Esquecimento
Para a doutrina espírita, o esquecimento das vidas
passadas é necessário para que possamos ter uma nova
oportunidade de crescimento e evolução espiritual em
cada reencarnação. Se tivéssemos pleno acesso às
memórias de nossas vidas passadas, poderíamos carregar
um peso emocional muito grande, o que poderia dificultar
nosso progresso espiritual no presente.
O esquecimento das vidas passadas nos permite iniciar
uma nova jornada com uma mente mais limpa, livre de
traumas e ressentimentos do passado, o que nos dá a
oportunidade de agir de forma diferente e fazer escolhas
mais acertadas no presente. Além disso, o esquecimento
nos dá a chance de aprender com nossos erros e evoluir
espiritualmente sem estar preso a acontecimentos
passados.
Dessa forma, o esquecimento das vidas passadas é visto
como algo benéfico e necessário para a nossa evolução
espiritual, pois nos permite viver o presente de maneira
mais plena e focada no crescimento pessoal.
Deste modo, “entrando na vida corporal, o Espírito
perde momentaneamente a lembrança de suas existências
anteriores, como se um véu as ocultasse. Todavia, ele
tem algumas vezes uma vaga consciência e elas podem
mesmo lhe serem reveladas em certas circunstâncias; mas
é apenas pela vontade de Espíritos superiores que o
fazem espontaneamente, com um fim útil e jamais para
satisfazer uma vã curiosidade” (KARDEC, 1990, p.
185).
Mesmo ao retornar ao Mundo Espiritual pelo fenômeno
natural da desencarnação, o Espírito não se recorda
imediatamente das existências pregressas. Aliás, nas
obras complementares, encontramos fecundo material a
este respeito de que o processo não é tão simples.
Em Voltei, irmão Jacob, diz-nos:
“Quando o benfeitor terminou, indaguei então acerca do
meu próprio estado íntimo. Já que findara minha
existência no veículo de carne, por que não reentrar na
posse do passado? Por que razão não lembrava o período
anterior ao meu retorno à carne? Por que me surpreendia,
ante os espetáculos da vida livre, se da vida livre me
ausentara, um dia, a fim de reencarnar-me? Não seria a
morte simples regresso da alma ao pátrio lar? Em que
causas se me enraizaria o esquecimento?
O Irmão Andrade ouviu-me sereno e informou que a
reencarnação e a desencarnação constituem vigorosos e
renovadores choques para o ser e que se, em alguns
casos, era possível o reajustamento imediato da memória,
quando a criatura já atingiu significativo grau de
elevação, na maior parte das vezes a reabsorção das
reminiscências se verifica muito vagarosa e
gradualmente, evitando-se perturbações destrutivas.
Podemos simbolizar a mente numa casa suscetível de
povoar-se com valores legítimos ou transitórios, quando
não esteja atulhada de inutilidades e viciações.
Alimentando-se na Crosta da Terra com muitas ideias e
paixões não perduráveis, aproveitadas pelo Espírito
apenas por material didático, a não ser em processo
expiatório para esvaziar-se do mal ou da ilusão, não lhe
é possível o mergulho indiscriminado no pretérito,
medida essa que lhe seria ruinosa, mormente na ocasião
em que se desenfaixa do corpo denso, de carne.
Explicou que alguns companheiros usam excitações e
processos magnéticos para adquirirem a lembrança
avançada no tempo; no entanto, de acordo com a própria
experiência, aconselhava submissão aos recursos da
Natureza, de modo a retomarmos o pretérito com vagar,
sem alterações de consequências deploráveis, até que, um
dia, plenamente iluminados, possamos conquistar a
memória integral nos círculos divinos”. (JACOB,
2007, pp. 95-96).
Depreende-se do excerto que a recordação do passado é a exceção;
destinada somente aos Espíritos de expressiva elevação.
A regra geral, dadas as condições em que nos
encontramos, é de recordação gradual de algumas
existências e não plena. Tal se dá de maneira paulatina,
com o concurso da Natureza e somente dos fatos que terão
um fim útil para o nosso desenvolvimento espiritual.
Em Nosso Lar, de André Luiz, interpela Dona
Laura:
“- Senhora Laura – exclamei, interrompendo-a –, permita,
por obséquio, um aparte. Perdoe a curiosidade; no
entanto, até agora, ainda não pude conhecer mais
detidamente o que se relaciona com o meu passado
espiritual. Não estou isento dos laços físicos? Não
atravessei o rio da morte? A senhora recordou o passado,
logo após sua vinda, ou esperou o concurso do tempo?
̶ Esperei-o – replicou, sorridente ̶ ; antes de tudo,
é indispensável nos despojarmos das impressões físicas.
As escamas da inferioridade são muito fortes. É preciso
grande equilíbrio para podermos recordar, edificando. Em
geral, todos temos erros clamorosos, nos ciclos da vida
eterna. Quem lembra o crime cometido costuma-se
considerar-se o mais desventurado do Universo; e quem
recorda o crime de que foi vítima, considera-se em conta
de infeliz, do mesmo modo. Portanto, somente a alma,
muito segura de si, recebe tais atributos como
realização espontânea. As demais são devidamente
controladas no domínio das reminiscências, e, se tentam
burlar esse dispositivo da lei, não raro tendem ao
desequilíbrio e à loucura.
̶ Mas a senhora recordou o passado de maneira natural?
– perguntei.
̶ Explico-me – respondeu bondosamente ̶ ; quando se me
aclarou a visão interior, as lembranças vagas me
causavam perturbações de vulto. Coincidiu que me marido
partilhava o mesmo estado d’alma. Resolvemos ambos
consultar o assistente Longobardo. Esse amigo, depois de
minucioso exame das nossas impressões, nos encaminhou
aos magnetizadores do Ministério do Esclarecimento.
Recebidos com carinho, tivemos acesso em primeiro lugar
à Seção do Arquivo, onde todos nós temos anotações
particulares. Aconselharam-nos os técnicos daquele
Ministério a ler nossas próprias memórias, durante dois
anos, sem prejuízo de nossa tarefa do Auxílio,
abrangendo o período de três séculos. O chefe do serviço
de Recordações não nos permitiu a leitura de fases
anteriores, declarando-nos incapazes de suportar as
lembranças correspondentes a outras épocas.
̶ E bastou a leitura para que se sentisse na posse das
reminiscências? – atalhei, curioso.
̶ Não. A leitura apenas informa. Depois de longo
período de meditação para esclarecimento próprio, e como
surpresas indescritíveis, fomos submetidos a
determinadas operações psíquicas, a fim de penetrar os
domínios emocionais das recordações. Os espíritos
técnicos no assunto nos aplicaram passes no cérebro,
despertando certas energias adormecidas... Ricardo e eu
ficamos, então, senhores de trezentos anos de memória
integral. Compreendemos, então, quão grande é ainda o
nosso débito para com as organizações do planeta!... (LUIZ,
2002, pp. 117-118).
Percebemos, mais uma vez, na exposição de dona Laura,
que o processo de recordação de vidas passadas não é tão
simples e, outrossim, pode ser perturbador para o
Espírito que não esteja despojado por completo das
“escamas” materiais.
Isto posto, é imperioso considerarmos que a recordação
do passado só é autorizada pelas entidades venerandas
para um fim útil e que tenha por escopo o nosso
desenvolvimento; que sirva de mote para o planejamento
reencarnatório subsequente, enfim.
Enquanto encarnados, nós temos determinadas inclinações;
tendências que estão adormecidas no íntimo da alma e
que, não sabemos explicar muito bem, elas pautam nossas
vidas, se boas. E exigem um grande esforço de nossa
parte, se são comportamentos ruins.
Observamos também que algumas crianças nascem com certas
conquistas de vidas pregressas e deixam a todos
estupefatos quando tocam piano em tenra idade; ou falam
diversos idiomas; escrevem poesias extremamente belas e
complexas; executam cálculos; enfim. Certamente, são
conquistas do Espírito reencarnante.
Por fim, observamos alguns profissionais inescrupulosos
(e o mesmo se aplica a médiuns irresponsáveis) que
procuram desvelar o passado das pessoas para justificar
determinadas ações, comportamentos, etc. Falam que a
pessoa foi rei, rainha (curioso que é sempre alguém de
destaque); recordam 500 anos, 1.000 anos, 5.000 anos
atrás, que é um tremendo engodo e irresponsabilidade.
Não desconsideramos que há áreas extremamente sérias da
Psicologia que buscam na regressão de memória
ressignificar determinados traumas. Mas, há que se ter
acentuado cuidado nessas incursões sob o risco de trazer
mais danos ao paciente do que melhoria. Se na condição
espiritual o problema é complexo e exige recursos
melindrosos, que dirá da vida na Terra.
Portanto, o esquecimento não foi feito pelo Sempiterno
para nos prejudicar. Aliás, o Criador nada faz neste
sentido. Ele nos permite a cada amanhecer, escrever uma
página nova no livro da vida e espera-nos de braços
abertos, amoroso e compassivo.
Ademais, o que está feito não há como modificar. Porém,
escrevemos no hoje o nosso porvir. Devemos sempre olhar
para frente e para o alto! Na certeza de que Ele não nos
desampara jamais.
Referências:
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Instituto
de Difusão Espírita – IDE, 1990.
JACOB, Irmão (Espírito). Voltei. Francisco
Cândido Xavier. 26. ed. Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, 2007.
LUIZ, André (Espírito). Nosso Lar. Francisco
Cândido Xavier. 52. ed. Rio de Janeiro, Federação
Espírita Brasileira, 2002.
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