O sentimento de revolta
em decorrência da taxa
crescente da
criminalidade, a
impunidade e a sensação
de vulnerabilidade
alimentam o desejo de
vingança. Cansados de
esperar uma resposta do
Estado, a população,
erroneamente, tem
procurado fazer justiça
com as próprias mãos.
Observamos nos últimos
meses cenas desoladoras
de linchamento. Parece
que retrocedemos à época
da lei de talião,
deixando transparecer a
animalidade da natureza
humana.
Provavelmente, uma
parcela significativa da
população já cogitou a
ideia de instalação da
pena capital no Brasil.
Sempre que os
noticiários divulgam
aqueles crimes hediondos
que chocam a opinião
pública, com um requinte
de sensacionalismo, o
assunto "pena de morte"
é relembrado. A opinião
se agrava quando
deixamos o posto de
espectador e assumimos o
papel de vítima.
Alguns dados
Atualmente, cerca de 90
países adotam a pena
extrema, o que não
significa que a aplicam
na prática. Há uma
tendência de erradicação
da pena capital no mundo
todo. Algumas nações
estão revendo suas
legislações, enquanto
outras já aboliram a
pena de morte de seu
sistema judiciário. Por
outro lado, o número de
execuções tem crescido
entre as que insistem em
mantê-la.
Um dos países que ainda
investem na pena capital
são os Estados Unidos. A
condenação máxima é
utilizada em 32 dos 50
estados que constituem
essa nação. Os
americanos favoráveis à
pena de morte ainda são
a maioria, mas o índice
de aprovação caiu nos
últimos 20 anos. De
acordo com o instituto
Gallup, no ano de 1994,
80% dos cidadãos
norte-americanos se
declaravam a favor da
pena de morte em casos
de homicídio e apenas
16% se opunham à sua
aplicação. No ano
passado, os percentuais
eram de 60% e 35%,
respectivamente.
No Brasil ocorre o
contrário: uma pesquisa
encomendada pela
Confederação Nacional
das Indústrias em 2011
demonstrou que 31% dos
brasileiros defendem
integralmente a pena de
morte e outros 15% em
apenas alguns casos.
Entretanto, 51% dos
brasileiros são
favoráveis à prisão
perpétua.
Em 2013 foram executadas
778 pessoas em 22
nações. Ainda no mesmo
ano, foram
estabelecidas, ao menos,
1.925 novas sentenças de
morte em 57 países e
cerca de 23.392 pessoas
encontravam-se no
corredor da morte.
A maioria das execuções
ocorreu na China, Irã,
Iraque, Arábia Saudita,
EUA e Somália, nessa
ordem. Estima-se que o
número pode ser bem
maior, pois os países
que vivem sob o regime
ditatorial não costumam
divulgar seus dados.
(1)
A pena de morte reduz a
criminalidade?
Alguns estudos apontam
que a pena de morte é
ineficaz no combate à
criminalidade. O índice
de crimes nos estados
americanos que adotam a
pena de morte é 1%
maior, se comparado com
os estados
abolicionistas. No
Canadá ela deixou de
existir em 1975 e de lá
pra cá os delitos
decaíram 44%. Os
criminosos não deixam de
cometer o dolo pensando
na possível pena que lhe
poderá ser infringida.
Outro importante aspecto
a analisar é a
possibilidade do erro de
sentença. Nenhuma nação
que adota a pena de
morte está isenta de
cometer uma injustiça.
Existem vários casos de
comprovação de inocência
do condenado após a sua
execução.
Uma pesquisa divulgada
em abril de 2014
demonstra que 4% dos
condenados à morte nos
Estados Unidos eram
pessoas inocentes. Esse
estudo avaliou os casos
de réus que estavam no
corredor da morte entre
os anos de 1973 e 2004 e
conseguiram provar a
inocência antes da
execução. A mesma
pesquisa constatou que
uma em cada 25 sentenças
de morte estava errada,
ou seja, o acusado não
tinha culpa.
É importante lembrar que
a pena de morte é uma
sentença definitiva. Não
há como o Estado
devolver a vida do
executado quando se
comprova a inocência
após a aplicação do
castigo. Se essas
injustiças acontecem em
países desenvolvidos, o
que pensar do Brasil?
Alguns defendem que a
pena de morte é cruel e
desumana. Recentemente,
também nos Estados
Unidos, um sentenciado
agonizou por cerca de 30
minutos até morrer,
depois de receber uma
injeção letal
malsucedida. Outro caso
conhecido foi a execução
desastrada de um
prisioneiro na cadeira
elétrica. O réu suspirou
várias vezes com a
cabeça em chamas antes
de receber a descarga
fatal.
Além de tudo, os
mecanismos de execução
são onerosos para o
Estado. Na Califórnia,
as execuções anuais não
saem por menos de US$
137 milhões. Estima-se
que a substituição da
pena capital pela prisão
perpétua custaria aos
cofres públicos apenas
US$ 11,5 milhões, uma
economia de 70%.
Pena de morte no Brasil
O que pouca gente sabe é
que no Brasil existe a
pena de morte instaurada
e assegurada pela
Constituição Federal
vigente. É o que diz o
art. 5º, inciso XLVII:
Não haverá penas: a)
de morte, salvo em caso
de guerra declarada, nos
termos do artigo 84
[...]
Sim, a pena de morte
existe no Brasil, em
tempos de guerra. Além
da Constituição Federal,
ela é regulamentada pelo
Código Militar Penal,
que pune seus
combatentes em casos de
traição, genocídio e
deserção durante a
guerra. Vale ressaltar
que a pena capital
somente será aplicada em
casos extremos. A
execução acontece por
fuzilamento.
A pena de morte aplicada
à sociedade civil deixou
de existir oficialmente
em nosso país desde a
Proclamação da República
em 1889, todavia a
última execução
aconteceu alguns anos
antes, em 1876, e foi
aplicada a um escravo de
nome Francisco, no
estado de Alagoas.
Atualmente o Brasil é
membro do Protocolo da
Convenção Americana de
Direitos Humanos para a
Abolição da Pena de
Morte. Segundo as leis
internacionais, a
aplicação da pena
capital em casos de
guerra é aceitável, como
acontece no Brasil.
Controvérsias
Há quem defenda com
entusiasmo a extensão da
pena de morte à
sociedade civil
brasileira, contudo é
necessário observar que,
do ponto de vista
jurídico, ela é
inaplicável.
A Constituição Federal
do Brasil, em seu artigo
5º prevê:
Todos são iguais perante
a lei, sem distinção de
qualquer natureza,
garantindo-se aos
brasileiros e aos
estrangeiros residentes
no País a
inviolabilidade do
direito à vida, à
liberdade, à igualdade,
à segurança e à
propriedade [...]
O direito à vida, à
liberdade, à igualdade,
à segurança e à
propriedade é um
preceito constitucional,
que se sobrepõe aos
outros.
Indubitavelmente, o
maior de todos os
direitos e que, por si
só, permite a garantia
dos outros é o direito à
vida. Entende-se,
portanto, que a pena de
morte no Brasil, se
implantada por lei,
seria inconstitucional,
salvo o caso previsto e
já comentado (durante
guerra declarada).
A grande questão é que o
artigo 5º da
Constituição Federal é
uma cláusula pétrea, ou
seja, não pode sofrer
alteração, nem mesmo por
emenda constitucional.
Alguns juristas
defendem, assim, que
para instaurar a pena de
morte no Brasil seria
necessário convocar uma
Assembleia Constituinte
(colegiado responsável
por elaborar e revisar a
constituição). Outros
estudiosos do assunto
alegam, no entanto, que
nem mesmo uma Assembleia
Constituinte poderia
trazer de volta as
situações já extintas
por outras Constituições
Federais, como é o caso
da pena extrema, pois
seria um retrocesso na
conquista de direitos
sociais.
A pena capital para o
Espiritismo
A pena de morte é uma
violação das Leis
Divinas. É faltar com a
caridade e com o perdão.
Recordemo-nos de Moisés
no Monte Sinai, o qual,
inspirado pelo alto,
colocou na pedra os dez
mandamentos (a primeira
revelação divina), dos
quais um diz: "Não
matarás".
O direito à vida é a
maior dádiva que o
Espírito pode receber da
Providência Divina, pois
constitui oportunidade
para seu progresso moral
e intelectual, mas o ser
humano, na sua
imperfeição, deseja
sobrepor-se ao Criador,
instituindo leis que
atentam contra a própria
vida.
Ninguém tem o direito,
em caso algum, de
extrair a vida de seu
semelhante.
As leis humanas só serão
perfeitas quando
estiverem alicerçadas
nas leis Divinas; se uma
das recomendações das
leis de Deus é "Não
matarás", certamente a
lei dos homens estaria
divergindo das leis
naturais, se admitisse a
pena capital.
Um verdadeiro cristão
jamais deve alimentar o
desejo da aplicação da
pena de morte, tampouco
buscar a justiça pelas
próprias mãos.
Busquemos lucidez em "O
Livro dos Espíritos":
760. A
pena de morte
desaparecerá um dia da
legislação humana?
A pena de morte
desaparecerá
incontestavelmente e sua
supressão assinalará um
progresso da Humanidade.
Quando os homens forem
mais esclarecidos, a
pena de morte será
completamente abolida da
Terra. Os homens não
terão mais necessidade
de ser julgados pelos
homens. Falo de uma
época que ainda está
muito longe de vós.
761. A
lei de conservação dá ao
homem o direito de
preservar a sua própria
vida; não aplica ele
esse direito quando
elimina da sociedade um
membro perigoso?
Há outros meios de se
preservar do perigo, sem
matar. É necessário,
aliás, abrir e não
fechar ao criminoso a
porta do arrependimento.
A pena de morte é, pois,
o reflexo de nossas
imperfeições e evidencia
nossas limitações
morais. Chegará o tempo
em que não
necessitaremos mais da
justiça dos homens, pois
prevalecerão o amor, a
caridade, o perdão e,
sobretudo, a justiça. E
nessa ocasião não haverá
espaço para a violência.
É evidente que o
criminoso não deverá
permanecer impune. Ele
deve ser isolado da
sociedade para proteger
a vida dos homens de bem
e para que o delinquente
não se torne
reincidente, até mesmo
porque nenhum Espírito
conserva-se eternamente
mau. Mas ceifar-lhe a
vida é negar-lhe a
oportunidade de
arrependimento e
corrigenda, como nos
alertam os Espíritos
superiores:
[...] "Devem amar os
infelizes, os
criminosos, como
criaturas de Deus, para
as quais, desde que se
arrependam, serão
concedidos o perdão e a
misericórdia, como para
vós mesmos, pelas faltas
que cometeis contra a
sua lei. Pensai que sois
mais repreensíveis, mais
culpados que aqueles aos
quais recusais o perdão
e a comiseração, porque
eles quase sempre não
conhecem a Deus, como o
conheceis, e lhes será
pedido menos do que a
vós. [...]
[...] "Amai-vos,
pois, como os filhos de
um mesmo pai; não façais
diferenças entre vós e
os infelizes, porque
Deus deseja que todos
sejam iguais; não
desprezeis a ninguém.
Deus permite que os
grandes criminosos
estejam entre vós, para
vos servirem de
ensinamento. [...] Não
deveis dizer de um
criminoso: ‘É um
miserável; deve ser
extirpado da Terra; a
morte que se lhe inflige
é muito branda para uma
criatura dessa espécie’.
Não, não é assim que
deveis falar! Pensai no
vosso modelo, que é
Jesus. Que diria ele, se
visse esse infeliz ao
seu lado? Havia de
lastimá-lo, considerá-lo
como um doente muito
necessitado, e lhe
estenderia a mão. Não
podeis, na verdade,
fazer o mesmo, mas pelo
menos podeis orar por
ele, dar-lhe assistência
espiritual durante os
instantes que ainda deve
permanecer na Terra. O
arrependimento pode
tocar-lhe o coração, se
orardes com fé. É vosso
próximo, como o melhor
dentre os homens. Sua
alma, transviada e
revoltada, foi criada,
como a vossa, para se
aperfeiçoar. Ajudai-o,
pois, a sair do lamaçal,
e orai por ele.” (O
Evangelho segundo o
Espiritismo, capítulo XI
- Caridade para com os
criminosos.)
A execução em momento
nenhum livra-nos do
problema. O Espírito
delituoso apenas
abandona a vestimenta
carnal, às vezes em
estado de revolta, sendo
necessário retornar ao
plano físico para
reparar o erro cometido
e poderá tropeçar no
mesmo obstáculo.
"Matar criminosos não
resolve: eles não
morrem. Os seus corpos
descerão à sepultura,
mas eles, Espíritos
Imortais, seguirão vivos
e ativos, pesando
negativamente no ar que
respiramos. E muitos
poderão voltar piores do
que foram."
(Revista Reformador -
FEB - Edição de Outubro
de 1981.)
É necessário tratar o
problema em sua origem.
A criminalidade decorre
de questões espirituais
e sociais da mais alta
complexidade. Pela
perspectiva espiritual,
a mudança constitui um
processo lento, mas
inevitável. É necessário
amparar nossos irmãos
que ainda se acham na
ignorância,
proporcionando-lhes
oportunidade de
regeneração. Orientar,
perdoar e amar, essas
são as recomendações.
Já as questões sociais
permeiam as necessidades
básicas de cidadania,
como condições de
igualdade, acesso à
informação e à educação,
saúde, segurança,
moradia, saneamento
básico, lazer e
sobretudo a preservação
da dignidade humana.
Muitas vezes o Estado
falha na garantia desses
princípios e, quando a
situação foge do
controle, criam-se
mecanismos imediatistas
e ineficientes como a
pena de morte.
O problema é de todos
nós. Não nos cabe julgar
ou punir. Na falha da
lei dos homens, deixemos
que a Providência Divina
se encarregue dos
reajustes.
Pena de morte, não!
(1)
Os dados citados são da
Anistia Internacional e
referem-se a 2013.
Referências:
-
Anistia
Internacional -
disponível em:
http://anistia.org.br/
-
O Evangelho segundo
o Espiritismo -
Allan Kardec
-
Constituição da
República Federativa
do Brasil de 1988
-
O Livro dos
Espíritos - Allan
Kardec
-
Reformador - edição
de outubro de 1981 –
FEB.
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