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por Juan Carlos Orozco

 

Enxergar o passado pelo presente


Esta reflexão veio à mente após ler o livro Indulgência, do Espírito Emmanuel, na psicografia de Francisco Cândido Xavier, em que alguns textos chamaram a atenção para a conexão da vida presente com existências anteriores, evidenciando uma relação de causa e efeito do planejamento reencarnatório com certas circunstâncias vividas.

Como espírita, sempre tive a curiosidade de saber algo das vidas pregressas, com a vontade de indagar uma entidade espiritual sobre elas, diante de um médium vidente, de psicofonia ou de psicografia, ou receber uma dica por intermédio de um sonho.

De maneira geral, essas revelações não são possíveis enquanto no corpo físico, principalmente em virtude dos benefícios do véu do esquecimento que apaga o passado existencial de nossa memória, criando oportunidades para corrigir as faltas cometidas e evoluir moral e espiritualmente.

Haroldo Dutra Dias, em palestra no YouTube, “O Desejo e o Destino”, comenta acerca do esquecimento do passado, dizendo que não estamos de posse de toda a nossa memória. Há aspectos positivos e negativos nisso. Se pudéssemos lembrar de todos os nossos vínculos de sofrimento e de todas as nossas ações inconsequentes, talvez não tivéssemos um sorriso tão espontâneo. Mas, Deus nos quer sorrindo. O Criador concede a benção do esquecimento para recomeçar, reconstruir, refazer, reconstituir, recompor o destino, sem julgamentos e condenações. Por outro lado, também não lembramos, com nitidez, as nossas potencialidades, as quais fluem para o inconsciente como intuições, aptidões ou talentos. Seria como um processo de memória reduzida.

O fenômeno do esquecimento de existências anteriores acompanha a reencarnação do Espírito desde a sua união ao embrião pelo laço fluídico (perispírito) até o seu retorno ao plano espiritual, quando recupera a lembrança do seu passado.

Com o nascimento, o Espírito começa a recuperar suas faculdades, desenvolvendo-as à medida que formam os órgãos. Ao mesmo tempo, o Espírito restabelece a consciência de si mesmo, porém sem a lembrança do passado, mantendo as faculdades, qualidades e aptidões adquiridas anteriormente, que estavam em estado de latência, pois estes o ajudarão a fazer mais e melhor do que antes.

O Espírito renasce para continuar e melhorar o trabalho interrompido. O renascimento é novo ponto de partida, mais um degrau a subir, graças à bondade do Criador, visto que a lembrança do passado, muitas vezes penosa e humilhante, adicionada aos amargores de uma nova existência, poderia perturbá-lo e criar embaraços.

Pelo esquecimento do passado, surge um novo ser, por mais antigo que seja o seu Espírito, adotando novos processos, auxiliado pelas suas aquisições anteriores.

Quando retornar ao plano espiritual, a lembrança do passado se desdobrará diante de seus olhos, sabendo se empregou bem ou mal seu tempo. Com isso, não há solução de continuidade na vida espiritual, pois o Espírito imortal é o mesmo, sendo apenas mais uma fase de sua existência.

Em O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, a resposta à questão 264 esclarece que, no planejamento reencarnatório, o Espírito escolhe as provas de acordo com a natureza de suas faltas, as que o levem à expiação destas e a progredir mais depressa. Uns impõem a si mesmos uma vida de misérias e privações, objetivando suportá-las com coragem; outros preferem experimentar as tentações da riqueza e do poder, muito mais perigosas, pelos abusos e má aplicação a que podem dar lugar, pelas paixões inferiores que uma e outros desenvolvem; muitos, finalmente, se decidem a experimentar suas forças nas lutas que terão de sustentar em contato com o vício.

Por esse esclarecimento, verifica-se que as provas e expiações na vida conectam-se com o planejamento reencarnatório do plano espiritual, sendo consequências das escolhas realizadas pelo Espírito em face da natureza das faltas cometidas, pois a superação delas o conduzirá a subir mais um degrau na escala evolutiva.

Assim, pelo véu do esquecimento, não entendemos o porquê de determinadas circunstâncias, ocorrências, fatos e adversidades na nossa vida, que refletem o passado existencial de cada um de nós.

Com essa compreensão, podemos ter uma leve noção do que somos pelo que fomos em face das características das provas e expiações da vida presente, despertando para a tarefa a ser realizada que se apresenta diante de nós.

Por exemplo, no cap. 12 – Jugo mental, do livro Indulgência, Emmanuel traz uma mensagem a respeito da relação entre causas da vida passada que predem o ser humano em jugo mental pela dolorosa verdade despertada no plano espiritual, as quais solicitam exame e entendimento do Espírito para evitar efeitos ruins no futuro. O Benfeitor ensina:

“Repara, enquanto é cedo, o jugo mental a que te prendes.

Gravitando em torno da sociedade terrestre, encontramos milhões de criaturas desencarnadas, nos mais dolorosos tipos de escravidão, juguladas pelas teias comburentes da angústia e da crueldade, no cárcere da ignorância de que fizeram no mundo a própria razão de ser.

No corpo físico, engodavam-se na superfície do reconforto.

Na esfera espiritual, acordam na verdade profunda que lhes solicitava exame e entendimento.

Sacerdotes, que se iludiam na superestimação dos próprios valores, despertam retardados e infelizes, buscando alçar o nível da caridade à sistemática adoração em que se encravaram, desprevenidos.

Médicos, que obscureciam a mente com a visão do lucro fácil, a detrimento da saúde dos semelhantes, reencontram-se em desespero, disputando a felicidade de servir, para reaprenderem o apostolado da cura.

Juízes, que ensombraram as próprias ideias no mercado das consciências, ressurgem dentro de si mesmos, entre remorsos e lágrimas, procurando o caminho de retorno à verdadeira justiça.

Pais humanos, que mentiram à própria alma, acalentando nos filhos o devotamento à facilidade e ao dinheiro, retomam-se na realidade amargosa, regressando ao lar de que foram espiritualmente alijados, pela ingratidão ou pela censura, tentando reconduzir os próprios rebentos à bênção do trabalho honesto, em supremo esforço de redenção da família.

Mulheres notáveis pela inteligência e pelas virtudes domésticas, que enevoaram os sentimentos com a deserção da maternidade sublime, choram as oportunidades perdidas, buscando missões de dor e sacrifício ao pé de criancinhas desesperadas, através de renúncias dilacerantes.

Se procuras, assim, o clima da Vida Eterna, ao Sol da Nova Revelação, oferece teus ombros ao jugo do Cristo, entre as obrigações que a fé te preceitua no caminho do bem incondicional e constante, porque a existência na Terra é também empréstimo do Céu com receita e despesa, compromisso e pagamento, e apenas sob a cruz leve do nosso dever para com Jesus, agora, é que evitaremos a cruz asfixiante e destruidora que as paixões desgovernadas talharão para nosso espírito, no tempo atormentado que virá fatalmente depois.”

Percebe-se, por Emmanuel: somos consequência do que fomos para melhorar, evoluir e realizar a decisão no plano espiritual para viver uma nova existência. O Espírito desperta, no mundo espiritual, acerca do que fez no mundo físico, reclamando nova oportunidade para evitar “a cruz asfixiante e destruidora que as paixões desgovernadas talharão para nosso espírito, no tempo atormentado que virá fatalmente depois”.

Se olhar para a vida atual pode-se ter uma noção das provas e expiações em relação ao passado, e uma ideia do que realizar para reparar as faltas anteriores.

Nos exemplos de Emmanuel, sacerdotes, médicos, juízes, pais e mulheres notáveis depararam-se com a realidade de suas situações evolutivas, buscando lições corretivas em novas experiências para impulsionar seus progressos moral e espiritual.

No livro Indulgência, Cap. 4 – Reencarnação, Emmanuel esclarece mais:

“Todavia, é imperioso reconhecer que todas as nossas falhas são registradas em nós mesmos, constrangendo a Justiça Eterna a providências de reajuste em nosso favor, no instituto universal da reencarnação, que dispõe de infinitos recursos para o trabalho regenerativo. (...)

No entanto, por isso mesmo também, renascemos sob doloroso regime de sanções, dilacerados por nós mesmos, nas possibilidades que outrora desfrutávamos e que passam a sofrer frustrações aflitivas.

Moléstias do corpo e impedimentos do sangue, mutilações e defeitos, inquietações e deformidades, fobias complexas e deficiências inúmeras constituem pontos de corrigenda do nosso passado que hoje nos restauram à frente do futuro.”

Pelo texto de Emmanuel, verifica-se que as faltas do passado estão registradas em nós mesmos, reclamando os recursos da justiça divina para regenerar o Espírito. Por isso, moléstias, impedimentos, mutilações, defeitos, inquietações, deformidades, fobias, deficiências, entre outras tantas, constituem reparações do passado que farão restaurar o Espírito em relação ao futuro.

No mesmo livro, Cap. 5 – Proteção, Emmanuel expressa:

“Entretanto, atravessada a porta do berço, a alma retoma as tendências antigas que lhe presidiram no passado a estranha felicidade da sombra e modifica os petitórios, exigindo reconforto e vantagens terrestres e recusando o remédio que lhe poderia restituir a saúde espiritual. (...)

Recorda que a dor, a luta, a enfermidade e o desencanto são instrutores da verdade que nos salvará, soberana, e por isso, transportando contigo o madeiro de tuas penas, pede ao Senhor ombros fortes para sustentá-lo, de vez que, qual aconteceu com o Divino Mestre, é dos braços de tua própria cruz que desferirás o voo divino à Vitoriosa Imortalidade.”

Na reencarnação, o Espírito tem a posição definida de regeneração e resgate para preparar o amanhã, cujos benefícios decorrentes das provas e expiações indicam a manifestação da justiça e misericórdia divinas, trazendo os mecanismos das propostas de aprendizado e os impositivos da lei de causa e efeito.

Em cada retorno ao corpo físico, o Espírito vai se lapidando e adquirindo virtudes indispensáveis para a sua ascensão, que constituem as virtudes que o Cristo nos ensinou e exemplificou em sua missão na Terra.

No Cap. 9 - Fatalidade, Emmanuel ensina: “Não precisamos remontar a existências passadas para sondar a nossa cultura de desequilíbrio e sofrimento. (...) Lembremo-nos de que os efeitos se expressarão segundo as causas e alteremos o jogo das circunstâncias, em nossa luta evolutiva, desenvolvendo, conosco e em tomo de nós, mais elevada plantação de amor e serviço, devotamento e boa vontade.”

Portanto, podemos enxergar o passado pelo presente, pois colhemos o que plantamos livremente, cujos frutos das escolhas retornarão como situações, pessoas ou coisas, boas ou más, do que realizamos.

As ações, quer sejam positivas ou negativas, geram consequências que retornam em algum momento. Essa lei fundamenta a responsabilidade moral nas escolhas e nos comportamentos, destacando a relação direta entre ações e respostas que recebemos. Essas ações impactam não só sua vida presente, mas também as vidas futuras.

Cada ação que realizamos na vida possui repercussões que influenciam o rumo das vidas futuras. Quando agimos com amor, compaixão e bondade, atraímos energias semelhantes para nossas próximas encarnações.

Lembre-se: somos pelo que fomos para evoluir hoje. Assim, poderemos enxergar o passado pelo presente.

 

Bibliografia:

DIAS, Haroldo Dutra. O Desejo e o Destino. Disponível no Canal YouTube. Para acessar, clique neste LINK - acessado em: 22 de setembro de 2021.

EMMANUEL (Espírito), na psicografia de Francisco Cândido Xavier. Indulgência. 6ª Edição. Araras/SP: IDE, 2023.

EMMANUEL (Espírito); (psicografado por) Francisco Cândido Xavier. Pão Nosso. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2018.

KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. A Gênese. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2013.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

KARDEC, Allan; tradução de Guillon Ribeiro. O Livro dos Espíritos. 1ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2019.

KARDEC, Allan; tradução de Evandro Noleto Bezerra. O que é o Espiritismo. 2ª Edição. Brasília/DF: Federação Espírita Brasileira, 2017.
 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita