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por Jorge Leite de Oliveira

Os agêneres, o Novo Testamento e o Espiritismo


Hoje vou tratar de tema tremendamente transcendental: Os agêneres e o Novo Testamento.

Para quem não sabe, agênere é Espírito que se materializa, durante algum tempo, entre os seres humanos, em cumprimento de missão ou com o fim de prejudicá-los. Fenômeno raríssimo, mas com registros na Bíblia. Terminado o objetivo, ele retorna à sua condição de Espírito.

É sempre bom lembrar uma observação de Allan Kardec, publicada na Revista Espírita de fevereiro de 1859, tratando sobre fenômenos de materialização provocados por Daniel Douglas Home naquela época:

 

É sobretudo necessário não perder de vista este princípio essencial, verdadeira chave da ciência espírita: o agente dos fenômenos vulgares é uma força física, material, que pode ser submetida às leis do cálculo, ao passo que nos fenômenos espíritas esse agente é constantemente uma inteligência que tem vontade própria e que não se submete aos nossos caprichos (Os agêneres).


Caso interessante é narrado por Allan Kardec na citada revista, no mesmo local mencionado acima. Mulher humilde e aflita por um emprego, orava na Igreja de São Roque. Ao sair dali, um senhor a aborda e pergunta-lhe: — Bondosa senhora, gostaria de conseguir um emprego?

Ela então responde: — Peço a Deus que me conceda esse favor, meu bom senhor. — Vai então à rua tal, número tal e procura a dona T...

Imediatamente, a pobre mulher vai ao endereço indicado. Ao falar com a senhora indicada, esta lhe disse que precisava, realmente, de alguém para fazer um trabalho para ela, mas como ainda nada dissera a ninguém, pergunta: — Quem lhe disse que eu precisava de seu serviço?

Vendo um retrato de um jovem na parede, a pobre lhe diz: — Foi esse senhor que me mandou procurá-la.

Espantada, a senhora lhe fala: — Como pode ser isso? Esse é meu filho, que faleceu há três anos...

Conclusão de Kardec: “De acordo com o que acabamos de ver, nada existe de surpreendente em que o Espírito do filho daquela senhora, a fim de prestar um serviço à pobre mulher, cuja prece por certo ouvira, lhe tenha aparecido sob a forma corpórea, para lhe indicar o endereço da própria mãe”.

Abaixo, Kardec conclui que a pobre mulher fora auxiliada por um agênere, com o qual conversara. Consultado o Espírito de São Luís, este esclarece que “[...] por vezes existem na Terra Espíritos que revestem essa aparência e são tomados como homens”. Mais abaixo, esclarece que esses “São fatos raros, de que há exemplos na Bíblia”.

Nas bíblias católicas e na Bíblia de Jerusalém, lemos a longa história de Tobias, narrada também em livro pela Federação Espírita Brasileira, cujo organizador foi Ismael Gomes Braga. Seu título é O Livro de Tobias. Não vou contar toda a história aqui, por falta de espaço, mas em resumo Tobit, o pai de Tobias, que enceguecera ao lhe cair nos olhos excremento de pássaros, pede ao filho para procurar o primo paterno Gabael, na Média, com quem deixara dez talentos de prata em depósito. Elevada soma de dinheiro na época.

Tobias vai à procura de alguém que conhecesse o caminho até a Média para levá-lo a Gabael. Assim que sai de casa, encontra o anjo Rafael materializado, sem saber que se tratava de um Espírito. Este diz-lhe estar à procura de trabalho. Então, Tobias, ao saber que Rafael conhecia o endereço de Gabael, após pedir-lhe para consultar Tobit, segue em viagem na sua companhia, após a autorização paterna.

A conversa do pai de Tobias e deste com Rafael, fora como a de qualquer pessoa encarnada. O pai insiste em saber o nome do guia de seu filho e ter suas referências, então o anjo diz-lhe que se chamava Azarias, filho de grande amigo de Tobit, residente na distante região da Média, para onde iria com Tobias.

A história é belíssima! Parece algo impossível de ocorrer na Terra, mas a tradição bíblica a inseriu no chamado Livro da Vida. São 13 capítulos, dos quais cito as passagens mais marcantes.

Tobias volta da viagem casado e rico, pois o primo paterno distante e os tios daquele, conhecidos em cidade próxima da Média deram-lhe uma fortuna e a prima, filha única, em casamento. Então, diz a seu pai, que curara da cegueira com o fel de grande peixe, pescado com as mãos, sob orientação do anjo Rafael, até então conhecido por eles como Azarias:

— Pai, muito devemos a Azarias. Se eu lhe der “[...] a metade dos bens que trago comigo eu não terei prejuízo. Reconduziu-me são e salvo, libertou minha mulher, trouxe-me dinheiro e te curou!” Sara, a mulher de Tobias, fora libertada por Azarias da obsessão de Espírito terrível, considerado por todos como demônio, que já matara sete de seus pretendentes ao noivado, antes de conhecer Tobias.

Tobit concorda com o filho e chama Azarias. Então, este diz-lhes ser, na realidade o anjo Rafael. Entre outras informações, esse Espírito iluminado diz ao pai e filho espantados, que haviam caído com o rosto em terra, ao saber que estiveram durante muitos dias em contato com um anjo: “Praticai o bem e a desgraça não os atingirá”. Em seguida, fala:

— Não tenhais medo. Mantende-vos em paz. Bendizei sempre a Deus pelas graças alcançadas. “A Ele deveis bendizer todos os dias, a Ele deveis cantar. Pareceu-vos que eu comia, mas foi só aparência [...]. E ele se elevou” (Bíblia de Jerusalém).

Conclusão: Deixando-se conhecer como Azarias, o elevado Espírito Rafael conviveu, como qualquer de nós, com a família de Tobias e seus parentes durante 18 dias (quatro nas viagens de ida e volta à Média e 14 nas festas de núpcias com os sogros de Tobias, Raquel e Edna. Isso sem contar os dias de núpcias passados depois com os pais de Tobias, cujo número não consta na narrativa bíblica, além da ida ao endereço de Gabael, com quem se relacionou e retornou com os talentos de prata pertencentes a Tobit, para participarem das festas nupciais promovidas pelos sogros.

Assim atuam os bons agêneres. Materializam-se entre nós, convivem conosco pelo tempo necessário a uma missão divina e, concluído seu trabalho, ascendem aos planos elevados do espírito às nossas vistas, como foi relatada a ascensão de Jesus que, entretanto, fora visto desde o nascimento até a morte.

Então Jesus seria um agênere?

Jesus é o Verbo Divino! Seu nascimento, porém, foi como o de qualquer outra criança, assim como seu crescimento e desencarnação.

Eis o que diz dele seu apóstolo e evangelista João, no capítulo 1.º do seu livro:

 

No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus.2No princípio ele estava com Deus.Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito.O que foi feito nele era a vida, e a vida era a luz dos homens;e a luz brilha nas trevas, mas as trevas não a apreenderam.


E o Espírito Emmanuel esclarece-nos que “Nenhuma expressão fornece imagem mais justa do poder d’Aquele a quem todos os espíritos da Terra rendem culto do que a de João, no seu Evangelho: ‘No princípio era o Verbo...” (EMMANUEL (Espírito), 2017). Em seguida, complementa:

 

Jesus, cuja perfeição se perde na noite imperscrutável das eras, personificando a sabedoria e o amor, tem orientado todo o desenvolvimento da Humanidade terrena, enviando os seus iluminados mensageiros, em todos os tempos, aos agrupamentos humanos e, assim como presidiu à formação do orbe, dirigindo, como Divino Inspirador, a quantos colaboraram na tarefa da elaboração geológica do planeta e da disseminação da vida em todos os laboratórios da Natureza, desde que o homem conquistou a racionalidade, vem-lhe fornecendo a ideia da sua divina origem, o tesouro das concepções de Deus e da imortalidade do espírito, revelando-lhe, em cada época, aquilo que a sua compreensão pode abranger (id, ibid.).

 

Abençoado por seu pai José e concebido, como lindo bebê, amorosamente, no ventre de Maria, aos doze anos de idade Jesus já ensinava aos doutores no Templo de Jerusalém, maravilhados com sua sabedoria. Eis o que diz Lucas, sobre essa fase juvenil de Jesus: “E o menino crescia, tornava-se robusto, enchia-se de sabedoria; e a graça de Deus estava com ele” (Lucas, 2:40).

Jesus, por se tratar de Espírito puro, designado por Deus para presidir a formação da Terra, com o auxílio de Espíritos da mais alta ascendência espiritual, possuía perfeito domínio da matéria, cujas origens remotas estão ainda fora do alcance de nossa inteligência. Por isso mesmo, disse Allan Kardec que podemos dividir seu Evangelho em cinco partes: “os atos comuns da vida do Cristo”; seus “milagres”; suas “predições”; “as palavras que que serviram de base para o estabelecimento dos dogmas da Igreja” e seus ensinamentos morais (KARDEC, 2018, introd., p. 13) .

É sobre essa quinta parte, a dos ensinamentos e exemplos resultantes de sua moral elevada que devemos, todos os que nos consideramos espíritas cristãos ou espiritualistas, pautar nossas vidas, se desejamos, de fato, ser considerados discípulos de Jesus. Com domínio completo sobre as leis da Natureza, o Cristo nada realizou aqui na Terra que já não seja impossível de explicar com base nas leis espirituais que nos regem, haja vista que, além de Deus, que rege tudo o que existe no Universo, somos produtos de dois elementos universais básicos: o elemento material e o elemento espiritual (KARDEC, 2017, q. 27).

Em vista do que foi dito, pode-se deduzir que é perda de tempo conhecer o conteúdo restante do Novo Testamento? De forma nenhuma. Nele encontramos, sem sujeição a dogmas, mas sob livre exame, desde que não deturpemos suas palavras, todos os acontecimentos extraordinários que os evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João relataram sobre a Boa-Nova trazida por Jesus e anunciada por Isaías e outros profetas.

Os evangelistas citados trazem-nos rico material para nossa análise e reflexão, que devem ser enriquecidos com as obras básicas publicadas por Allan Kardec e outras obras, sem dogmatismo espírita, que não deve existir em nosso meio, o qual deve pautar-se por estas palavras de Jesus: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (João, 13:35).


Referências:

BÍBLIA DE JERUSALÉM. Direção editorial de Paulo Bazaglia. Diversos tradutores. 3. imp. São Paulo: Paulus, 2004.

BRAGA, Ismael Gomes. O livro de Tobias. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1944.

EMMANUEL (Espírito). Emmanuel. Psicografado por Francisco Cândido Xavier. 28. ed. 6. imp. Brasília: FEB, 2017, p. 25.

KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. – 7. imp. Brasília: FEB, 2018.

––––––. O livro dos espíritos. Tradução de Evandro Noleto Bezerra. 4. ed. – 4. imp. Brasília: FEB, 2017.

 

 

     
     

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