Entrevista

por Orson Peter Carrara

Rica experiência de viver e trabalhar pelo ideal espírita


 
Natural de Campinas e atualmente residente em Ribeirão Preto, ambos municípios paulistas, Rosa de Fátima Nilson Benatti (foto) possui formação em Letras Português-Inglês, Tradução, Especialização em Informática, MBA em Comércio Exterior. Atualmente vinculando-se ao movimento espírita de Ribeirão Preto, nossa entrevistada tem rica vivência doutrinária, inclusive com Therezinha Oliveira, quando atuou no Centro Espírita Allan Kardec, de Campinas, como nos mostra nas respostas dadas às perguntas que lhe propusemos.

 

Fale-nos sobre sua iniciação no Espiritismo e como isso se deu.

Sou a terceira geração espírita, por parte da minha mãe. Minha avó, que tinha sido Filha de Maria e muito católica, encontrou no Espiritismo a cura de seus males espirituais, quando se mudou para Campinas. No entanto, como acontece a muitas pessoas, permaneceu com um pé em cada canoa, porque tinha medo de ir para o inferno, mas o que a consolava era a esperança de dias futuros ir para alguma colônia no Plano Espiritual. Portanto, era uma "espiritólica". Minha mãe, criada na igreja católica, mas com boa compreensão da vida, aderiu ao Espiritismo quando ficou viúva, aos 28 anos de idade. Meu pai faleceu repentinamente de infarto aos 31 anos e, minha mãe, na ânsia de receber alguma carta do meu pai, recorreu ao Centro Espírita Allan Kardec de Campinas. Lá foi atendida pelo saudoso Sr. Gustavo Marcondes, fundador da casa, que a atendia com muita paciência e carinho. Muito perspicaz, logo percebeu que ela gostava de ler e começou a lhe dar livros espíritas consoladores, além de conselhos. Toda semana, ela voltava ao centro em busca de mensagens e o Seu Gustavo dizia que não havia nenhuma, mas que ela poderia levar mais um livro para ler. O tempo passou, ele a aconselhou a colocar a mim e ao meu irmão na educação infantil (na época, ele com 5 e eu com 7 anos de idade), convidou-a para ajudar nas obras assistenciais da casa, com costura para as crianças da creche. O tempo foi passando, ela se dedicou cada vez mais nesse processo de laborterapia e as tão esperadas mensagens não mais faziam sentido. Vale salientar, que nunca recebemos nenhuma mensagem do meu pai e isso não nos fez falta.

Como isso influenciou na sua adesão ao pensamento espírita?

As aulas de educação infantil eram aos domingos de manhã. A minha mãe ficava no salão para assistir palestras, onde a Therezinha Oliveira, ainda muito jovem e presidente da Mocidade Espírita, fazia palestras consoladoras. Como se sentasse nas primeiras fileiras do salão assiduamente, a Therezinha a convidou para aderir à Mocidade, ao que ela explicou que já era viúva com dois filhos e que isso não a qualificava para tal. Então foi convidada a fazer os primeiros cursos que apareciam na casa, inicialmente trazidos por um senhor chamado Lucas, que tinha se mudado para Campinas e trazia da Federação Espírita muitos conhecimentos inovadores, especialmente no campo da mediunidade. Ele praticamente "adotou" a minha mãe doutrinariamente e começou a instruí-la como auxiliar do corredor, entrevistas, diálogos e explanações evangélicas antes dos passes.

Depois disso, vieram os cursos da Therezinha, que ela frequentava com grande interesse durante a semana, período da tarde, e acabava me levando junto. Ela na sala de cursos e eu fazendo as lições de casa da escola em uma mesa no final do salão Vinicius. Portanto, a minha vivência no Espiritismo foi na forma mais natural possível e só me sentia constrangida na escola, porque na época haviam as aulas de religião obrigatórias. Quem não fosse do católico não poderia ficar dentro da sala de aula. Era o tempo do "bullying" e me era difícil retornar à sala de aula sob os olhares reprovadores dos colegas. Porém, o grande alento era que o diretor da escola, o Sr. Clóvis Pansani, era protestante muito dedicado e, em respeito ao horário da aula de religião, também saia da sua sala e ficava no pátio lendo a sua bíblia, junto com as crianças não católicas. 

De sua experiência nos tempos de adolescência e mocidade espírita, o que ficou de mais marcante?

Desde cedo, tornei-me evangelizadora infantil e nos fins de semana ia ao Educandário Eurípedes para aulas de evangelização e reforço escolar para os meninos internos. Desempenhei esta tarefa até entrar na Faculdade e começar a trabalhar. Passei para a Mocidade automaticamente e fui presidente por uma gestão, com poucos adeptos. Aprendi muito nessa época, especialmente com os meninos internos e passava com eles o Dia das Mães e Natais o dia todo, porque era o momento mais dolorido para aquelas pobres almas. 

Na Mocidade, permaneci somente até os 17 anos de idade, porque as normas da casa assim exigiam na época. Como ainda era muito jovem e não me interessava pelas outras reuniões da casa, a Therezinha Oliveira convidou-me e a mais dois outros companheiros que atingiram a mesma idade a abrir uma nova turma do Curso de Iniciação ao Espiritismo aos domingos de manhã. Ela começava a viajar muito, a procura por cursos era grande e era necessário abrir mais turmas. Considerando que éramos ainda imaturos e o público adulto poderia não nos aceitar de início, a Therezinha designou a Dona Yvete Tayar, antiga trabalhadora e professora aposentada para ficar conosco para dar um ar de maior seriedade. A Dona Yvete tomava mais conta de nós, os jovens, do que da sala. Era muito habilidosa e também nos mantinha nos trilhos, porque queríamos sempre inovar em tudo, como se os participantes também fossem jovens afoitos.

Da convivência com Therezinha Oliveira, o que você pode dizer-nos?

A Therezinha foi e continua sendo o meu modelo doutrinário. Ela muito contribuiu com a Doutrina Espírita e sempre me incentivou, assim como à minha mãe. Era frequente recorrer a ela com dúvidas sobre pontos doutrinários e em todas as ocasiões me suportou. Com o Iniciação ao Espiritismo ganhei prática com as exposições, fiz curso de Oratória, passei a fazer palestras e, também a convite dela, assumi uma sala sobre Estudos da Mediunidade. Foi por intermédio dela que a minha mãe e eu nos tornamos responsáveis pelo treinamento de colaboradores e coordenação de todas as salas de Estudos da Mediunidade do CEAK e dos núcleos a ele ligados por mais de 10 anos. Que doce lembrança tenho dela até agora! 

Dos cursos realizados no CEAK, em Campinas, que frutos considera palpáveis nos dias atuais, como instrutora e coordenadora desses cursos?

Os cursos elaborados pela Therezinha Oliveira são bem didáticos e trazem a profundidade na medida certa, sem exageros, de forma muito racional e calcados nas Obras Básicas de Kardec. Especialmente nas práticas espíritas, sempre nos baseamos na disciplina, no bom acolhimento e pureza doutrinária. Esta foi uma herança valiosa que ela nos deixou e que seguimos como guia. No Curso de Iniciação ao Espiritismo, por exemplo, logo no início aprendemos o que são Vibrações ou Radiações, como uma doação nossa e não um pedido para que o Pai intervenha junto aos necessitados, porque Deus já conhece as mazelas da humanidade. Nós é que precisamos fazer a nossa parte. Note-se que os cursos elaborados pela Therezinha não são aplicados somente no CEAK-Campinas, mas em outros centros espíritas de muita projeção, como o Centro de Estudos Espíritas Nosso Lar (Campinas) e várias outras casas de Campinas e região.

Qual a estrutura desses cursos, didaticamente considerados?

Os cursos de Iniciação ao Espiritismo, Estudos Espíritas do Evangelho são realizados como aula expositiva clássica ou a dialogada. Quando a estrutura da casa permite, utiliza-se recursos audiovisuais.

Os cursos de Estudos sobre Mediunidade, Reuniões Mediúnicas, Fluidos e Passes são elaborados em duas partes: uma teórica e outra prática, com exercícios específicos a cada assunto, com análise e comentários ao final.

O curso de Estudos sobre Mediunidade dispõe de um livro complementar destinado somente aos expositores para orientar os exercícios práticos, chamado Orientação Mediúnica, elaborado pela Therezinha em parceria com a minha mãe, Teddy Nilson, que dá orientações seguras para os iniciantes no campo da mediunidade.

Para a preparação de expositores espíritas, a Therezinha também elaborou o curso Oratória a Serviço do Espiritismo, que oferece recursos aos colaboradores que se dedicam a exposições espíritas, como preleções evangélicas, palestras e cursos, através de aula expositiva dialogada, com recursos audiovisuais, prática de exercícios e avaliação individual dos participantes ao final do curso.

Outros recursos didáticos, como estudo em grupo, também podem ser adotados para as partes teóricas dos cursos, considerando que os instrutores estejam bem preparados para conduzir as discussões dentro dos padrões esperados.

Como o atual formato da maioria dos centros espíritas poderia utilizar-se dos cursos?

Os cursos são bastante didáticos e seguem uma ordem lógica de progressão de temas, explicando em detalhes aspectos importantes da Doutrina Espírita. Foram elaborados há vários anos, originalmente como aulas expositivas clássicas, com frequência semanal. Com a evolução dos métodos de comunicação de aula e um melhor preparo dos instrutores, é possível introduzir mais dinâmicas e recursos audiovisuais para um maior aproveitamento e interesse do público. Isto levando-se em consideração a estrutura de cada casa. 

O que lhe foi mais marcante nessa trajetória de estudos?

É a transformação da postura das pessoas perante a vida, quando se dedicam ao estudo sério e ao esforço da reforma íntima. Muitos dos que chegaram à casa espírita procurando alívio para as suas dores ou mesmo um maior entendimento para o que antes não compreendiam, tornaram-se dedicados colaboradores da causa do bem. São muitos os exemplos que presenciei, mas um marcante foi um senhor de meia idade que entrevistei ao chegar no centro sendo portador de um câncer dermatológico muito agressivo. Já tinha se submetido a várias cirurgias e não entendia porque tinha sido "sorteado" por Deus para passar por esse problema, pois já sofrera até mesmo amputações. Indiquei-lhe sessões de passe e, como demonstrava interesse em entender melhor os conceitos espíritas, convidei-o a participar do Iniciação ao Espiritismo. Ele frequentou o curso sem faltas, era participativo nas aulas, aprofundava-se nos estudos e passou por outros cursos da casa. Perdi-o de vista por alguns anos e nos reencontramos em uma reunião de colaboradores. Ele tinha aderido ao grupo de Socorro Fraterno, que fazia visitas a enfermos impossibilitados de irem ao centro. Contou que tinha se encontrado nesse tipo de trabalho, porque nos lares que visitava, ficava encarregado de ler e comentar um item do Evangelho Segundo o Espiritismo e com isso aprendia mais. Era o exemplo vivo de resiliência e esperança especialmente aos cancerosos. Curou-se da doença? Totalmente não, mas sentia um alívio muito grande e as cirurgias tinham se espaçado mais. Quando estava bem, aplicava passes, o que lhe trazia uma grande satisfação de dever cumprido. Merecimento dele... o estudo e o esforço o transformaram.   

Algo mais a acrescentar? 

Desde o início da minha jornada, muita coisa no mundo mudou e o público também evoluiu com mais informações, tecnologia, técnicas modernas de comunicação. Vejo que muitas casas não acompanharam a transformação mundial, não se aprofundam nas obras complementares e suplementares da Doutrina, deixando a porta aberta a modismos, misturando práticas não espíritas, que têm ocupado um espaço muito grande nas mentes incautas. É imprescindível  mantermo-nos leais às bases da Codificação. O modelo de Kardec em aplicar o bom senso deve ser o nosso lema, pois é a receita certa para não cairmos no fanatismo, analisando cuidadosamente tudo o que nos for oferecido como verdade.  

Suas palavras finais.

Agradeço imensamente a oportunidade de trocarmos experiências vivenciadas na Doutrina Espírita. Neste momento de mudanças profundas na humanidade, gostaria de exortar para que possamos unir as mãos em um esforço para que o bem prevaleça. No nosso caso pessoal, o Espiritismo foi o caminho escolhido, porém, não pretendemos que todos se tornem espíritas, mas que os princípios de que nos valemos nesta Doutrina Consoladora possam representar a nossa forma de ser e que os bons espíritos possam nos auxiliar a persistirmos ativos nos trabalhos para um dia melhor.

Muito obrigada! 

 
 

 

     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita