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Os
agêneres, o Novo Testamento e o Espiritismo
Hoje vou tratar de tema tremendamente transcendental: Os
agêneres e o Novo Testamento.
Para quem não sabe, agênere é Espírito que se
materializa, durante algum tempo, entre os seres
humanos, em cumprimento de missão ou com o fim de
prejudicá-los. Fenômeno raríssimo, mas com registros na
Bíblia. Terminado o objetivo, ele retorna à sua condição
de Espírito.
É
sempre bom lembrar uma observação de Allan Kardec,
publicada na Revista Espírita de fevereiro de
1859, tratando sobre fenômenos de materialização
provocados por Daniel Douglas Home naquela época:
É sobretudo necessário não perder de vista este
princípio essencial, verdadeira chave da ciência
espírita: o agente dos fenômenos vulgares é uma força
física, material, que pode ser submetida às leis do
cálculo, ao passo que nos fenômenos espíritas esse
agente é
constantemente uma inteligência que tem vontade própria
e que não se submete aos nossos caprichos (Os
agêneres).
Caso interessante é narrado por Allan Kardec na citada
revista, no mesmo local mencionado acima. Mulher humilde
e aflita por um emprego, orava na Igreja de São Roque.
Ao sair dali, um senhor a aborda e pergunta-lhe: —
Bondosa senhora, gostaria de conseguir um emprego?
Ela então responde: — Peço a Deus que me conceda esse
favor, meu bom senhor. — Vai então à rua tal, número tal
e procura a dona T...
Imediatamente, a pobre mulher vai ao endereço indicado.
Ao falar com a senhora indicada, esta lhe disse que
precisava, realmente, de alguém para fazer um trabalho
para ela, mas como ainda nada dissera a ninguém,
pergunta: — Quem lhe disse que eu precisava de seu
serviço?
Vendo um retrato de um jovem na parede, a pobre lhe diz:
— Foi esse senhor que me mandou procurá-la.
Espantada, a senhora lhe fala: — Como pode ser isso?
Esse é meu filho, que faleceu há três anos...
Conclusão de Kardec: “De acordo com o que acabamos de
ver, nada existe de surpreendente em que o Espírito do
filho daquela senhora, a fim de prestar um serviço à
pobre mulher, cuja prece por certo ouvira, lhe tenha
aparecido sob a forma corpórea, para lhe indicar o
endereço da própria mãe”.
Abaixo, Kardec conclui que a pobre mulher fora auxiliada
por um agênere,
com o qual conversara. Consultado o Espírito de São
Luís, este esclarece que “[...] por vezes existem na
Terra Espíritos que revestem essa aparência e são
tomados como homens”. Mais abaixo, esclarece que esses
“São fatos raros, de que há exemplos na Bíblia”.
Nas bíblias católicas e na Bíblia
de Jerusalém,
lemos a longa história de Tobias, narrada também em
livro pela Federação Espírita Brasileira, cujo
organizador foi Ismael Gomes Braga. Seu título é O
Livro de Tobias.
Não vou contar toda a história aqui, por falta de
espaço, mas em resumo Tobit, o pai de Tobias, que
enceguecera ao lhe cair nos olhos excremento de
pássaros, pede ao filho para procurar o primo paterno
Gabael, na Média, com quem deixara dez talentos de prata
em depósito. Elevada soma de dinheiro na época.
Tobias vai à procura de alguém que conhecesse o caminho
até a Média para levá-lo a Gabael. Assim que sai de
casa, encontra o anjo Rafael
materializado, sem saber que se tratava de um Espírito.
Este diz-lhe estar à procura de trabalho. Então, Tobias,
ao saber que Rafael conhecia o endereço de Gabael, após
pedir-lhe para consultar Tobit, segue em viagem na sua
companhia, após a autorização paterna.
A conversa do pai de Tobias e deste com Rafael, fora
como a de qualquer pessoa encarnada. O pai insiste em
saber o nome do guia de seu filho e ter suas
referências, então o anjo diz-lhe
que se chamava Azarias, filho de grande amigo de Tobit,
residente na distante região da Média, para onde iria
com Tobias.
A história é belíssima! Parece algo impossível de
ocorrer na Terra, mas a tradição bíblica a inseriu no
chamado Livro
da Vida.
São 13 capítulos, dos quais cito as passagens mais
marcantes.
Tobias volta da viagem casado e rico, pois o primo
paterno distante e os tios daquele, conhecidos em cidade
próxima da Média deram-lhe uma fortuna e a prima, filha
única, em casamento. Então, diz a seu pai, que curara da
cegueira com o fel de grande peixe, pescado com as mãos,
sob orientação do anjo Rafael,
até então conhecido por eles como Azarias:
— Pai, muito devemos a Azarias. Se eu lhe der “[...] a
metade dos bens que trago comigo eu não terei prejuízo.
Reconduziu-me são e salvo, libertou minha mulher,
trouxe-me dinheiro e te curou!” Sara, a mulher de
Tobias, fora libertada por Azarias da obsessão de
Espírito terrível, considerado por todos como demônio,
que já matara sete de seus pretendentes ao noivado,
antes de conhecer Tobias.
Tobit concorda com o filho e chama Azarias. Então, este
diz-lhes ser, na realidade o anjo Rafael.
Entre outras informações, esse Espírito iluminado diz ao
pai e filho espantados, que haviam caído com o rosto em
terra, ao saber que estiveram durante muitos dias em
contato com um anjo:
“Praticai o bem e a desgraça não os atingirá”. Em
seguida, fala:
— Não tenhais medo. Mantende-vos em paz. Bendizei sempre
a Deus pelas graças alcançadas. “A Ele deveis bendizer
todos os dias, a Ele deveis cantar. Pareceu-vos que eu
comia, mas foi só aparência [...]. E ele se elevou” (Bíblia
de Jerusalém).
Conclusão: Deixando-se conhecer como Azarias, o elevado
Espírito Rafael conviveu, como qualquer de nós, com a
família de Tobias e seus parentes durante 18 dias
(quatro nas viagens de ida e volta à Média e 14 nas
festas de núpcias com os sogros de Tobias, Raquel e
Edna. Isso sem contar os dias de núpcias passados depois
com os pais de Tobias, cujo número não consta na
narrativa bíblica, além da ida ao endereço de Gabael,
com quem se relacionou e retornou com os talentos de
prata pertencentes a Tobit, para participarem das festas
nupciais promovidas pelos sogros.
Assim atuam os bons agêneres. Materializam-se entre nós,
convivem conosco pelo tempo necessário a uma missão
divina e, concluído seu trabalho, ascendem aos planos
elevados do espírito às nossas vistas, como foi relatada
a ascensão de Jesus que, entretanto, fora visto desde o
nascimento até a morte.
Então Jesus seria um agênere?
Jesus é o Verbo Divino! Seu nascimento, porém, foi como
o de qualquer outra criança, assim como seu crescimento
e desencarnação.
Eis o que diz dele seu apóstolo e evangelista João, no
capítulo 1.º do seu livro:
No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o
Verbo era Deus.2No princípio ele estava com
Deus.3 Tudo foi feito por meio dele e sem ele
nada foi feito.4 O que foi feito nele era a
vida, e a vida era a luz dos homens;5 e a luz
brilha nas trevas, mas as trevas não a apreenderam.
E o Espírito Emmanuel esclarece-nos que “Nenhuma
expressão fornece imagem mais justa do poder d’Aquele a
quem todos os espíritos da Terra rendem culto do que a
de João, no seu Evangelho: ‘No princípio era o Verbo...”
(EMMANUEL (Espírito), 2017). Em seguida, complementa:
Jesus, cuja perfeição se perde na noite imperscrutável
das eras, personificando a sabedoria e o amor, tem
orientado todo o desenvolvimento da Humanidade terrena,
enviando os seus iluminados mensageiros, em todos os
tempos, aos agrupamentos humanos e, assim como presidiu
à formação do orbe, dirigindo, como Divino Inspirador, a
quantos colaboraram na tarefa da elaboração geológica do
planeta e da disseminação da vida em todos os
laboratórios da Natureza, desde que o homem conquistou a
racionalidade, vem-lhe fornecendo a ideia da sua divina
origem, o tesouro das concepções de Deus e da
imortalidade do espírito, revelando-lhe, em cada época,
aquilo que a sua compreensão pode abranger (id, ibid.).
Abençoado por seu pai José e concebido, como lindo bebê,
amorosamente, no ventre de Maria, aos doze anos de idade
Jesus já ensinava aos doutores no Templo de Jerusalém,
maravilhados com sua sabedoria. Eis o que diz Lucas,
sobre essa fase juvenil de Jesus: “E o menino crescia,
tornava-se robusto, enchia-se de sabedoria; e a graça de
Deus estava com ele” (Lucas,
2:40).
Jesus, por se tratar de Espírito puro, designado por
Deus para presidir a formação da Terra, com o auxílio de
Espíritos da mais alta ascendência espiritual, possuía
perfeito domínio da matéria, cujas origens remotas estão
ainda fora do alcance de nossa inteligência. Por isso
mesmo, disse Allan Kardec que podemos dividir seu
Evangelho em cinco partes: “os atos comuns da vida do
Cristo”; seus “milagres”; suas “predições”; “as palavras
que que serviram de base para o estabelecimento dos
dogmas da Igreja” e seus ensinamentos morais (KARDEC,
2018, introd., p. 13) .
É sobre essa quinta parte, a dos ensinamentos e exemplos
resultantes de sua moral elevada que devemos, todos os
que nos consideramos espíritas cristãos ou
espiritualistas, pautar nossas vidas, se desejamos, de
fato, ser considerados discípulos de Jesus. Com domínio
completo sobre as leis da Natureza, o Cristo nada
realizou aqui na Terra que já não seja impossível de
explicar com base nas leis espirituais que nos regem,
haja vista que, além de Deus, que rege tudo o que existe
no Universo, somos produtos de dois elementos universais
básicos: o elemento material e o elemento espiritual
(KARDEC, 2017, q. 27).
Em vista do que foi dito, pode-se deduzir que é perda de
tempo conhecer o conteúdo restante do Novo Testamento?
De forma nenhuma. Nele encontramos, sem sujeição a
dogmas, mas sob livre exame, desde que não deturpemos
suas palavras, todos os acontecimentos extraordinários
que os evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João
relataram sobre a Boa-Nova trazida por Jesus e anunciada
por Isaías e outros profetas.
Os evangelistas citados trazem-nos rico material para
nossa análise e reflexão, que devem ser enriquecidos com
as obras básicas publicadas por Allan Kardec e outras
obras, sem dogmatismo espírita, que não deve existir em
nosso meio, o qual deve pautar-se por estas palavras de
Jesus: “Nisto reconhecerão todos que sois meus
discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (João,
13:35).
Referências:
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Direção editorial de
Paulo Bazaglia. Diversos tradutores. 3. imp. São Paulo:
Paulus, 2004.
BRAGA, Ismael Gomes. O
livro de Tobias.
2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1944.
EMMANUEL (Espírito). Emmanuel.
Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 28. ed. 6.
imp. Brasília: FEB, 2017, p. 25.
KARDEC, Allan. O
evangelho segundo o espiritismo.
Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. – 7. imp.
Brasília: FEB, 2018.
––––––. O livro dos espíritos.
Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. – 4. imp.
Brasília: FEB, 2017.
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