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Entrevista Espanhol Inglês    
Ano 7 - N° 355 - 23 de Março de 2014
ISMAEL GOBBO
igobi@uol.com.br
Araçatuba, SP (Brasil)
 

 
Almir Del Prette: 

“Este é o momento de colocar a candeia bem visível” 

O conhecido escritor e palestrante paulista fala sobre sua
trajetória no meio espírita e diz que é preciso divulgar
mais os ensinos espíritas

 

Almir Del Prette (foto) é um trabalhador espírita que, desde a mocidade, participa do movimento. Iniciou-se na doutrina em sua cidade natal, Lins, no estado de São Paulo, com ajuda de grandes vultos espíritas, como Otávio Noronha Ribeiro, Antonio Alfonso, Israel Antonio Alfonso, Aylton Coimbra Paiva e sua esposa Maria Eny, Cláudio Antonio de Mauro, dentre outros.

Foi ativo na evangelização e no movimento de mocidades onde ministrou cursos e participou das conhecidas confraternizações. Depois da formação universitária residiu em várias cidades buscando se integrar nos Centros Espíritas locais e inserindo seus dois filhos na evangelização infantil. Finalmente, em 1995 retornou ao estado de São Paulo para a cidade de São Carlos onde completou sua carreira universitária ao lado da esposa Zilda com a qual escreveu vários livros e artigos científicos na área da Psicologia. 


Almir, poderia fazer-nos sua apresentação?

Meu nome completo é Almir Del Prette, nasci no ano de 1938 em Lins. Meus pais tiveram cinco filhos, três mulheres e dois homens. Duas de minhas irmãs, a mais nova e a mais velha, já retornaram à pátria espiritual. Minha mãe era católica e meu pai se dizia esotérico. Quando eu tinha seis ou sete anos, meus pais, não sei bem a razão, me matricularam em uma Escola Adventista. Acredito que essa experiência foi positiva, pois realçou mais ainda o clima de tolerância e liberdade religiosa que tínhamos. E com isso nunca me esqueci de meu primeiro professor, cujo nome era Abner da Silva Ramos. Devo mencionar que meu avô sempre morou conosco e foi muito importante, pois nos ajudou a manter a família estruturada, principalmente quando do desencarne de meus pais. Na mocidade namorei bastante, mas esses relacionamentos não se firmavam e somente me casei aos 38 anos. Um fato curioso é que, pouco depois de terminar a faculdade de Psicologia, com boa chance de trabalho onde morava, tomei a decisão de ir para Londrina onde conheci Zilda que foi minha aluna por um semestre letivo. Quando ela terminou o curso, começamos a namorar, casamos e trabalhamos juntos até hoje. Temos dois filhos: Lucas e Giovana.

Lembro-me que meus pais tinham muitos livros e eu queria lê-los todos, mas minha mãe selecionava e dizia com que idade eu poderia ler algumas obras. Vem dessa época minha paixão por livros. Quando eu tinha quase dezoito anos minha mãe ficou muito doente, vindo a desencarnar pouco depois. Esse acontecimento se traduziu para mim em uma grande crise religiosa que me conduziu ao materialismo ingênuo (descrença), depois ao marxismo (leitura de O Capital, o estado como superestrutura etc.). 

Qual sua formação acadêmica e profissional?

Sou psicólogo e professor. Também fiz pós-graduação, mestrado e doutorado. Atualmente sou aposentado, mas continuo trabalhando como professor voluntário, há dezessete anos, na mesma Universidade em que me aposentei, a Universidade Federal de São Carlos. Sou pesquisador do CNPq (Conselho Nacional de Pesquisa), entidade governamental, da qual tive bolsa de pesquisador, recentemente renovada. Minha área de investigação tem muita relação, de um lado, com minhas preocupações sociais (a cultura, a justiça social, o desenvolvimento das sociedades) e, de outro lado, com o interesse da renovação espiritual (relações interpessoais, interação social e habilidades sociais). 

Como você conheceu o Espiritismo e desde quando é espírita?

Quando eu tinha quase dezoito anos minha mãe ficou muito doente, vindo a desencarnar pouco depois. Esse acontecimento resultou em uma espécie de crise religiosa que me conduziu ao materialismo. Nesse período, também adoeci e estive hospitalizado por cerca de dois anos. Curiosamente, no hospital participei de dois grupos organizados. O primeiro grupo estudava o marxismo e atuava de maneira clandestina. Um dos líderes desse grupo era também espírita e isso me levou ao segundo grupo de internados espíritas que se reunia à noite, no único local disponível, uma sala anexa ao necrotério. Dizia-se, fazendo troça, que era um bom local para os espíritas se reunirem. Esse aspecto meio subversivo me empolgou. Mas a primeira vez que fui à reunião passei muito mal e, segundo alguém mais conhecedor da doutrina, tratava-se de mediunidade e da ação de alguns Espíritos que pretendiam atrapalhar qualquer possibilidade de me recuperar espiritualmente. Alguns deles ficaram por perto durante muito tempo, mas tenho esperança de que a maioria já me desculpou.

Na terceira vez que fui ao “necrotério”, conforme a gente dizia, já estava mais controlado e ocorreu um convite para uma reunião que espíritas da cidade de Lins iriam realizar em um domingo seguinte. Às vésperas do encontro eu não estava nada bem, mas tomei a decisão de ir. Essa reunião foi um acontecimento inesquecível para mim, pois representou uma ruptura na maioria das minhas concepções equivocadas, trazendo-me uma ideia mais correta da vida e do Criador.

No horário combinado, lá estavam o senhor Antonio Alfonso, pai do Israel Alfonso, Doutor Otávio Noronha Ribeiro e Maria Eny Rossettini, que ainda não era casada. O doutor Otávio falou sobre a evolução humana na Terra e Maria Eny relatou a experiência de André Luiz no mundo espiritual até a sua aceitação em Nosso Lar. Essa tarde de domingo marcou a minha conversão ao Espiritismo. Ainda fiquei um tempo no hospital e depois que recebi alta comecei a participar do movimento espírita de Lins e da região, especialmente das chamadas “concentrações”, onde conheci Ismael, Aylton, Ademar, César e tantos outros confrades. Isso ocorreu gradualmente, pois concomitante à minha melhora espiritual ocorreu a recuperação da saúde física. Em ambos os processos foram muitos os que me ajudaram de várias maneiras e sou grato a todos, mas nomeá-los aqui não seria pertinente. 

Poderia nos descrever sua trajetória pelo Movimento Espírita?

Minha trajetória no movimento espírita se iniciou com a frequência na mocidade espírita. Na época, a maioria das mocidades não era autônoma e funcionava como Departamento do Centro. No caso de Lins, o regimento do Centro previa um mentor, sendo nosso mentor, durante muito tempo, o Doutor Otávio, com quem os jovens mantinham um bom relacionamento. Doutor Otávio atuava em vários setores, inclusive na Biblioteca, e me orientou bastante em minhas leituras espíritas. Algum tempo depois, começou a me incentivar a escrever, o que vinha fazendo, ajudando Maria Eny na organização de apostilas para cursos nas confraternizações. Logo que passei a frequentar a mocidade, fui convidado pela Maria Eny para auxiliar na Evangelização Infantil, na ocasião coordenada pela Dinah Castro. Foi no trabalho na Evangelização Infantil que descobri minha vocação para o magistério, atividade que mantenho até hoje. Simultaneamente, lá pelos idos de 68, comecei a participar dos Cursos de Dirigentes de Mocidade Espírita, com Israel Alfonso, Aylton Paiva, Cláudio de Mauro, Maridélia e outros sob a liderança da Maria Eny. O Abel Glaser também participava e tinha um papel importante, pois, de certa maneira, dava respaldo institucional àquele movimento. Não se pode esquecer que o país vivia, no campo da política, os anos de chumbo e precisávamos ter muito cuidado e prudência, Esse foi um período muito bom, de muita leitura, discussão e aprendizagem. No período de minha formação universitária, em Bauru, diminuí bastante minha participação no movimento espírita, mas, curiosamente, em nossa sala tínhamos quatro espíritas. Na formatura, esse grupinho, com apoio de colegas simpatizantes, realizou um culto ecumênico com um padre, um pastor e um orador espírita, o Ademar Previdello. Outra experiência importante naquela época foi eu ter trabalhado, durante pouco mais de dois anos, como funcionário em um Hospital Psiquiátrico Espírita.  

E no trabalho de Unificação?

Minha participação na Unificação foi bastante restrita e ocorreu esporadicamente, quase sempre graças aos convites do Aylton Paiva, após nosso retorno de João Pessoa para morar no estado de São Paulo, primeiramente em Ribeirão Preto e depois em São Carlos, onde estamos até hoje. 

A que casa espírita está vinculado presentemente e quais os trabalhos que nela desenvolve?

Estou vinculado, desde que cheguei a São Carlos, à Sociedade Espírita Obreiros do Bem (SEOB), mas participo, principalmente como palestrante, em outros Centros, em especial no Batuíra. Já participei da diretoria e do conselho fiscal, mas atuo com mais frequência, juntamente com Zilda, dando cursos.

Como está o movimento espírita em São Carlos?

Minha impressão é bem positiva. O movimento espírita de São Carlos tem uma característica interessante. São Carlos tem cerca de 250 mil habitantes e conta com duas grandes universidades públicas (USP e Federal), então há muita gente que vem para cá para estudar, frequenta os Centros apenas durante alguns anos e depois retorna à sua cidade de origem. Dona Neide, esposa do senhor Apolo Oliva, costumava dizer que nossa vocação era a de ajudar na preparação desses jovens estudantes para eles retornarem às suas cidades, e se firmarem em seus Centros de origem. Ultimamente, a SEOB vem apoiando de diversas maneiras a organização e funcionamento de Centros Espíritas em bairros periféricos. 

Acha que esse movimento vai bem pelo Brasil e pelo mundo?

Não saberia fazer uma análise da abrangência do movimento espírita. A impressão que tenho é que hoje, tanto pela rapidez dos meios de comunicação, como pela facilidade de deslocamento, há uma maior possibilidade de divulgação. Acho que este é o momento de colocar a candeia bem visível. O que vi em algumas partes da Europa pode ser interpretado como um descontentamento com a religião, que se reflete, na atualidade, no movimento ateísta. Aparentemente devido ao desinteresse religioso, as igrejas diminuíram seus espaços para a prática religiosa e aumentaram a parte destinada ao turismo. Eu penso que a própria religião é responsável por esse desinteresse. É comum se observar, no meio universitário, as brincadeiras sobre as principais doutrinas religiosas, todavia os estudantes têm sede de conhecimento, derivado de análise lógica. Só para exemplificar, certa vez fomos convidados por estudantes de uma Universidade Pública para darmos um curso sobre Habilidades Sociais (tema que estudamos), Religião e Ética. A maioria dos presentes disse não frequentar nenhum agrupamento religioso, mas todos estavam ali por interesse no assunto. Logo ao iniciarmos o curso, expusemos aos alunos o nosso viés, ou seja, iríamos falar na perspectiva de quem aceita a noção de um criador para o universo, ainda que não a de um Deus criado à nossa imagem e semelhança. Verificamos que no grupo de alunos, quase uma centena, a maioria era ateísta, mas tudo transcorreu muito bem, com diálogo respeitoso. Ao final, muitos vieram nos cumprimentar e três jovens se revelaram como espíritas. 

Quais falhas você enxerga e o que precisa ser corrigido?

Como minha participação não é tão intensa quanto eu gostaria, não me sinto capaz de uma análise mais profunda. De qualquer maneira, recorro a Kardec que identificava a missão do Espiritismo como um recurso importante no combate ao egoísmo e ao materialismo. Tendo em vista esse desencanto com a religião, o movimento espírita deveria enfatizar as principais diferenças da doutrina espírita em relação à teologia tradicional, pois o deus bíblico justifica o crescimento do materialismo e do ateísmo. Outro aspecto que considero muito importante diz respeito ao materialismo e, especificamente, ao movimento ateísta. A maioria dos que se dizem ateus não querem mais viver na ilusão, não aceitam um “deus menor”. E temos que concordar que eles têm razão nesse ponto. A humanidade, ainda na sua infância, fez uma pergunta equivocada: “quem é Deus?”. A resposta a essa pergunta trouxe o que temos por aí. Precisamos analisar esse equívoco com a alternativa que Kardec colocou: “O que é Deus”? Finalmente, tanto ou mais desastroso que o materialismo científico é o materialismo religioso. Este está em toda parte, solapa a boa intenção, subverte a verdade e mina o esforço do progresso da humanidade. A maioria de nós que tem interesse pela transcendência ajudou a forjar esse deus menor e a inculcar na mente humana essa representação da divindade, cabe-nos então a tarefa de restituir à verdade, a começar em nós mesmos. 

Tem alguma obra escrita?

Zilda e eu publicamos alguns livros na área em que trabalhamos: a do relacionamento interpessoal. Temos um site: www.rihs.ufscar.br que divulga teses, artigos, livros, eventos do nosso grupo de pesquisa. 

De que elas tratam?

A maioria focaliza o tema relações interpessoais e áreas afins. Temos até um livro dedicado à infância: “Já pensou se todo mundo torcesse pelo mesmo time?”. Contudo, entre os nossos trabalhos temos um livro, “Habilidades Sociais - O Modelo de Jesus”, editado pela Vozes, que focaliza a competência interpessoal de Jesus. Acredito que fomos inspirados na execução dessa obra. O original foi submetido a líderes católicos, protestantes e espíritas com a solicitação de que anotassem qualquer ideia que poderia contrariar a doutrina que professavam. Isto porque queríamos um livro que focasse os comportamentos de Jesus, mas sem nenhuma conotação doutrinária ou teológica. Em outras palavras, diante de inúmeras situações (no templo, na rua, no casamento, na família, no tribunal etc.) e diferentes pessoas (pobre, rico, fariseu, mulher, discípulo, enfermo, autoridade etc.), nosso interesse recai em como Jesus se comportava. O resultado desse trabalho tem sido muito compensador. Temos recebido cartas de pastores, líderes católicos, colegas que têm adotado o livro como referência em cursos e/ou atividades pastorais. Recentemente, minha cunhada, que é católica e participa de um grupo de estudo ecumênico, nos relatou muito feliz que o assunto em discussão havia sido transcrito desse livro, que já foi reeditado. 

Tem saído para fazer palestras em outras cidades?

Raramente tenho feito palestras fora da cidade de São Carlos. Preferimos aceitar convites para cursos que entendemos poder oferecer uma colaboração mais efetiva dentro de nossos recursos. 

Como pode ser contatado?

Além do nosso site (acima citado), meu endereço é: adprette@ufscar.br

Algo mais que queira acrescentar?

Agradecer esta oportunidade que você me possibilitou, agradecer a paciência dos leitores e também agradecer aos Espíritos amigos que nos auxiliam em nossa renovação espiritual.



 


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O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita