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por Bruno Abreu

 

A conquista de nós próprios


São muito poucos, no planeta, que são senhores de si próprios. Esta é uma conquista que estamos a fazer.

A maioria de nós vive ainda de forma inconsciente, o que torna tudo muito mais difícil. Paulo de Tarso tem uma frase que demonstra esta forma de viver: “Desperta, ó tu que dormes, e levanta-te dentre os mortos, e Cristo te esclarecerá.” (Efésios 5:14.)

Pensa que é senhor de si próprio? Vou-lhe fazer um desafio, fique 30 segundos sem pensar.

Se é senhor de si próprio, tem o direito de não pensar, faça-o.

A maioria das pessoas acredita que são senhores de si próprios, ou seja, comandam a sua vida, porque sofrem a ilusão do maior dogma humano, que são eles que fabricam os pensamentos.

Nas perguntas 459 e 500 d’O Livro dos Espíritos a Espiritualidade superior alerta-nos que o pensamento não é apenas um resultado nosso:


459. Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?
“Mais do que imaginais, pois com bastante frequência são eles que vos dirigem.”

460. De par com os pensamentos que nos são próprios, outros haverá que nos sejam sugeridos?

“Vossa alma é um Espírito que pensa. Não ignorais que muitos pensamentos vos acodem a um tempo sobre o mesmo assunto e, não raro, contrários uns dos outros. Pois bem, no conjunto deles estão sempre de mistura os vossos com os nossos.”


A crença de que o pensamento é um resultado apenas da nossa vontade tem destruído a humanidade. O ser humano segue cegamente o pensamento, tornando o ato mental em ação, sem o questionar. Falam o que pensam, fazem o que aparece em suas cabeças, pois acreditam que os pensamentos nascem de sua vontade; então, por que o haveriam de questionar?

Temos tido muito pouco cuidado em vigiar o que surge em nossas cabeças. Podemos perceber isso quando olhamos para os outros e estão tão hipnotizados e inconscientes, pelo movimento dos seus pensamentos.

Ficam deliciados em toda a imaginação que decorre dentro deles, sem que coloquem em causa esse funcionamento descontrolado.

Se acredita que o seu é controlado, tente ficar 30 segundos sem pensar. Vai-lhe parecer impossível. Como pode ser um movimento controlado se ele acontece independentemente de nossa vontade?

A ciência psíquica diz que temos cerca de 50.000 pensamentos dia. Parece um número tão difícil de acreditar, porque a sua maioria passa-nos despercebida.

Quem gere a nossa vida é o pensamento; através dele nós tomamos as nossas direções e se pensa que o que lhe digo é estranho, leia novamente a pergunta 459.

Se tivéssemos atenção suficiente ao nosso funcionamento mental, perceberíamos esta perigosa realidade na prática, sem ser necessário nos chamarem a atenção para o nosso próprio funcionamento.

De onde acha que nasce o caos que deparamos na Terra? Não é da forma-pensamento do ser humano?

O crescimento espiritual acontece pela aquisição da distância entre o pensamento e ação. Se agimos automaticamente, impulsionados pelo pensamento, não temos qualquer livre-arbítrio, pois o livre-arbítrio acontece na escolha da ação, sem impulso.

Se surge a vontade de um vício, através do pensamento, e o seguimos impulsivamente, qual o livre-arbítrio que pode estar a acontecer?

Nestes casos, o livre-arbítrio é a aquisição da distância entre o pensamento e a ação.

O pensamento, em si, pode não ser um direito livre, pois existem o que nos são inspirados por irmãos, tal como é referido nas questões acima, os que são repetitivos pelos vícios e hábitos terrenos, como podemos ver logicamente em nós, e os de resultado de caráter, o que chamamos de feitio, pois resulta sempre numa repetição de movimento mental, o que nos parece ser uma teimosia.

São poucos os que sobram na Terra, que realmente acontecem pela liberdade do espírito. Não são difíceis de perceber quais são; aliás, são muito simples. Estão ligados às virtudes espirituais que acontecem no silêncio da mente. Se vemos algo de errado e sentimos um impulso de compaixão, esta nasce de nosso interior, colmatando em um pensamento compassivo. Se alguém nos faz mal e sentimos um impulso para nos afastar da mágoa e a levar-nos ao perdão, colmatando em pensamentos dóceis de perdão.

A maioria dos pensamentos que acontecem após impulsos de amor, que nos levam a movimentos mentais em direção ao perdão, à indulgência, resignação, compaixão e todas as virtudes espirituais que Jesus ensinou em seu Evangelho, são escolhas livres do Espírito, não fosse ele o filho de Deus.

Todo o resto são movimentos nossos ou inspirados por irmãos ou pelo meio ambiente, que surgem automatizadamente de outros ou de processos mentais automáticos, como os vícios, hábitos, desejos e caráter, pelos quais temos de passar e desapegar para que cresçamos espiritualmente.

Podemos ver este procedimento automático num vicio físico, como o álcool ou tabaco, podemos vê-lo também numa forma de caráter, como a maledicência ou a agressividade, podemos ver no desejo, como querer ter um telemóvel novo, que não sai de nossa mente, ou num problema que, mesmo deitados à noite, o pensamento não para.

Não se deixe confundir com o que eu estou a dizer, pois este automatismo não retira a nossa responsabilidade. Embora o automatismo não seja propriamente um ato de livre-arbítrio, a aceitação do seu funcionamento torna-o uma vontade nossa.

Como exemplo, imagine uma pessoa que tem o hábito da maledicência e, a cada situação que vê dos outros, a tendência é falar mal. Esse automatismo é independente de sua vontade, mas seguir para a frente com a ação é de sua vontade, que pode perfeitamente reprimi-lo.

Podemos ver isto na pergunta 461 d’O Livro dos Espíritos, em que é dito que não existe interesse saber o que é nosso ou não é, o importante é o que escolhemos fazer. Se escolhermos manter o hábito, então o automatismo do hábito é nossa responsabilidade, embora muitas vezes o pensamento inicial para o repetir seja inspirado:


461. Como havemos de distinguir os pensamentos que nos são próprios dos que nos são sugeridos?

“Quando um pensamento vos é sugerido, tendes a impressão de que alguém vos fala. Geralmente, os pensamentos próprios são os que acodem em primeiro lugar. Mas, afinal, não vos é de grande interesse estabelecer essa distinção. Muitas vezes, é útil que não saibais fazê-la. Não a fazendo, obra o homem com mais liberdade. Se se decide pelo bem, é voluntariamente que o pratica; se toma o mau caminho, maior será a sua responsabilidade.”


Veja neste momento em si o automatismo do pensamento, exigindo à sua mente que discipline seus pensamentos.

Veja o que acontece, como esse movimento é automatizado.

A consciência desta verdade é uma conquista espiritual, que estamos a viver neste momento na Terra.

“Vós sois escravos do pecado…” (João, 8:34.)


Bruno Abreu reside em Lisboa, Portugal.


 

 

     
     

O Consolador
 Revista Semanal de Divulgação Espírita