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por Marcos Paulo de Oliveira Santos

 

Esquecimento


Para a doutrina espírita, o esquecimento das vidas passadas é necessário para que possamos ter uma nova oportunidade de crescimento e evolução espiritual em cada reencarnação. Se tivéssemos pleno acesso às memórias de nossas vidas passadas, poderíamos carregar um peso emocional muito grande, o que poderia dificultar nosso progresso espiritual no presente.

O esquecimento das vidas passadas nos permite iniciar uma nova jornada com uma mente mais limpa, livre de traumas e ressentimentos do passado, o que nos dá a oportunidade de agir de forma diferente e fazer escolhas mais acertadas no presente. Além disso, o esquecimento nos dá a chance de aprender com nossos erros e evoluir espiritualmente sem estar preso a acontecimentos passados.

Dessa forma, o esquecimento das vidas passadas é visto como algo benéfico e necessário para a nossa evolução espiritual, pois nos permite viver o presente de maneira mais plena e focada no crescimento pessoal.

Deste modo, “entrando na vida corporal, o Espírito perde momentaneamente a lembrança de suas existências anteriores, como se um véu as ocultasse. Todavia, ele tem algumas vezes uma vaga consciência e elas podem mesmo lhe serem reveladas em certas circunstâncias; mas é apenas pela vontade de Espíritos superiores que o fazem espontaneamente, com um fim útil e jamais para satisfazer uma vã curiosidade” (KARDEC, 1990, p. 185).

Mesmo ao retornar ao Mundo Espiritual pelo fenômeno natural da desencarnação, o Espírito não se recorda imediatamente das existências pregressas. Aliás, nas obras complementares, encontramos fecundo material a este respeito de que o processo não é tão simples.

Em Voltei, irmão Jacob, diz-nos:

“Quando o benfeitor terminou, indaguei então acerca do meu próprio estado íntimo. Já que findara minha existência no veículo de carne, por que não reentrar na posse do passado? Por que razão não lembrava o período anterior ao meu retorno à carne? Por que me surpreendia, ante os espetáculos da vida livre, se da vida livre me ausentara, um dia, a fim de reencarnar-me? Não seria a morte simples regresso da alma ao pátrio lar? Em que causas se me enraizaria o esquecimento?

O Irmão Andrade ouviu-me sereno e informou que a reencarnação e a desencarnação constituem vigorosos e renovadores choques para o ser e que se, em alguns casos, era possível o reajustamento imediato da memória, quando a criatura já atingiu significativo grau de elevação, na maior parte das vezes a reabsorção das reminiscências se verifica muito vagarosa e gradualmente, evitando-se perturbações destrutivas.

Podemos simbolizar a mente numa casa suscetível de povoar-se com valores legítimos ou transitórios, quando não esteja atulhada de inutilidades e viciações. Alimentando-se na Crosta da Terra com muitas ideias e paixões não perduráveis, aproveitadas pelo Espírito apenas por material didático, a não ser em processo expiatório para esvaziar-se do mal ou da ilusão, não lhe é possível o mergulho indiscriminado no pretérito, medida essa que lhe seria ruinosa, mormente na ocasião em que se desenfaixa do corpo denso, de carne.

Explicou que alguns companheiros usam excitações e processos magnéticos para adquirirem a lembrança avançada no tempo; no entanto, de acordo com a própria experiência, aconselhava submissão aos recursos da Natureza, de modo a retomarmos o pretérito com vagar, sem alterações de consequências deploráveis, até que, um dia, plenamente iluminados, possamos conquistar a memória integral nos círculos divinos”. (JACOB, 2007, pp. 95-96).

Depreende-se do excerto que a recordação do passado é a exceção; destinada somente aos Espíritos de expressiva elevação. A regra geral, dadas as condições em que nos encontramos, é de recordação gradual de algumas existências e não plena. Tal se dá de maneira paulatina, com o concurso da Natureza e somente dos fatos que terão um fim útil para o nosso desenvolvimento espiritual.

Em Nosso Lar, de André Luiz, interpela Dona Laura:

“- Senhora Laura – exclamei, interrompendo-a –, permita, por obséquio, um aparte. Perdoe a curiosidade; no entanto, até agora, ainda não pude conhecer mais detidamente o que se relaciona com o meu passado espiritual. Não estou isento dos laços físicos? Não atravessei o rio da morte? A senhora recordou o passado, logo após sua vinda, ou esperou o concurso do tempo?

̶  Esperei-o – replicou, sorridente  ̶  ; antes de tudo, é indispensável nos despojarmos das impressões físicas. As escamas da inferioridade são muito fortes. É preciso grande equilíbrio para podermos recordar, edificando. Em geral, todos temos erros clamorosos, nos ciclos da vida eterna. Quem lembra o crime cometido costuma-se considerar-se o mais desventurado do Universo; e quem recorda o crime de que foi vítima, considera-se em conta de infeliz, do mesmo modo. Portanto, somente a alma, muito segura de si, recebe tais atributos como realização espontânea. As demais são devidamente controladas no domínio das reminiscências, e, se tentam burlar esse dispositivo da lei, não raro tendem ao desequilíbrio e à loucura.

̶  Mas a senhora recordou o passado de maneira natural? – perguntei.

̶  Explico-me – respondeu bondosamente  ̶ ; quando se me aclarou a visão interior, as lembranças vagas me causavam perturbações de vulto. Coincidiu que me marido partilhava o mesmo estado d’alma. Resolvemos ambos consultar o assistente Longobardo. Esse amigo, depois de minucioso exame das nossas impressões, nos encaminhou aos magnetizadores do Ministério do Esclarecimento. Recebidos com carinho, tivemos acesso em primeiro lugar à Seção do Arquivo, onde todos nós temos anotações particulares. Aconselharam-nos os técnicos daquele Ministério a ler nossas próprias memórias, durante dois anos, sem prejuízo de nossa tarefa do Auxílio, abrangendo o período de três séculos. O chefe do serviço de Recordações não nos permitiu a leitura de fases anteriores, declarando-nos incapazes de suportar as lembranças correspondentes a outras épocas.

̶  E bastou a leitura para que se sentisse na posse das reminiscências? – atalhei, curioso.

̶  Não. A leitura apenas informa. Depois de longo período de meditação para esclarecimento próprio, e como surpresas indescritíveis, fomos submetidos a determinadas operações psíquicas, a fim de penetrar os domínios emocionais das recordações. Os espíritos técnicos no assunto nos aplicaram passes no cérebro, despertando certas energias adormecidas... Ricardo e eu ficamos, então, senhores de trezentos anos de memória integral. Compreendemos, então, quão grande é ainda o nosso débito para com as organizações do planeta!... (LUIZ, 2002, pp. 117-118).

Percebemos, mais uma vez, na exposição de dona Laura, que o processo de recordação de vidas passadas não é tão simples e, outrossim, pode ser perturbador para o Espírito que não esteja despojado por completo das “escamas” materiais.

Isto posto, é imperioso considerarmos que a recordação do passado só é autorizada pelas entidades venerandas para um fim útil e que tenha por escopo o nosso desenvolvimento; que sirva de mote para o planejamento reencarnatório subsequente, enfim.

Enquanto encarnados, nós temos determinadas inclinações; tendências que estão adormecidas no íntimo da alma e que, não sabemos explicar muito bem, elas pautam nossas vidas, se boas. E exigem um grande esforço de nossa parte, se são comportamentos ruins.

Observamos também que algumas crianças nascem com certas conquistas de vidas pregressas e deixam a todos estupefatos quando tocam piano em tenra idade; ou falam diversos idiomas; escrevem poesias extremamente belas e complexas; executam cálculos; enfim. Certamente, são conquistas do Espírito reencarnante.

Por fim, observamos alguns profissionais inescrupulosos (e o mesmo se aplica a médiuns irresponsáveis) que procuram desvelar o passado das pessoas para justificar determinadas ações, comportamentos, etc. Falam que a pessoa foi rei, rainha (curioso que é sempre alguém de destaque); recordam 500 anos, 1.000 anos, 5.000 anos atrás, que é um tremendo engodo e irresponsabilidade.

Não desconsideramos que há áreas extremamente sérias da Psicologia que buscam na regressão de memória ressignificar determinados traumas. Mas, há que se ter acentuado cuidado nessas incursões sob o risco de trazer mais danos ao paciente do que melhoria. Se na condição espiritual o problema é complexo e exige recursos melindrosos, que dirá da vida na Terra.

Portanto, o esquecimento não foi feito pelo Sempiterno para nos prejudicar. Aliás, o Criador nada faz neste sentido. Ele nos permite a cada amanhecer, escrever uma página nova no livro da vida e espera-nos de braços abertos, amoroso e compassivo.

Ademais, o que está feito não há como modificar. Porém, escrevemos no hoje o nosso porvir. Devemos sempre olhar para frente e para o alto! Na certeza de que Ele não nos desampara jamais. 


Referências:

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. Instituto de Difusão Espírita – IDE, 1990.

JACOB, Irmão (Espírito). Voltei. Francisco Cândido Xavier. 26. ed. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 2007.

LUIZ, André (Espírito). Nosso Lar. Francisco Cândido Xavier. 52. ed. Rio de Janeiro, Federação Espírita Brasileira, 2002.



 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita