da criança por vários anos e quem ela, de fato, reconhecia como pai.  Em outras épocas, ninguém ousaria dizer que o pai biológico e documental não poderia fazer prevalecer o seu direito que decorre da certidão pública e da genética. Hoje a afetividade desponta, com reconhecimento formal da Justiça, como valor que está acima de tudo isso. 

Nos recentes eventos promovidos pela AJE, inclusive com fornecimento de certificado de participação, quais as repercussões sentidas?  

O Núcleo de Araraquara, que está sob a minha coordenação, teve uma experiência gratificante nestes três últimos semestres. Com o apoio da universidade onde leciono (cuja direção teve sensibilidade para apreender os propósitos da AJE, distantes de um mero proselitismo religioso), quatro eventos públicos atraíram, em média, duzentas pessoas, de diversos credos religiosos. Os números são significativos, sobretudo porque as palestras e seminários foram realizados em sábados pela manhã. O público principal, formado por alunos do Curso de Direito, foi fortemente sensibilizado pela qualidade das reflexões propostas. Os temas envolveram questões de família, a ética do advogado, os horizontes contemporâneos da filosofia do direito e o preconceito racial. O acompanhamento atento e as indagações que se seguiram evidenciaram que as sementes foram lançadas em solo fértil. Os ambientes são permeados de assistência espiritual afinada com os propósitos da associação e o público não poderia ser mais adequado. O afluxo dos acadêmicos de Direito indica que estamos no caminho certo de uma atuação preventiva e de formação dos futuros profissionais. Mais do que lutar pela reforma das estruturas existentes, é preciso mudar mentalidades e paradigmas dos futuros profissionais do Direito. 

Algo mais a acrescentar? 

Os Núcleos são abertos a todos os interessados, inclusive àqueles que não são ligados à área jurídica ou não são espíritas. O sítio da AJE na Internet (www.ajesaopaulo.com.br) fornece endereços eletrônicos para contato. Não há qualquer custo para a participação nos núcleos, nos eventos ou para a obtenção de certificados expedidos em cada encontro. O Núcleo de Araraquara tem reuniões mensais, no último sábado de cada mês, no prédio principal da Uniara – Centro Universitário de Araraquara. Além da troca de experiências pessoais, dedica-se, atualmente, ao estudo da obra básica “O céu e o inferno”, de Allan Kardec, cujo objeto é a mais perfeita das justiças: a divina.

Quero concluir relembrando as palavras de Humberto de Campos (Crônicas do Além Túmulo, psicografia de Chico Xavier): “nos mundos e nos espaços há uma figura de Argos observando todas as coisas. No seu tribunal do direito incorruptível, a Têmis divina arquiteta a trama dos destinos de todas as criaturas. E só nessa justiça pode o homem guardar a sua esperança, porque o direito humano, quase sempre filho da supremacia da força, é às vezes falho de verdade e sabedoria”. 



 


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 Revista Semanal de Divulgação Espírita