Denis Gleyce
Moreira:
“Jesus está
conosco, mas
estamos
ajudando?”
O autor do livro
A Grande
Transição da
Terra: o sentido
de urgência
diz que é
preciso libertar
o homem da
mentira que o
sistema nos
impõe ao
associar
felicidade a
consumo
|
Denis Gleyce
Pinto Moreira
(foto) nos
disse que teve a
bênção de ter
nascido na
cidade de Belém
do Pará, onde
reside
atualmente e
exerce o cargo
de Advogado da
União. Nos
últimos anos tem
focado sua
atuação
profissional na
área
socioambiental.
Espírita há 20
anos,
aproximadamente,
não chegou
|
ao Espiritismo
como um processo
de conversão e
sim de
descoberta.
Adequou-se
prontamente aos
seus postulados,
entendendo que
já os conhecia
de algum tempo e
lugar. Participa
do Centro
Espírita Jesus
de Nazareth e do
Grupo Amor e
Caridade, ambos
em Belém.
|
Recentemente
lançou pela
Editora Lumen a
excelente obra
A Grande
Transição da
Terra: o sentido
de urgência.
Em uma das suas
viagens de
lançamento da
obra, conversou
conosco de forma
gentil e amiga.
Como foi sua
iniciação no
Movimento
Espírita?
Dois livros me
conectaram ao
Espiritismo:
Exilados de
Capela, de Edgar
Armond, e Depois
da Morte, de
Léon Denis. Este
me arrebatou e
sua
espiritualidade
eloquente
apaixonou-me e
arrastou-me ao
estudo do
Espiritismo. Foi
um divisor de
identidade
pessoal, uma
pessoa antes e
outra depois.
Como vê a grande
transição da
Terra, conforme
o título do seu
livro
recentemente
lançado pela
Lumen Editorial?
Sob o ponto de
vista geral, a
Grande Transição
é a sinergia de
um conjunto de
fatos e
fenômenos que
funcionam como
elo entre o
final de um
ciclo evolutivo
e o início de
outro,
viabilizando não
só um processo
simultâneo de
progresso do
planeta, da
humanidade e da
espiritualidade,
mas também um
processo
seletivo, que
envolve ampla
migração de
Espíritos entre
planetas,
readequando o
quadro geral das
populações
espirituais e
humanas
envolvidas. Sob
o ponto de vista
íntimo de cada
ser, a Grande
Transição é um
estado de
espírito,
afetado
profundamente
pelos
acontecimentos
deste período
que promovem uma
transição no
íntimo do que
somos e do que
seremos.
Como construir o
ser ético nestes
tempos de
transição?
A resposta é
complexa, porque
somos seres
complexos. No
entanto, posso
resumir
afirmando que a
doutrina
espírita fornece
elementos
suficientes para
uma vida ética.
O que tenho
destacado é que
um aspecto
relevante dessa
ética é nossa
atitude para com
o planeta. Nesse
prisma,
permita-me
provocar o
leitor: ser
indiferente à
destruição que
está acontecendo
na Terra é
ético?
O que seria a
transição
individual?
O filósofo
pré-socrático
Heráclito
destaca a
importância da
mudança. Ninguém
pisa no mesmo
rio duas vezes,
porque o rio e a
pessoa mudam. Ou
seja, a mudança
faz parte da
dinâmica do
universo e da
vida. Precisamos
da mudança, do
movimento, da
transformação.
Assim como o
planeta passa
por grandes
mudanças, temos
também de nos
sintonizar com
essas mudanças,
temos de fazer
nossa transição
individual. Se a
transição
planetária exige
mais cuidado com
a natureza,
temos de
promover essa
mudança em
nossas vidas. Se
a transição
planetária exige
mais paz, temos
de promover esse
valor em nossa
conduta. Se a
transição
planetária exige
que pensemos
mais no
coletivo, temos
de transitar do
individualismo
para a
solidariedade.
Em suma, a
transição
individual é a
mudança de nosso
modelo mental
individualista,
materialista e
insustentável
para um modelo
coletivo,
espiritualizado
e sustentável.
Atualmente
verifica-se um
aumento muito
grande nas
doenças
psiquiátricas.
Pode discorrer
sobre o fato?
Esse é um
fenômeno que tem
chamado a
atenção de
muitos
estudiosos.
Dentre as
explicações
possíveis está a
constatação de
que nossa mente
está adoecendo
mais. Outra
hipótese é que o
aumento de
situações
caracterizadas
como doenças
psiquiátricas
atende a
interesses do
mercado da
indústria
farmacêutica.
Para além dos
estudos
psiquiátricos,
outras áreas do
conhecimento
confirmam que
vivemos um
momento de
mal-estar
civilizatório.
As pessoas
sentem que há
algo de errado.
Como foi seu
engajamento nas
propostas
ecológicas? Qual
seu objetivo?
Viver na
Amazônia
possibilita um
engajamento
natural nessa
temática. A cada
dia que nasce
temos notícias
de graves
problemas
ambientais
acontecendo,
alguns que nos
afetam
diretamente,
outros de forma
reflexa. Por
outro lado, aqui
vivem grandes
pensadores,
ativistas e
líderes da causa
ambiental e
muitos são
espíritas.
Portanto, temos
um ambiente
intelectual,
cultural e
espiritual que
propicia a
interação de
ativismo
ambiental com
espiritualidade.
Meu objetivo é
mostrar a
relação da
natureza com a
espiritualidade,
mostrar o poder
da atuação
individual e em
rede. Demonstrar
a complexidade
do desafio, o
sentido de
urgência e que
faz diferença
sim o
envolvimento de
cada um. Como
autor, tento
viabilizar ao
leitor a tríade
de ouro:
refletir,
preparar-se e
agir.
Em sua opinião,
como os
espíritas podem
participar com
eficácia nesses
debates?
Não há dúvida
sobre isso. Não
só podem. É um
dever ético,
sobretudo porque
temos
consciência que
o planeta está
passando por um
período
turbulento de
transição. E não
deve ser
envolvimento
apenas em
debates. Não
temos mais tanto
tempo para
somente boas
intenções.
Precisamos agir
como cidadãos,
cobrando
mudanças e
aderindo a novos
hábitos, como
consumidores,
evitando o
consumismo, o
materialismo e o
desperdício,
como pais,
educando nossos
filhos, como
filhos de Deus,
defendendo este
planeta
maravilhoso,
como espíritas,
aplicando o
evangelho e os
conhecimentos
espíritas em
nossa relação
com a natureza.
Em recente
palestra você
disse que, se
todas as nações
consumissem como
os Estados
Unidos o fazem
atualmente,
seriam
necessários
cinco planetas
Terra para
suprir tamanhos
consumos. O que
propor, então?
É preciso não
confundir
consumo com
consumismo.
Nossa vida na
matéria exige o
consumo para
suprir, por
exemplo,
necessidades de
alimentação.
Temos de
consumir. Mas
não precisamos
ser consumistas.
Isto é, consumir
com exagero,
impulsivamente.
Por outro lado,
temos de
combater o
desperdício.
Podemos
considerar uma
atitude
espiritualizada
jogar fora
comida em um
mundo com cerca
de 1 bilhão de
pessoas passando
fome? Temos de
consumir apenas
o necessário,
reinventar usos
e ter outro
olhar para o que
consideramos
lixo. É o tripé:
reduzir,
reutilizar e
reciclar. Em
2008, a
ONG
World Wildlife
Fund
concluiu que a
pegada ecológica
global excede
hoje algo em
torno de 30% a
capacidade de
regeneração
natural do
planeta. Desde
então, o ritmo
não diminuiu. E
nesse ritmo,
precisaremos,
por volta de
2030, de dois
planetas para
manter nosso
estilo de vida.
E se toda a
humanidade
consumir o que
os americanos
consomem, então
precisaremos de
cinco planetas.
Em várias
regiões da
Terra, os
estragos desse
ritmo de consumo
estão submetendo
milhares de
seres humanos a
uma vida
degradante e
miserável. Esse
cenário faz
parte da Grande
Transição, mas é
dever
ético-espiritual
de cada um de
nós lutar para
mudar esse
quadro.
Outra questão
ali levantada é
a de que por ano
perdemos cerca
de 1% do solo
fértil mundial.
Como participar
positivamente no
sentido de
minorar essa
realidade?
A perda de solo
fértil tem
relação direta
com a capacidade
de produção
alimentar da
humanidade no
futuro. Contudo,
em verdade,
temos de
posicionar esse
desafio em um
contexto mais
amplo, que
envolve a
degradação e
destruição de
vários
ecossistemas.
Infelizmente
muitas pessoas
não percebem que
participam do
problema. É
importante ter
consciência de
que construir
uma casa sobre o
mangue, que
comprar um móvel
construído com
madeira ilegal,
que ser
consumidor de
alimentos que
foram produzidos
destruindo o
solo e as
florestas é,
sim, fazer parte
do problema. Se
mudarmos, o
sistema muda e o
mundo muda
junto.
No capítulo II
do seu livro
você trata do
tema: O Sentido
de Urgência;
Exagero ou
Realismo? Em que
ponto estamos
hoje quanto ao
quesito
sustentabilidade
planetária?
Nos últimos anos
tivemos avanços
significativos.
Mas a questão
principal é: o
que estamos
fazendo é
suficiente,
considerando que
a destruição
também continua
e o tempo para
alguns riscos
graves é cada
vez menor? O
capítulo II traz
uma imensa
coletânea de
dados, estudos e
opiniões que
demonstram
inequivocamente
o sentido de
urgência, que,
aliás, foi um
dos aspectos
mais ressaltados
na Rio + 20.
Acredita que
vivemos hoje uma
Matrix real?
É uma metáfora
bem apropriada e
explico a lógica
disso no
capítulo III do
livro. Não há
como negar que
vivemos em um
sistema que
impõe um modelo
mental
individualista,
materialista e
insustentável.
Precisamos
despertar e ter
um novo olhar
para o mundo e a
realidade e,
nessa senda, o
Espiritismo tem
contribuições
inestimáveis
para dar.
Em sua opinião
os debates no
recente encontro
denominado
Rio+20
deixam-nos mais
confiantes no
engajamento das
lideranças
mundiais com
relação à
preservação do
Planeta?
Ter participado
da Rio + 20 foi
uma experiência
fantástica.
Havia um clima
de mobilização
de pessoas de
todo o planeta.
Uma verdadeira
fraternidade
universal.
Pudemos nos
sentir vibrando
na teia da vida.
Mas é preciso
entender que a
aceleração do
ritmo de
mudanças
positivas é
promovida com
mais destaque
pela sociedade
civil, pelas
pessoas comuns.
As autoridades
oficiais dos
países têm um
ritmo mais
lento, mais
reticente, pois
é mais complexo
você falar em
nome de uma
nação inteira
que congrega
visões de mundo
tão díspares e
interesses tão
contraditórios,
alguns dos quais
representam
setores
historicamente
ligados à
destruição dos
recursos
naturais do
planeta. Mas há
esperança, não
podemos abdicar
dela, mas não
pode ser uma
esperança
passiva. Temos
de nos envolver.
Jesus está no
leme?
Muito pertinente
sua pergunta.
Sim, Jesus está
no leme do navio
terrestre. Não
estamos sós, nem
cativos de
forças do acaso.
A
espiritualidade
está trabalhando
forte conosco.
Mas lembremos
que há leis que
regem a vida e
somos dotados de
livre-arbítrio.
Não adianta
sermos
destrutivos e
otimistas. Não
haverá mágicas.
Se plantarmos
pimenta, não
colheremos
morango. Toda
transição exige
uma travessia,
do antes ao
depois. E
travessias têm
seus riscos.
Nossas decisões
diárias, no uso
do
livre-arbítrio,
determinaram
nossa chegada a
este ponto atual
e determinarão
como será a
travessia para o
mundo de
regeneração. A
maioria dos
estudiosos
ambientais
desconsidera a
hipótese de mar
calmo. Em
verdade, já
estamos
enfrentando
tempestades, mas
podemos evitar
tsunamis. Jesus
está conosco,
mas estamos
ajudando?
Em sua opinião,
qual deve ser
hoje a essência
do debate
Ecologia x
Espiritismo?
São propostas de
vida
umbilicalmente
interligadas.
Ambas ampliam
nossa percepção
de vida e nos
ensinam o
respeito ao
sagrado, seja da
natureza, seja
da
espiritualidade.
Neste momento é
importante
debater aspectos
práticos da
Grande
Transição, tais
como a
necessidade de
mudança de
hábitos
destrutivos, os
riscos reais
desse momento, a
preparação para
como lidar com
alguns cenários
e eventos. O
processo de
espiritualização
do ser passa por
nos tornarmos
melhores em
todos os
quadrantes da
vida, o que
inclui
aperfeiçoarmos
nossa ética de
relação com o
planeta onde
estamos
encarnados.
Creio que só a
espiritualização
do ser humano
pode libertá-lo
da mentira que o
sistema nos
impõe ao
associar
felicidade a
consumo. A
felicidade não
depende de
consumirmos
mais. É um
estado de
espírito.
O que é pegada
ecológica?
É um indicador
de
sustentabilidade
ambiental. O
termo foi
primeiramente
usado pelo
ecologista
Willian Rees, em
1992. A
expressão
refere-se à
quantidade de
recursos
naturais
necessários para
sustentar nosso
estilo de vida,
considerando
todos os
recursos
materiais e
energéticos
gastos por uma
determinada
pessoa ou
população.
Também tem sido
utilizado para
medir a
sustentabilidade
do estilo de
vida de
produtos,
serviços e
organizações.
Pode discorrer
sobre a Teoria
de Medeia e a
Teoria de Gaia?
A teoria de
Medeia, do
paleontólogo
americano Peter
Ward, afirma que
a natureza faz
de tudo para nos
destruir. Ela se
aproxima da
visão de mundo
do biólogo
evolucionista
ateu Richard
Dawkins que
afirma que o
universo é
indiferente, sem
propósito. A
teoria de Gaia,
do cientista
inglês James
Lovelock, afirma
que a Terra
comporta-se como
um organismo
vivo, com
capacidade de
autorregulação e
autorregeneração.
Esta teoria foi
um avanço em
relação à visão
cartesiana de
que o planeta e
o universo eram
como máquinas.
Mas mesmo a
teoria de Gaia é
incompleta, pois
descarta a noção
de propósito no
universo. Por
isso, apresentei
a teoria de
Matergaia no
capítulo VIII,
onde mostro com
base no
Espiritismo e na
nova Cosmologia
que o universo é
inteligente, que
tem propósito e
que a Terra é
apenas um dentre
muitos planetas
em evolução.
Agradecemos e
pedimos suas
palavras finais.